Arbitragem Legal

O prazo fatal para impugnação de sentença arbitral

30/11/2021

Como é de conhecimento geral, a arbitragem está inserida num microssistema dissociado do processo judicial, que comporta fases pré-definidas (pré-arbitral, arbitral e pós-arbitral). O fim da arbitragem se dá com a prolação da sentença, seja ela parcial ou final. Contra ela, não caberá recurso, ostentando de imediato (ressalvados os casos em que as partes apresentam pedidos de esclarecimentos), efeito de coisa julgada material.

A impossibilidade de rediscussão do mérito da sentença arbitral é, sem dúvida, uma das grandes vantagens da arbitragem. Tendo as partes escolhido a arbitragem, conscientemente, no contrato que deu azo à controvérsia, optaram por um método célere e extremamente técnico para a resolução do litígio.

Ocorre que, a depender do caso, nos termos do rol taxativo previsto na lei 9.307/96 (“Lei de Arbitragem”), podem as partes se valer de ação judicial que visa anular a sentença arbitral. Tais hipóteses, previstas no art. 32 da Lei de Arbitragem, são meramente formais, sendo vedada a rediscussão do mérito da sentença.

Pensando no importantíssimo fator tempo, o qual, na atividade jurídica, produz uma série de efeitos1, houve por bem o legislador fixar o derradeiro prazo de 90 (noventa) dias para o ajuizamento de ação visando a anulação da sentença arbitral. A intenção do legislador ao fixar o aludido prazo foi criar um estado de sujeição à parte interessada em desconstituir o julgado arbitral, em benefício do tempo, no seu mais puro sentido social. Tal limite temporal restou igualmente confirmado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), inclusive para as sentenças parciais de mérito2.

Com efeito, a harmonia e estabilidade das relações sociais são determinadas pelo tempo. O tempo exerce a sua influência no direito, uma vez que este determina prazos cuja finalidade é o adequado funcionamento da ordem jurídica, evitando-se transtornos aos operadores do direito, isto é, às partes, aos advogados e julgadores. Transtornos dos que mais inquietam o ser humano, como já dizia José Rogério Cruz e Tucci3, ou que promovem os mais desagregadores efeitos na sociedade, como entende Paulo Borba Casella4. O fator temporal, portanto, tem o condão de estabelecer certeza jurídica, em prol do interesse público5.

Certamente levando em consideração a importância do fator tempo na fase pós-arbitral, a preservar a força do julgado arbitral e livrar de riscos a indefinição temporal das discussões sobre matérias atinentes à eventuais defeitos formais da sentença, o STJ, em recente e magistral julgado decidiu, conforme a ementa abaixo transcrita:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA ARBITRAL AJUIZADA APÓS O DECURSO DO PRAZO DECADENCIAL PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE SENTENÇA ARBITRAL. IMPUGNAÇÃO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA ARBITRAL. POSSIBILIDADE LIMITADA ÀS MATÉRIAS DO ART. 525, § 1º, DO CPC/15. JULGAMENTO: CPC/15.

1. Recurso especial interposto em 19/06/2019 e distribuído ao gabinete em 06/10/2020. Julgamento: CPC/15.

2. O propósito recursal consiste em decidir acerca da aplicação do prazo decadencial de 90 (noventa) dias, previsto no art. 33, § 1º, da Lei 9.307/96, à impugnação ao cumprimento de sentença arbitral.

3. A declaração de nulidade da sentença arbitral pode ser pleiteada, judicialmente, por duas vias: (i) ação declaratória de nulidade de sentença arbitral (art. 33, § 1º, da Lei 9.307/96) ou (ii) impugnação ao cumprimento de sentença arbitral (art. 33, § 3º, da Lei 9.307/96).

4. Se a declaração de invalidade for requerida por meio de ação própria, há também a imposição de prazo decadencial. Esse prazo, nos termos do art. 33, § 1º, da Lei de Arbitragem, é de 90 (noventa) dias. Sua aplicação, reitera-se, é restrita ao direito de obter a declaração de nulidade devido à ocorrência de qualquer dos vícios taxativamente elencados no art. 32 da referida norma.

5. Assim, embora a nulidade possa ser suscitada em sede de impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, se a execução for ajuizada após o decurso do prazo decadencial da ação de nulidade, a defesa da parte executada fica limitada às matérias especificadas pelo art. 525, § 1º, do CPC, sendo vedada a invocação de nulidade da sentença com base nas matérias definidas no art. 32 da Lei 9.307/96.

6. Hipótese em que se reputa improcedente a impugnação pela decadência, porque a ação de cumprimento de sentença arbitral foi ajuizada após o decurso do prazo decadencial fixado para o ajuizamento da ação de nulidade de sentença arbitral e foi suscitada apenas matéria elencada no art. 32 da Lei 9.307/96, que não consta no § 1º do art. 525 do CPC/2015.

7. Recurso especial conhecido e não provido6.

O aludido julgado merece aplausos. Como se sabe, o parágrafo primeiro do art. 33 da Lei de Arbitragem determina ser noventa dias o prazo para pleitear-se a eventual anulação de sentença arbitral. Nesse contexto, ainda que a suposta invalidade da sentença arbitral possa ser arguida em sede de impugnação – o que é permitido pelo § 3° do mesmo art. 33 – ainda assim tal arguição deve se dar no prazo decadencial fixado em lei.

Nem se argumente que a autorização legal de invocação da nulidade da sentença arbitral em sede de impugnação ao cumprimento de sentença teria o condão de alargar de qualquer forma o prazo de noventa dias estabelecido no parágrafo 1º do artigo 33 da Lei de Arbitragem. Tal interpretação estaria totalmente desalinhada com a vontade do legislador e equivaleria a permitir que uma dada sentença arbitral pudesse ter a sua validade questionada a qualquer momento dentro do prazo de sua execução, o que é inadmissível.

Além de a jurisprudência do STJ já ter confirmado o interregno nonagesimal para o ajuizamento de ação anulatória contra a sentença arbitral por meio de outros julgados, diversos tribunais brasileiros já haviam confirmado a permissão ditada pelo acórdão comentado nessas linhas, a respeito da unicidade do prazo de noventa dias, o qual deve englobar, também a eventual fase de impugnação ao cumprimento de sentença. Assim caso não haja processo de execução ajuizado nos primeiros noventa dias após a prolação da sentença arbitral é imperioso que a parte que deseja anulá-la o faça no derradeiro prazo previsto no art. 33, §1º da Lei de Arbitragem. Assim entendeu o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (“TJMG”):

Como bem apontou o magistrado primevo, o prazo de o prazo de 90 dias fixado no dispositivo retrotranscrito deve ser aplicado no âmbito da impugnação ao cumprimento de cumprimento de sentença, "porquanto o legislador utilizou o termo sentença 'demanda' enquanto gênero, sem fixar previsões em contrário para este rito” (doc. eletrônico 90, fl.3).

No mesmo sentido é o que ensina a doutrina de Leonardo de Faria Beraldo, em sua obra Curso de arbitragem: nos termos da lei 9.307/96: O que não se pode, repita-se, é pretender arguir a nulidade da sentença arbitral, com base em um dos incisos do art. 32 da LA, em sede de impugnação, fora do prazo de 90 dias. E mais. Tentar se valer do inciso II do art. 475- inciso II do art. 475-L (inexigibilidade do título), como via oblíqua de atacar os vícios formais da sentença tardia é, a nosso ver, inadmissível. (São Paulo - Ed. Atlas, 2014 pg. 526).

Assim, pelo que se infere do exposto acima, não restam dúvidas de que o prazo de 90 (noventa) dias também se aplica à arguição de nulidade de sentença arbitral em sede de impugnação de sentença.”6.

Nesse ano em que a Lei de Arbitragem completou vinte e cinco anos, a decisão do STJ objeto dessas linhas, veio em bom momento. Além da fidelidade ao limite temporal imposto pelo legislador, garante estabilidade e afasta risco de indefinições sobre o momento de ajuizar eventual ação anulatória. O tempo, na sua acepção jurídica, serve para garantir estabilidade, paz social e, em especial, a certeza jurídica8. Foi nesse sentido que o STJ decidiu a questão que ora se discute, revelando-se mais um exemplo da crescente evolução da jurisprudência do STJ em matéria de arbitragem.

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1 Para José Rogério Cruz e Tucci, “Na medida em que aflora inevitável e relevante para o dia a dia de cada cidadão no convívio social, o tempo também apresenta múltiplas implicações no campo do direito” (CRUZ e TUCCI, José Rogério. Tempo e processo. São Paulo: RT, 1997. p. 17).

Nos termos do julgado: “A justificar, ainda, a imediata impugnação, é de suma relevância reconhecer que a questão decidida pela sentença arbitral parcial encontrar-se-á definitivamente julgada, não podendo ser objeto de ratificação e muito menos de modificação pela sentença arbitral final, exigindo-se de ambas, por questão lógica, tão-somente, coerência. A esse propósito, saliente-se que o conteúdo da sentença parcial arbitral, relativa à inclusão da ora recorrente no procedimento arbitral (objeto da subjacente medida cautelar e da ação anulatória de sentença parcial arbitral), não se confunde com o conteúdo da sentença final arbitral, que julgou o mérito da ação arbitral” (STJ, Recurso Especial n° 1.543.564-SP, Terceira Turma, rel. Min. Marco Aurélio Belizze, j. 25.09.2018, DJe de 01/10/2018).

3 “Não há dúvida de que entre os acontecimentos da natureza que mais inquietam o homem centra-se o fenômeno tempo” (CRUZ e TUCCI, José Rogério. Tempo e processo. São Paulo: RT, 1997. p. 17).

4 Paulo Borba Casella, ao tratar do fundamento e da norma cogente de direito internacional, delimita o problema do decurso do tempo da seguinte forma: “A fundamentação pode ser intangível, mas não pode se socorrer de fundamentação metafísica ou metajurídica: há que ser encontrada no campo do direito, e a partir do reconhecimento da existência deste, fazer operar o direito e deste extrair (depois da existência) tanto validade quanto eficácia. E que estas se sustentem, não obstante as diferenças culturais, políticas e sobrevivam ao mais desagregador de todos os fatores: a inexorável passagem do tempo” (CASELLA, Paulo Borba. Fundamentos do direito internacional pós-moderno. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 738).

5 Como bem afirma Humberto Theodoro Júnior ao tecer comentários sobre o instituto da decadência: “É de interesse público que as situações jurídicas submetidas a esse tipo de prazo [decadencial] fiquem definidas de uma vez para sempre, com o seu transcurso” (JÚNIOR, Humberto Theodoro. Prescrição e Decadência. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 321).

6 STJ, Recurso Especial nº 1.1900.136-SP, Terceira Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, J. 06.04.2021, DJe de 15/04/2021.

7 TJMG, Agravo de Instrumento n° 1.0000.16.049435-7/004. Des. José Américo Martins da Costa. J. 22/06/2017.

8 Nesse sentido a lição de Humberto Theodoro Júnior: “(...) é a certeza jurídica que determina a subordinação de certos direitos facultativos ao exercício obrigatório dentro de determinado prazo, para que seu término se tenha como firme e inalteravelmente definida a situação jurídica das partes” (Prescrição e Decadência. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 321).

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Colunista

Thiago Marinho Nunes é doutor em Direito Internacional e Comparado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; Mestre em Contencioso, Arbitragem e Modos Alternativos de Resolução de Conflitos pela Universidade de Paris II – Panthéon-Assas; Vice-Presidente da CAMARB; Fellow do Chartered Institute of Arbitrators; Professor Titular de Arbitragem e Mediação do IBMEC-SP; árbitro independente.