Para que a missão jurisdicional do árbitro se efetive com sucesso, o que se dá mediante a entrega de uma sentença exequível, em determinados casos, a prova a ser produzida pelas partes pode ser crucial. Seja por meio de um documento, de uma testemunha, seja ela fática ou técnica, seja por uma perícia, a prova exerce papel preponderante na missão do árbitro.
Se de um lado, a tradição advinda do processo demonstra que a prova pericial exercida por perito nomeado nomeado pelo tribunal arbitral no âmbito de uma arbitragem pode ter a sua utilidade, por outro lado, a evolução do estudo e da prática da arbitragem se direciona no sentido de dispensar o uso de um terceiro técnico para auxílio do tribunal arbitral, cabendo às próprias partes a demonstração de seu direito, por meio do uso de seus próprios peritos, o que em nada afeta o exercício da função jurisdicional do árbitro.
Foi exatamente nesse sentido evolutivo, que o Superior Tribunal de Justiça ("STJ"), em recente e magistral decisão1, fixou, inter alia, o seguinte entendimento:
"A despeito da nomenclatura utilizada para designar a testemunha técnica, a doutrina arbitralista, majoritariamente, com razão, classifica essa espécie probatória, não como uma prova testemunhal propriamente, mas sim como uma prova técnica. Nesse peculiar tipo de prova, de larga utilização nas arbitragens, sobretudo nas internacionais, os profissionais, dotados de especialização na área do conhecimento exigido para solver as questões de ordem técnica do litígio, são contratados, cada qual, pelas partes, deles se exigindo independência e imparcialidade na elaboração de seus laudos e em seus depoimentos, não se confundindo, assim, com a figura dos assistentes técnicos. A oitiva dos especialistas da matéria em litígio constitui, assim, em princípio, prova técnica idônea a conferir ao árbitro os subsídios necessários ao deslinde das questões que, porventura, desbordem de sua área de formação".
A despeito do tradicional método de realização de prova pericial por meio de perito nomeado pelo tribunal arbitral, com o auxílio de assistentes técnicos nomeados pelas próprias partes, nada impede que a prova técnica numa arbitragem seja comandada pelas próprias partes, as quais nomeiam diretamente seus peritos para apresentarem seus respectivos pareceres técnicos. E tais pareceres técnicos, apesar de produzidos pelas próprias partes, conferem aos árbitros os necessários subsídios ao deslinde da demanda, como bem frisado pelo julgado acima2.
Com efeito, a flexibilização da instrução processual em sede arbitral pode contribuir para uma solução mais adequada a diversas demandas. Isso porque a arbitragem permite a oitiva de peritos técnicos ("expert witness"3), possibilitando, por exemplo, a substituição da figura do perito por uma empresa de auditoria escolhida pelas partes, ou a utilização de meios probatórios e de transmissão de informações mais modernos4.
Esse tipo de metodologia procedimental adotada pelos árbitros, evita o ainda mais custoso uso de perito do tribunal, e provoca intensidade – entre partes e tribunal arbitral – na aferição dos pontos técnicos que merecem prevalecer em determinado caso. Para isso, a audiência de instrução permanece sendo um momento de vital importância na arbitragem, pois poderão os árbitros ouvir os peritos das partes, suas apresentações e submetê-los à inquirição das partes, por meio do contra-interrogatório ("cross examination"). Certamente, a experiência dos membros do tribunal arbitral exercerá papel importante para detectar as eventuais inconsistências da matéria técnica que estiver sob exame. Afinal, é exatamente a técnica do cross examination, com participação ativa das partes e seus advogados numa conferência de testemunhas ("witness conferencing") que poderá levar o tribunal arbitral, destinatário da prova, formar seu convencimento a respeito da matéria5.
A fim de garantir a higidez dessa modalidade de prova técnica na arbitragem, cabe ao tribunal arbitral, na qualidade de destinatário da prova, a qual será por ele valorada a fim de formar a sua convicção, estabelecer regras que discipline a conduta das testemunhas técnicas a serem apontadas pelas partes, o que pode ser feito, tanto no termo de arbitragem, como em eventual termo de referência que organize prova técnica a ser produzida em determinado procedimento6.
No entanto, para que o método de produção da prova técnica em discussão tenha eficácia, é imprescindível que o tribunal arbitral examine o caso em seus mínimos detalhes, esteja preparado e tenha senso de organização de modo que o resultado da conferência produza efeitos sobre a prova técnica perseguida7.
O preparo dos profissionais que atuarão na condição de árbitros, sua especialização, seu conhecimento, sua organização, sua dedicação e, é claro sua responsabilidade e senso de justiça saberão conduzir, com a devida acuidade, a produção da prova técnica, cujo ônus, como visto, pertence às próprias partes. E, ao fim e ao cabo, o tribunal arbitral prestará a tutela jurisdicional, serviço o qual está incumbido.
No ano em que se celebra 25 (vinte e cinco) anos da lei 9.307/1996, a decisão objeto dessas breves notas deve ser comemorada. Trata-se de um grande avanço nas discussões sobre o conceito da prova técnica na arbitragem, e mais um exemplo da crescente evolução da jurisprudência do STJ em matéria de arbitragem.
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1 STJ, REsp nº 1.903.359-RJ, Terceira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, j. 11.05.2021, DJe 14.05.2021.
2 Nesse sentido, merece ser citado o seguinte trecho do acórdão ora em discussão: "Nesse peculiar tipo de prova, de larga utilização nas arbitragens, sobretudo nas internacionais, os profissionais, dotados de especialização na área do conhecimento exigido para solver as questões de ordem técnica do litígio, são contratados, cada qual, pelas partes, deles se exigindo independência e imparcialidade na elaboração de seus laudos e em seus depoimentos, não se confundindo, assim, com a figura dos assistentes técnicos".
3 Aqueles que que depõem unicamente sobre aspectos técnicos da causa, com o compromisso de dizer o que creem, sob o ponto de vista técnico.
4 Esse é, aliás, o entendimento de Carlos Alberto Carmona: "A instrução processual, em sede arbitral, será bastante flexível, até porque o árbitro não está ligado às regras do Código de Processo Civil, regras que empecem – e empobrecem – a atividade do juiz togado. Assim, nada impede que o árbitro determine a oitiva de depoimento técnico – ouvindo testemunha não sobre fatos ligados à causa, mas sim sobre determinada matéria técnica, funcionamento de um mercado, usos e costumes de determinado setor – ou que faculte perguntas formuladas diretamente às partes e testemunhas (sem que haja a conhecida triangularização parte-juiz-testemunha). Melhor que isso, dependendo da capacidade do órgão arbitral (quando a arbitragem for institucional) a prova poderá ser agilizada com a transmissão de informações (ou do próprio laudo) por via eletrônica, poderão ser tomados os depoimentos com serviços de estenotipia (com degravação imediata). Como a vontade das partes impera, árbitros podem até mesmo substituir a figura do perito (com a nomeação de assistentes técnicos) por empresa de auditoria, escolhida de comum acordo pelos litigantes para determinada averiguação econômico-financeira ou até mesmo contábil (...)". (O processo arbitral, Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo: RT, v. 1, n. 1, p. 21-31, jan./abr. 2004).
5 Segundo Alex Wilbraham: "Com o witness conferencing, os peritos (e eventuais testemunhas) comparecem juntos à audiência, em vez de o tribunal ser obrigado a ouvi-los separadamente, isolados um do outro, e em horários ou dias diversos. Assim, os árbitros mantêm maior controle sobre a realização do cross-examination e podem dedicar mais tempo aos argumentos ou questões que, na sua opinião, são mais importantes para solução da disputa. A produção da prova poderá ser conduzida, por exemplo, dividida por assunto ou questão relevante, em vez de por perito. Vale dizer, os árbitros poderão fazer perguntas sobre um determinado assunto ou questão relevante para um perito e, em seguida, repetir a mesma pergunta para outro perito. Da mesma forma, os advogados de uma parte poderão também questionar o perito da outra parte e depois aquele nomeado pelo seu cliente, sobre o mesmo tema. O witness conferencing tenta manter o rigor inquisitorial, que é o forte em um cross-examination, enquanto ameniza os seus elementos adversariais. O controle da produção da prova é assim mais bem dividido, reduzindo um pouco o dos advogados e aumentando o dos árbitros que, por sua vez, têm desta forma maior liberdade para conduzir o procedimento”. (Perito na Arbitragem Internacional, Revista Brasileira de Arbitragem, 2006, Vol. III Issue 10) p. 104 - 109). Tal opinião parecer convergir com a de Marcos André Franco Montoro e Alexandre Palermo Simões: “Assim, defende-se que na maioria das vezes o depoimento das testemunhas técnicas (expert witnesses) é suficiente esclarecedor, evitando a realizado da demorada prova pericial pelo sistema tradicional. Também se afirma que apesar do perito ser contratado pelas partes (é a chamada hired gun, ou arma de aluguel, criticada por quem não gosta deste sistema), o árbitro tem capacidade para verificar qual das duas exposições (dois peritos) é a mais plausível, tem mais detalhes técnicos, está coerente e sem furos. O árbitro também pode apurar que em alguns pontos um perito tem razão, e em outros pontos ou outro perito é que tem razão. Mais ainda, como cada perito normalmente prepara o seu laudo sem manter contato com o outro perito (afinal, foram contratados por adversários), então ao apresentarem, no mesmo momento, os respectivos laudos, pode ser que estejam de acordo quanto a alguns fatos, cuja apuração fica praticamente resolvida (...)". (O perito e a expert witness (“testemunha técnica”) na arbitragem. in Perícias em Arbitragens. MAIA Neto, Francisco e FIGUEIREDO, Flavio Fernando de (coord.), 2012, p. 151).
6 Alguns exemplos, nesse sentido são trazidos por Cristina M. Wagner Matrobuono: "alguns painéis têm optado por estabelecer uma regra em ordem processual, como a Professora Selma Lemes, na redação a seguir produzida: (i) ESCLARECER que as partes poderão requerer que, com o intuito de recolher informações técnicas e específicas sobre determinada matéria, sejam admitidas testemunhas técnicas a serem ouvidas como contribuição para o processo de formação de convicção dos árbitros. As testemunhas técnicas deverão ser independentes das partes, não sendo admitidos nessa condição profissionais especializados que mantenham vínculo empregatício, relação de subordinação hierárquica ou qualquer relação de trabalho constante com a parte que os houver designado; (...) Idealmente, a nossa ver, as regras sobre o tema devem ser fixadas no termo de arbitragem, ou em documento similar, como exemplificativamente, a reproduzida a seguir: Na hipótese de ser determinada a produção de prova pericial, os peritos designados pelo tribunal arbitral ou nomeados pelas partes, não assim seus assistente técnicos, deverão declarar sua imparcialidade e independência e estarão sujeitos ao dever permanente de revelação de quaisquer circunstancias pretéritas ou supervenientes que possam comprometê-las". (Pesquisa: Regras de Imparcialidade e Independência na Produção de Provas em Arbitragens, Revista Brasileira de Arbitragem, n. 67, jul./set. 2020, p. 68).
7 Essa é, inclusive a opinião de Alex Wilbraham: "O sucesso do witness conferencing depende, em grande parte, de uma adequada organização. Necessita que os árbitros sejam pró-ativos e que dominem as questões objeto da disputa. Igualmente, o witness conferencing exige uma boa preparação por parte dos advogados, que devem ter a capacidade de reagir rapidamente e fazer novas perguntas sobre as questões levantadas pelos árbitros e respostas dadas pelos peritos. Outro ponto fundamental é que a audiência seja gravada ou transcrita de forma eficiente, permitindo que as informações reveladas possam ser úteis às partes na elaboração de suas alegações finais. Finalmente, caberá ao presidente do tribunal arbitral garantir a eficiência do witness conferencing, mediante a organização e coordenação desse procedimento." (Perito na Arbitragem Internacional, Revista Brasileira de Arbitragem, 2006, Vol. III Issue 10) p. 104 - 109).