Nesta segunda parte dos estudos sobre os bastidores da atividade do árbitro, serão discorridos os principais aspectos decorrentes dessa atividade na chamada fase arbitral. O ponto de partida da aludida fase ocorre com a instituição da arbitragem, nos termos do art. 19 da lei 9.307/96 (“Lei de Arbitragem”) e acaba no momento em que o árbitro único ou tribunal arbitral profere a sentença arbitral, ou se provocado por meio de pedido de esclarecimentos, no momento em que o decide.
Os bastidores da atividade dos árbitros na fase arbitral se manifestam em duas subfases: a fase postulatória (I), fase instrutória (II).
I. Fase postulatória
A fase postulatória do procedimento arbitral é compreendida pela apresentação de uma rodada de manifestações escritas, que pode englobar ainda rodadas orais, seja pela realização de audiência para exposição de pedidos cautelares, audiência para apresentação do caso, reuniões de trabalho, inter alia. Tais rodadas de manifestação são definidas no documento intitulado “Termo de Arbitragem” (ou “Ata de Missão”, segundo a terminologia utilizada pelo Regulamento de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional – CCI).
A interação entre os membros que compõem um tribunal arbitral é de suma importância já no momento da reunião em que se discute e, finalmente, se firma o Termo de Arbitragem. De início, é preciso que haja iniciativa do tribunal arbitral, por meio do(a) presidente na invocação do art. 21, § 4º da Lei de Arbitragem de modo a indagar as partes sobre a possibilidade de realização de acordo. Havendo essa possibilidade, uma fase preliminar conciliatória pode ser instaurada, devendo os árbitros observarem que não são conciliadores, deixando a puro critério das partes a realização da fase conciliatória. Em alguns casos, árbitros podem adotar uma postura ativa na realização da conciliação, o que pode ser pernicioso ao procedimento1. Dessa forma, é imprescindível que haja harmonia entre os membros do tribunal arbitral, de modo que todas as decisões que forem tomadas nesta fase sejam, previamente, sujeitas à deliberação2.
No caso de a conciliação restar infrutífera, é recomendado aos árbitros que adotem postura ativa na condução da reunião de discussão e assinatura do Termo de Arbitragem. Ademais, é necessário discutir com as partes e seus patronos critérios para tornar o procedimento mais eficiente, como por exemplo, a possibilidade de encurtamento da fase postulatória (sem a apresentação de réplicas e tréplicas) ou mesmo a substituição de réplicas e tréplicas por uma audiência de apresentação do caso, ou, o que é ainda mais raro, porém recomendável, que se se abra espaço para breve apresentação do caso durante a própria reunião para discussão e assinatura do Termo de Arbitragem3.
Durante essa fase, a comunicação entre os árbitros deve ser permanente. Cada caso tem a sua peculiaridade. Disputas envolvendo contratos de construção, disputas envolvendo contratos de fusão e aquisição e disputas societárias, podem possuir uma dinâmica diferente, tanto na fase postulatória quanto na instrutória. Daí advém a necessidade de uma postura ativa do tribunal arbitral ao propor às partes que apresentem, ainda na fase postulatória, laudos de experts ou declarações testemunhais, de modo que se possa adiantar o acervo probatório dos autos, sem que se tenha de esperar até um longínquo prazo para especificação de provas.
Durante a fase postulatória, recomenda-se que haja uma constante interação entre os membros do tribunal arbitral, a cada manifestação apresentada, de modo que providências a serem tomadas visem a higidez e boa condução do procedimento. Um exemplo disso, ocorre nos casos em que uma das partes tem a sua falência decretada no curso do procedimento arbitral. É imperioso que os árbitros discutam sobre essa ocorrência, notadamente em razão das implicações legais decorrentes da representação da massa falida nos autos do procedimento arbitral4. Outro ponto fundamental reside nas objeções processuais eventualmente suscitadas por uma das partes. Por exemplo, se a parte requerida faz objeção acerca da ausência de clausula compromissória e, consequentemente, ausência de jurisdição do tribunal arbitral, é imperioso que os árbitros discutam acerca da bifurcação do procedimento antes de tecer considerações sobre o mérito da controvérsia, eis que, eventual decisão advinda desse tipo de objeção jurisdicional deverá se dar ou por sentença terminativa (caso os árbitros entendam pela ausência de jurisdição, após ouvidas as partes e apresentadas as provas a respeito) ou por meio de sentença parcial de jurisdição.
Não há uma receita pronta para a atuação dos árbitros na fase postulatória, mas recomenda-se que o tribunal, verdadeiro condutor da arbitragem aja com proatividade, estabelecendo propostas de encaminhamento eficiente do procedimento, como por exemplo, a designação de reuniões de trabalho com as partes e seus patronos de modo a que se estabeleça um calendário procedimental alternativo, eventualmente, em momento pós-apresentação de uma sentença parcial, seja de jurisdição, seja de mérito5.
De uma forma, geral, durante a fase postulatória, não se recomenda que os árbitros façam julgamentos ou teçam considerações a respeito de aspectos do mérito das teses em discussão6, mas que tão somente discutam os tópicos mais controversos do caso de modo a, desde cedo, estabelecer entendimentos e consenso acerca de tais questões, todas de cunho procedimental7. A falha nesse dever, pode levar ao afastamento do árbitro8. No entanto, essa percepção pode mudar, de forma paulatina, quando procedimento arbitral adentra a fase instrutória, conforme se verificará no item seguinte.
II. Fase instrutória
A fase de instrução na arbitragem pode ocorrer de diversas formas: fase de produção de documentos por meio do conhecido Redfern Schedule ou do recente Armesto Schedule9, realização de perícia técnica por meio de perito indicado pelo tribunal arbitral, inter alia. Mas o momento principal da fase instrutória é a realização da audiência de instrução. É o momento em que os patronos das partes fazem suas respectivas sustentações orais, em que há o depoimento dos representantes das partes, oitiva de testemunhas fáticas e/ou técnicas, entre outros10. Como normalmente se dá a comunicação entre os árbitros durante essa fase?
Durante a fase instrutória, a comunicação entre os árbitros deve ser ainda mais intensa do que a verificada na fase postulatória. As comunicações relativas a esta fase ocorrem, primeiramente, em momento pré-audiência de instrução. Não raro, alguns dias antes da audiência, os membros do tribunal arbitral se reúnem para uma reunião em que debaterão sobre a dinâmica da audiência, considerando, por exemplo, a possibilidade ou não de se fazer perguntas aos patronos das partes durante as suas sustentações orais, as possíveis contraditas de testemunhas e, desde logo, um consenso sobre a forma ser adotada na apreciação das eventuais contraditas. Outro ponto que é previamente discutido entre os árbitros é a possibilidade de se fazer uma acareação entre eventuais testemunhas técnicas arroladas pelas partes, o conhecido “hot tubbing”. A comunicação entre os árbitros nesses momentos é de suma importância, devendo ser alcançado previamente um consenso sobre questões procedimentais pré-audiência. Tais reuniões pré-audiência são normais e recomendadas, de modo a harmonizar pensamentos e deixar os membros do tribunal arbitral “na mesma página” no momento da realização da audiência de instrução.
Durante as audiências de instrução, é normal que os árbitros discutam, nos intervalos ou breves pausas acerca da credibilidade ou não de determinada testemunha e de pontos que gostariam que eventual testemunha, seja ela técnica ou fática, deveriam enfrentar. Conquanto as testemunhas sejam arroladas pelas partes, o destinatário da prova é o árbitro, de modo que a interação constante entre os membros do tribunal arbitral nos intervalos ou pausas da audiência, com impressões tiradas dos depoimentos prestados e conclusões parciais atingidas, pode levar a um desfecho eficiente da audiência. E para que se tenha eficiência, é imprescindível que haja interação harmônica entre os árbitros.
Normalmente, finalizada a audiência de instrução, não havendo mais provas a serem produzidas pelas partes, os árbitros concedem prazo comum às partes para revisão conjunta das notas estenográficas da audiência, para então, ao final, determinar, se o caso, o encerramento da instrução e a concessão de prazo para apresentação de suas alegações finais.
O passo seguinte, é a fase de deliberação quanto ao resultado na arbitragem, casos em que os árbitros, normalmente, se reservam o direito de proferir sentenças parciais, finais ou mesmo converter o julgamento do caso em diligência, dependendo das peculiaridades do caso. Os bastidores desta fase serão objeto do próximo texto desta Coluna.
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1 Assim entende Jésus Almoguera: “Arbitrators have to be —and appear to be— independent and impartial. The concern here is twofold. Firstly, an arbitrator, while acting as a mediator, may end up receiving information from one of the parties (or both) that such party would have never disclosed to an arbitrator. If mediation discussions do not bear fruit and arbitration is resumed, the information may be used by the arbitrator or, even worse, by the other party, and this would amount to unequal treatment. Secondly, the arbitrator that has previously attempted a settlement may be influenced by the attitude and conduct of the parties during settlement discussions, and this would render him partial”. ALMOGUERA, Jesús. Arbitration and Mediation Combined. The Independence and Impartiality of Arbitrators, in Miguel Angel Fernandez Ballester and David Arias Lozano (eds), Liber Amicorum Bernardo Cremades, (© Wolters Kluwer España; La Ley 2010).
2 Nesse sentido entende Ugo Draetta: “Throughout that process, however, everyone concerned should be ready to seek out, facilitate and grasp any opportunity for settlement”. (Behind the Scenes in International Arbitration. New York: JurisNet, 2011, p. 68). Sobre o assunto ver NUNES, Thiago Marinho. Fonte: Clique aqui. Acesso em 16.10.2020.
3 Sobre o assunto, ver MUNIZ, Joaquim de Paiva. Arbitration in Brazil: are users really happy? In R. Bras. Al. Dis. Res. – RBADR | Belo Horizonte, ano 02, n. 03, p. 251-259, jan./jun. 2020, pp. 251-259.
4 Nesse sentido, as disposições constantes dos arts. 22, III, alínea “n” e art. 76, § Único da Lei nº 11.101/2005.
5 Segundo o entendimento de Selma Lemes: “Um exemplo de árbitro proativo é aquele que, ao iniciar a segunda fase da arbitragem (precedida por uma sentença arbitral parcial de mérito), em vez de determinar a realização de uma perícia que levará muito tempo e consumirá quantia elevada, proponha a realização de uma reunião presencial ou remota com os advogados para discutir os próximos passos do procedimento, sugerindo substituir a perícia por levantamentos efetuados por técnicos das próprias partes, fixando calendário e procedimento a serem seguidos, para, ao final, apresentarem ao tribunal arbitral ou árbitro único os valores acordados. E, se não for possível alcançar um consenso no todo, pelo menos que a perícia seja realizada para apurar uma parte remanescente do determinado do determinado na sentença arbitral de mérito. Em muitas oportunidades verificamos quão produtivo e econômico é esse proceder, a ponto de, em seguida, lavrar-se uma sentença arbitral homologatória de acordo”. LEMES, Selma Ferreira. Notas sobre o Árbitro e o Procedimento Arbitral in Estudos de Direito: uma homenagem ao Prof. José Carlos de Magalhães. São Paulo: Atelier Jurídico, 2018, p. 742.
6 Nesse sentido, v. BARROS, Octávio Fragata Martins de. Como Julgam os Árbitros: uma leitura do processo decisório arbitral. São Paulo: Marcial Pons, 2017, pp. 64-65
7 Essa é a posição, por exemplo, de David W. Rivkin: “I think that, the earlier and more often, the arbitrators can discuss the issues, the better it will be for the process for building a consensus around a final award but also for shaping the process to be the most appropriate for the case”. (Inside the Black Box: How Arbitral Tribunals Operate and Reach their Decisions (ed. Bernhard Berger and Michael E. Schneider). New York: JurisNet, 2014, p. 21).
8 Segundo Ugo Draetta: “Co-arbitrators should refrain from expressing their views on the merits of the dispute to the Chairperson while the proceedings are ongoing. The only time for doing is at the deliberations, except in particular circumstances when the Chairperson has asked for their opinion.” (Behind the Scenes in International Arbitration. New York: JurisNet, 2011, p. 60).
9 Fonte: clique aqui. Acesso em 16.10.2020.
10 Sobre a importância da audiência de instrução na arbitragem ver MALUF, Fernando e LIMA, Michelle. Audiência Arbitral: a “final de copa do mundo” na arbitragem In Direito, Mercado Jurídico e Sociedade: estudos em comemoração aos três anos do grupo de jovens advogados Leading Young Lawyers (org. VAUGHN, Gustavo [et al.]. São Paulo: Lualri Editora, 2020, pp. 329-345.