Se a gente falar apenas das semifinais, até que o Goldman Sachs não sai de todo mal na foto. Vão se cruzar Brasil x Alemanha, terça, dia 8, em Minas, e Holanda x Argentina, quarta, em São Paulo. A previsão do conglomerado financeiro tinha Espanha, e não Holanda, na lista de semifinalistas. O grau de acerto é, pois, de 75% – índice que nem sempre os bancos alcançam com as aplicações financeiras de seus clientes, tanto que há menos de seis anos o próprio Goldman Sachs quase foi à lona.
Na Copa, os erros mais significativos dos oráculos da Wall Street se concentram no caminho entre a fase de grupos e as semifinais. Segundo seus economistas, além de Brasil, Alemanha, Holanda e Argentina, chegariam às oitavas as seleções do Uruguai, da França, da Bélgica, da Colômbia, da Grécia, que realmente chegaram, e mais, Irã, Espanha, Croácia, Itália, Equador, Rússia e Portugal, que se despediram na primeira fase. Os economistas erraram 56% das previsões, portanto.
Jogos por eles previstos para as quartas de final: Brasil 3 x 1 Uruguai, França 1 x 2 Alemanha, Espanha 2 x 1 Itália e Argentina 2 x 1 Portugal. O que realmente aconteceu: Brasil 2 x 1 Colômbia, França 0 x 1 Alemanha, Holanda 4 x 3, Costa Rica (nos pênaltis, depois do 0 a 0 em 120 minutos de jogo), Argentina 1 x 0 Bélgica. O índice de acerto dos economistas do Goldman Sachs chega nem a 25%.
É indispensável, porém, fazer Justiça aos devotos da econometria. Nós, simples palpiteiros do futebol, também erramos muito, a começar pela inclusão da Espanha em praticamente todas as listas de grandes candidatos ao título. E ao falar tanto de previsões furadas, vamos relembrar mais uma, feita aqui, neste Apito Legal, há mais de dois meses, exatamente na coluna de 22 abril – Neymar faz mais falta do que Pelé. Começava assim:
– Nos anos mais vitoriosos do futebol brasileiro, a seleção foi campeã do mundo sem Pelé. Melhor dizendo: quase sem contar com o Rei. Foi em 1962, o ano do bi, conquistado sob a regência de Mané Garrincha. Pelé jogou a primeira partida da Copa, fez até o seu golzinho nos 2 a 0 sobre o México, mas se contundiu no 0 a 0 com a Tchecoslováquia e, substituído por Amarildo, não voltou a atuar na competição. Neymar nem é nem será Pelé, mas terá o Brasil alguma chance de ganhar o hexa se não puder contar com ele?
E assim respondia à dúvida levantada no parágrafo de abertura:
– Não. Neymar é uma exceção em nossos dias. Não tem parceiros como Djalma Santos, Nilton Santos, Didi e Garrincha. É uma solitária estrela de primeiríssima grandeza na seleção. Thiago Silva, que fará 30 anos em setembro, também é uma estrela do futebol atual, muito provavelmente até teria vaga entre os bicampeões mundiais em campos do Chile, mas ainda joga no time dos mortais. Neymar, se repetir as atuações da Copa das Confederações e for campeão do mundo aos 22 anos, será precoce candidato a conviver no Olimpo com deuses da bola como Pelé, Garrincha e Maradona.
E não é que, por uma dessas ironias históricas das quais o futebol é pródigo, o Brasil vai enfrentar a Alemanha nas semifinais sem Neymar e sem Thiago Silva? Estamos perdidos, então? Não, não e não.
Desdiz-se o colunista? Evidentemente.
É obrigatório reconhecer: sem Neymar e sem Thiago, a Seleção não teria chegado até aqui. No entanto, quem tem olhos para ver, e não apenas ouvidos para escutar o que tanto repetem narradores e comentaristas na tevê, há de recordar que o Brasil já mostrou em dois momentos nesta Copa que pode jogar bola mesmo sem seu maior craque – os últimos 20 minutos dos 4 a 1 sobre Camarões, quando ele já não estava em campo, e quase todo o 2 a 1 sobre a Colômbia, em que ele teve sua mais discreta atuação até ser agredido por Juan Zúñiga.
É verdade, que embora não tenha conseguido repetir a atuação esfuziante dos 4 a 0 da estreia contra Portugal, a Alemanha é tecnicamente a melhor seleção desta Copa e ainda tem o melhor banco de reservas. Falta-lhe um Messi ou um Neymar, porém. Thomas Muller é muito, mas não é tudo. A Argentina passou por adversários fracotes ou medianos, nunca com vantagem de mais de um gol, graças a Messi, decisivo como sempre, mas sem o brilho de outras jornadas. E a Holanda, como nenhuma outra seleção da Copa, depende totalmente de Arjen Robben.
A bola dá voltas e, por isso, o futebol é tão instigante. Toda a torcida espera que, contra os alemães nas semifinais, mesmo sem Neymar e Thiago, o Brasil jogue como nunca e vença como sempre. Afinal, o futebol "possui a vantagem de não ter um enredo fixo", como lembra o psicanalista Leopold Nosek em artigo publicado neste domingo, dia 6, pela Folha de S.Paulo. "Além de o acerto ser exceção, outras características imitam o cotidiano: o melhor não ganha do pior necessariamente. Nem os bons são recompensados nem os ímpios queimam no inferno".
E quanto às finais, tomara que o Goldman Sachs saia muito bem na foto. Afinal, sem se dar ao trabalho de prever o resultado da frustrante disputa pelo terceiro lugar entre Alemanha e Holanda, seus profetas cravaram Brasil 3 x 1 Argentina na briga pelo caneco. Somos todos Goldman Sachs desde criancinhas.
Profético?
De Neymar, na entrevista coletiva de 11 de junho, véspera da abertura da Copa: "Não quer ser o melhor jogador da Copa, não quero ser o artilheiro, quero ser campeão".
Chegou a hora de Fred
Mais do que nunca o Brasil precisará de Fred.
Ruim com Fred, pior com Jô, reconhecerá o mais ranheta crítico do desempenho da Seleção. E se havia a possibilidade de o Brasil jogar sem um típico camisa 9, como tão bem faz a Alemanha quando joga com Muller no comando do ataque, a possiblidade se acabou no instante em que Neymar foi tirado da Copa.
Agora, seja quem for o substituto de Neymar, o Brasil precisa dos gols de Fred.
E Felipão gosta de jogar com um centroavante como referência no ataque. Esse, no entanto, é um modelo ofensivo que, no futebol de nossos dias, se justifica cada vez menos, a não ser que o técnico disponha de fenômenos da área como Ronaldo e Romário.
O centroavante é uma espécie em extinção, como prenunciavam a Hungria de Hidegkuti em 1954, o Brasil de Tostão em 1970 e as várias Holandas que antecederam o fenômeno Van Basten. Agora, em 2014, Holanda e Alemanha, entre outras, também têm mostrado que mais vale a versatilidade do que e a especialização no arremate a gol. O futebol é criação. A finalização não pode ser uma especialidade. É um fundamento técnico que se deve cobrar de todos que se aproximam do gol adversário.
A Seleção atual, no entanto, não se preparou para tal realidade.
Fred não é um craque à altura de Romário e Ronaldo, mas é um goleador, sabe jogar com a bola nos pés e, portanto, pode dialogar com Hulk, Oscar e quem mais lhe fizer companhia nas cercanias da área. Tem de se movimentar mais, é claro, mas precisa igualmente que os outros se aproximem dele. Não é solista. É um jogador de equipe, indispensável a esta altura do Mundial, como foi na Copa das Confederações do ano passado, com cinco gols e uma assistência que ajudaram o Brasil a vencer japoneses, mexicanos, italianos, uruguaios e espanhóis.
Nós vamos de Fred contra os alemães. E bem que eles poderiam entrar no Mineirão com Klose, que se mostrou no 1 a 0 sobre a França tão ineficaz quando Fred até aqui. Até aqui!
Desfalque
Outra vítima de lesão muscular pode deixar a Copa e fará muita falta à Argentina contra a Holanda, na semifinal: o craque Di Maria, que demorou a engrenar na competição, mas marcou o gol salvador a dois minutos do final da prorrogação diante dos suíços nas oitavas e fazia sua melhor exibição, contra os belgas nas quartas, quando se contundiu e teve de sair de campo.
Números da Fifa
Segundo os números da Fifa, relativamente confiáveis, o Brasil cometeu 96 faltas em seus cinco jogos; a Holanda, 94; a Alemanha, 77; e a Argentina, 51.
Foram dados 10 cartões amarelos aos brasileiros (portanto, um a cada 9,6 faltas); sete aos holandeses (um a cada 13,4); quatro aos alemães (um a cada 19,25); e cinco aos argentinos (um a cada 10,2).
Parece que as faltas cometidas por europeus doem menos.
Coincidência?
Numa Copa marcada pela relutância dos árbitros em mostrar o cartão amarelo, o Brasil teve dois de seus principais jogadores suspensos por ter recebido o castigo em dose dupla – Luiz Gustavo, primeiro, e agora Thiago Silva.
E o cracaço Neymar recebeu o cartão amarelo já na estreia, nos 3 a 1 sobre a Croácia.
Já o delicado Juan Zúñiga, que chutou violentamente o joelho de Hulk no fim do primeiro tempo e quase aleijou Neymar no fim do segundo, pode até ganhar o Troféu Fairplay da Fifa. Nenhuma das duas faltas foi marcada e ele voltou para a Colômbia sem um amarelinho sequer.
Felipão não acha que seja coincidência.
Perigo
No sábado, 12, dia da disputa pelo terceiro lugar na Copa, a Colômbia festejará o 23º aniversário de seu craque James Rodríguez. Será que Zúñiga vai à festa?
Dois pra lá
O Brasil de Luiz Felipe Scolari já despachou dois argentinos nesta Copa – Jorge Sampaoli e seu Chile, José Néstor Pekerman e sua Colômbia.
Que venham o terceiro (e o quarto) – Alejandro Sabella e seu Messi.
Na rede
O Twitter não deixa dúvida: o futebol chegou, enfim, aos Estados Unidos. Minutos depois da comprovação de que Neymar está fora da Copa, duas superestrelas da NBA, Kobe Bryant e LeBron James, fizeram questão de postar mensagens sobre o craque.
"A porrada no @neymarjr é um exemplo péssimo e sem classe de como competir", escreveu, assim mesmo, em português, o ala-armador do Los Angeles Lakers.
Em inglês, fazendo questão de destacar que o brasileiro é o jogador preferido de seus filhos, o ala do Miami Heat na última temporada registrou: "Odiei ouvir as notícias do Neymar! Que jogador. Tenha uma excelente e rápida recuperação. Volte logo, cara".
Dupla imbatível
A desclassificação da França de Didier Deschamps nas quartas de final, depois de os EUA de Jurgen Klinsmann se despedirem nas oitavas, garante a permanência do brasileiro Mário Jorge Lobo Zagallo e do alemão Franz Beckenbauer como únicos campeões, em toda a história da Copa do Mundo, como jogador e como técnico.
Fim de papo
"Ele tem assistido a todos os jogos em casa. Na final, vai estar presente com 113 % de certeza". – Mário Cesar Zagallo, filho do único homem em todo o mundo da bola que venceu quatro vezes a Copa, antes mesmo que a Seleção batesse a Colômbia e se garantisse nas semifinais