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A Copa do Mundo é nossa

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8/7/2010

"No futebol, a cabeça é o terceiro pé" – ensinava Neném Prancha, perspicaz filósofo da Escola de General Severiano. O Brasil de Dunga falhou em duas jogadas pelo alto e saiu da Copa do Mundo. Nem o holandês Sneijder, baixinho daquele jeito, parecia acreditar no cabeceio que despachou o Brasil para o voo de volta. (Aliás, até hoje, o grandalhão Zidane ainda se surpreende com aqueles dois gols de cabeça que deram à França o título de 1998.)

Nosso Marcuse da bola tinha razão ao valorizar o cabeceio, fundamento importante do futebol, mas é preciso parafraseá-lo, trocando cabeça por cachola, se quisermos entender melhor a decepção brasileira – mais uma ! – em Port Elizabeth. Faltou cabeça ao time ou, falando mais explicitamente, faltou massa cinzenta, como ficou sintetizado na patada desferida por Felipe Melo em Robben.

A Seleção tinha limitações técnicas, táticas e físicas, como qualquer outra equipe, mas o que determinou realmente a queda nas quartas de final foi a falta de preparo mental. Não é à toa que o presidente da CBF, antes mesmo de anunciar a nova comissão técnica, já anda se perguntando se não é o caso de lhe agregar um psicólogo.

Pode ser, mas não basta. A racionalidade é pré-condição de todo o trabalho a ser feito até 2014. Não se pode exigir equilíbrio de um Felipe Melo se chefe e chefetes da Seleção tocam a bola atabalhoadamente durante os quatro anos de preparação para a Copa do Mundo.

A nova comissão técnica tem de trabalhar com critérios objetivos, metas e definições estratégicas que nem sempre passam por resultados positivos nos primeiros tempos de preparação da equipe.

É o que promete Ricardo Teixeira, mas promessas também não bastam num futebol tão desorganizado como o nosso. O primeiro passo tem de ser dado pelo próprio presidente da CBF ao formular um desenho mais arejado e democrático para a comissão técnica que promete anunciar até o final deste mês com a incumbência principal de renovar radicalmente o elenco da Seleção.

Renovar o time não parece problema para quem tem os ainda jovens, embora experimentados, Robinho, Ramires, Thiago Silva e Nilmar, e pode convocar promessas como Pato, Neymar, Ganso, Hernanes, Anderson, Marcelo e tantos outros garotos bons de bola que vêm animando as especulações da mídia.

Problema é montar uma comissão técnica capaz de tirar o rendimento máximo dessa rapaziada sem lhe roubar a alegria que sempre acompanhou campeões como Pelé, Garrincha, Didi, Gerson, Tostão, Romário, Ronaldo, Rivaldo e tantos outros craques e não tão craques assim, mas todos felizes cidadãos do país do futebol.

Queremos em campo um Brasil feliz e risonho, que volte a tocar a bola com o carinho que lhe devota a Espanha de Iniesta, Xavi e Xabi Alonso e saiba impor o ritmo do jogo como a Holanda de Sneijder e Robben. Em 2014, queremos o hexa. Aliás, corrija-se : exigimos o hexa em 2014.

Disputá-lo em casa vai ser uma felicidade ou um peso adicional para a geração desprezada por Dunga em 2010 ? A resposta será dada pela nova comissão técnica, que terá de compensar a inexperiência do novo time. O trabalho começa já, em agosto, no amistoso contra a valente e disciplinada seleção dos Estados Unidos.

Neste instante, o que interessa é o redesenho da comissão técnica. Não basta trocar A por B. O organograma tem de ser modernizado. É indispensável um comando profissional. O treinador tem de trabalhar as convocações e o time. Não pode escolher toda a comissão, baixar normas disciplinares, determinar o relacionamento entre jogadores e a mídia, escolher hotéis e voos. Deve ser subordinado a um diretor técnico. E o diretor técnico tem de participar da escolha do treinador.

O Brasil dispõe de boas cabeças para coordenar a comissão técnica encarregada de comprovar, em 2014, que a Copa do Mundo é nossa. Parreira e Leonardo, por exemplo, sabem o que é uma Copa do Mundo, conhecem a CBF, têm vasta experiência internacional, sacam virtudes e manias de treineiros e jogadores, relacionam-se bem com os clubes europeus e com a imprensa de todo o mundo. São executivos capazes de modernizar as relações de trabalho na Seleção.

Escalar um diretor técnico competente é o primeiro passo para que a Copa do Mundo volte a ser nossa. O que não cabe na cabeça da gente é fazer aqui uma nova festa para espanhóis, holandeses, alemães, uruguaios...

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Colunista

Roberto Benevides é jornalista, foi por muitos anos colunista e o editor do caderno de esportes de O Estado de S. Paulo, trabalhou também no JB, na Folha de S.Paulo, nas revistas Veja, Exame, Quatro Rodas, Placar e Época. Nos últimos dois anos, fez a coordenação editorial de uma coleção de 15 livros sobre esportes olímpicos publicada pelo editora do Sesi.