Para finalizar o exame dos direitos básicos do consumidor previstos no art. 6º do CDC, cuido agora da inversão do ônus da prova.
Com efeito, dispõe o inciso VIII do citado art. 6º o seguinte:
“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(...)
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;”
Já tive oportunidade de deixar consignado que o CDC constitui-se num sistema autônomo e próprio, sendo fonte primária (dentro do sistema da Constituição) para o intérprete.
Dessa forma, no que respeita à questão da produção das provas no processo civil, o CDC é o ponto de partida, aplicando-se a seguir, de forma complementar, as regras do Código de Processo Civil (arts. 369 a 484).
Para entender, então, a produção das provas em casos que envolvam as relações de consumo é necessário levar em conta toda a principiologia da lei 8.078, que pressupõe, entre outros princípios e normas, a vulnerabilidade do consumidor, sua hipossuficiência (especialmente técnica e de informação, mas também econômica), o plano geral da responsabilização do fornecedor, que é de natureza objetiva etc.
Ao lado disso, têm-se, na lei consumerista, as determinações próprias que tratam da questão da prova.
Na realidade, é a vulnerabilidade reconhecida no inciso I do art. 4º que principalmente justifica a proteção do consumidor nesse aspecto.
A primeira situação envolvendo provas na lei consumerista é a relacionada à responsabilidade civil objetiva do fornecedor pelo fato do produto e do serviço (arts. 12 a 14), bem como à responsabilidade pelo vício do produto e do serviço (arts. 18 a 20, 21, 23 e 24) e que se espraia por todo o sistema normado da lei 8.078/90.
Veja-se que, haverá, por exemplo, necessidade de o consumidor provar o nexo de causalidade entre o produto, o evento danoso e o dano, para pleitear a indenização por acidente de consumo. E a produção dessa prova preliminar necessária se fará pelas regras do Código de Processo Civil, a partir dos princípios e regras estabelecidos no CDC.
Todavia, também essa prova, como qualquer outra que tiver de ser produzida, deverá guiar-se pelo que está estabelecido no art. 6º, VIII, do CDC (e também no art. 38, no caso específico da publicidade).
Além de tudo o que disse acima, consigne-se que em matéria de produção de prova o legislador, ao dispor que é direito básico do consumidor a inversão do ônus da prova, o fez para que, no processo civil, concretamente instaurado, o juiz observasse a regra.
E a observância de tal regra ficou destinada à decisão do juiz, segundo seu critério e sempre que se verificasse a verossimilhança das alegações do consumidor ou sua hipossuficiência.
Para entender o sentido do pretendido pela lei consumerista é preciso primeiro compreender o significado do substantivo “critério”, bem como o do uso da conjunção alternativa ou.
O substantivo “critério” há de ser avaliado pelo valor semântico comum, que já permite a compreensão de sua amplitude.
Diga-se, inicialmente, que agir com critério não tem nada de subjetivo. “Critério”1 é aquilo que serve de base de comparação, julgamento ou apreciação; é o princípio que permite distinguir o erro da verdade ou, em última instância, aquilo que permite medir o discernimento ou a prudência de quem age sob esse parâmetro.
No processo civil, como é sabido, o juiz não age com discricionariedade (que é medida pela conveniência e oportunidade da decisão). Age sempre dentro da legalidade, fundando sua decisão em bases objetivas.
O que a lei processual lhe outorga são certas concessões, como acontece, v. g., na fixação de prazos judiciais na hipótese do art. 762 ou do art. 9703, ambos do Código de Processo Civil.
Assim, na hipótese do art. 6º, VIII, do CDC, cabe ao juiz decidir pela inversão do ônus da prova se for verossímil a alegação ou hipossuficiente o consumidor.
Vale dizer, deverá o magistrado determinar a inversão. E esta se dará pela decisão entre duas alternativas: verossimilhança das alegações ou hipossuficiência. Presente uma das duas, está o magistrado obrigado a inverter o ônus da prova.
1 Aurélio Buarque de Holanda, Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa.
2 Art. 76. Verificada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte, o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o vício.
3 Art. 970. O relator ordenará a citação do réu, designando-lhe prazo nunca inferior a 15 dias nem superior a 30 dias para, querendo, apresentar resposta, ao fim do qual, com ou sem contestação, observar-se-á, no que couber, o procedimento comum.