ABC do CDC

A relação jurídica de consumo - O conceito de serviço - Parte VI

Rizzatto Nunes comenta sobre a continuidade dos serviços públicos segundo o CDC, destacando os aspectos de urgência e a lei de greve.

10/10/2024

Continuo examinando a relação jurídica de consumo estabelecida no CDC - Código de Defesa do Consumidor. Agora, terminando a avaliação do conceito de serviço.

Anteriormente, vimos que há ampla determinação para que os serviços públicos sejam eficientes, adequados, seguros e contínuos. Analisemos agora o caráter de essencialidade desses serviços.

Com efeito, o aspecto da essencialidade do serviço, na determinação da norma do caput art. 22 do CDC, tem de ser contínuo:

“Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.”

Há que distinguir dois aspectos: o que se pode entender por essencial e o que pretende a norma quando designa que esse serviço essencial tem de ser contínuo.

Comecemos pelo sentido de “essencial”. Em medida amplíssima todo serviço público, exatamente pelo fato de sê-lo (público), somente pode ser essencial. Não poderia a sociedade funcionar sem um mínimo de segurança pública, sem a existência dos serviços do Poder Judiciário, sem serviço de saúde etc.

Nesse sentido então é que se diz que todo serviço público é essencial. Assim, também o são os serviços de fornecimento de energia elétrica, de água e esgoto, de coleta de lixo, de telefonia etc.

Mas, então, é de perguntar: se todo serviço público é essencial, por que é que a norma estipulou que somente nos essenciais eles são contínuos?

Para solucionar o problema, devem-se apontar dois aspectos:

  1. O caráter não essencial de alguns serviços;
  2. O aspecto de urgência.

Existem determinados serviços, entre os quais apontamos aqueles de ordem burocrática, que, de per si, não se revestem de essencialidade. São serviços auxiliares que:

  1. Servem para que a máquina estatal funcione;
  2. Fornecem documentos solicitados pelo administrado (p. ex., certidões).

Se se fosse levantar algum caráter de essencialidade nesses serviços, só muito indiretamente poder-se-ia fazê-lo.

Claro que existirão até mesmo emissões de documentos cujo serviço de expedição se reveste de essencialidade, e não estamos olvidando isso. Por exemplo, o pedido de certidão para obter a soltura de alguém preso ilegalmente.

É o caso concreto, então, nessas hipóteses especiais, que designará a essencialidade do serviço requerido.

O outro aspecto, sim, é relevante. Há no serviço considerado essencial uma perspectiva real e concreta de urgência, isto é, necessidade concreta e efetiva de sua prestação. O serviço de fornecimento de água para uma residência não habitada não se reveste dessa urgência.

Contudo, o fornecimento de água para uma família é essencial e absolutamente urgente, uma vez que as pessoas precisam de água para sobreviver. Essa é a preocupação da norma.

O serviço público essencial revestido, também, do caráter de urgente, não pode ser descontinuado. E no sistema jurídico brasileiro há lei ordinária que define exatamente esse serviço público essencial e urgente.

Trata-se da lei de greve — lei 7.783, de 28/6/89. Como essa norma obriga os sindicatos, trabalhadores e empregadores a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, acabou definindo o que entende por essencial. A regra está no art. 10, que dispõe, verbis:

”Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:

  1. tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
  2. assistência médica e hospitalar;
  3. distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
  4. funerários;
  5. transporte coletivo;
  6. captação e tratamento de esgoto e lixo;
  7. telecomunicações;
  8. guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;
  9. processamento de dados ligados a serviços essenciais;
  10. controle de tráfego aéreo e navegação aérea; 
  11. compensação bancária.
  12. atividades médico-periciais relacionadas com o regime geral de previdência social e a assistência social;            
  13. atividades médico-periciais relacionadas com a caracterização do impedimento físico, mental, intelectual ou sensorial da pessoa com deficiência, por meio da integração de equipes multiprofissionais e interdisciplinares, para fins de reconhecimento de direitos previstos em lei, em especial na lei 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência);          
  14. outras prestações médico-periciais da carreira de Perito Médico Federal indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.     
  15. atividades portuárias.” 

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Colunista

Rizzatto Nunes é desembargador aposentado do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor.