ABC do CDC

A relação jurídica de consumo - O conceito de produto - Parte 3

Rizzatto Nunes examina a relação jurídica de consumo estabelecida no CDC, ainda no exame do conceito de produto.

29/8/2024

Continuo examinando a relação jurídica de consumo estabelecida no Código de Defesa do Consumidor (CDC), ainda no exame do conceito de produto. 

No artigo anterior, dissemos que um prato de papelão para comer um doce ou um copo de papelão para beber algo são exemplos de produtos “descartáveis”. Usados, joga-se-os fora. 

E levantamos um problema: o produto descartável, do ponto de vista da garantia legal, segue os mesmos parâmetros fixados para os produtos “duráveis” ou “não duráveis”? O prazo para reclamação contra vícios num e noutro caso é diferente. Qual deles seguir? 

Voltaremos a esse assunto quando tratarmos dos vícios dos produtos e das garantias conferidas pela lei. 

Mas, consignamos que, em nossa opinião, como a norma não cuida de produto “descartável” e como o produto “não durável” tem características diversas (como veremos na sequência), entendemos que tal produto deve ser tratado como durável, aplicando-se-lhe todos os parâmetros e garantias estabelecidos no CDC. 

Pois bem. O produto “não durável” é aquele que se acaba com o uso. Como o próprio nome também diz, não tem durabilidade. Usado, ele se extingue ou, pelo menos, vai-se extinguindo. Estão nessa condição os alimentos, os remédios, os cosméticos etc. Note-se que se fala em extinção imediata, como é o caso de uma bebida, pela ingestão ou extinção consumativa sequencial, como é o caso do sabonete: este se vai extinguindo enquanto é usado1. 

Estão nessas condições também os chamados produtos in natura, ou seja, os que não passam pelo sistema de industrialização, tais como o simples empacotamento, engarrafamento, encaixotamento etc., ou mesmo transformação industrial por cozimento, fritura, mistura e o decorrente de processo de armazenamento em potes, latas, sacos etc. 

O produto in natura, assim, é aquele que vai ao mercado consumidor diretamente do sítio ou fazenda, local de pesca, produção agrícola ou pecuária, em suas hortas, pomares, pastos, granjas etc. São os produtos hortifrutigranjeiros, os grãos, cereais, vegetais em geral, legumes, verduras, carnes, aves, peixes etc.2 

A não durabilidade vai ocorrer também com os demais produtos alimentícios embalados, enlatados, engarrafados etc. O fato de todo o produto não se extinguir de uma só vez não lhe tira a condição de “não durável”. O que caracteriza essa qualificação é sua maneira de extinção “enquanto” é utilizado3. 

É exatamente daí que surge a diferença específica do produto durável descartável. Enquanto este permanece quase tal como era após utilizado, o produto “não durável” perde totalmente sua existência com o uso ou, ao menos, vai perdendo-a aos poucos com sua utilização. 

E mais: quando examinarmos nos  próximos artigos os serviços, veremos que a lei faz referência àqueles “sem remuneração”. Lembremos, por isso, neste ponto, a questão do produto gratuito ou a chamada “amostra grátis”. 

Há uma única referência à “amostra grátis”, no CDC: a constante do parágrafo único do art. 39 e apenas para liberar o consumidor de qualquer pagamento. A amostra grátis diz respeito não só ao produto mas também ao serviço, posto que é sanção imposta ao fornecedor que descumpre as regras estabelecidas. 

Para o que aqui importa, refira-se que o produto entregue como amostra grátis está submetido a todas as exigências legais de qualidade, garantia, durabilidade, proteção contra vícios, defeitos etc. 

***

Continua na próxima semana.

__________

1 O conceito remete a parte do significado de bem consumível do Código Civil (art. 86): “Art. 86. São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação.”  

2 Os produtos ditos in natura não perdem essa característica quando são vendidos embalados em sacos plásticos após serem limpos, lavados e selecionados. O § 5º do art. 18 do CDC se refere expressamente a produto in natura.:

“Art. 18 (...) § 5° No caso de fornecimento de produtos in natura, será responsável perante o consumidor o fornecedor imediato, exceto quando identificado claramente seu produtor.”

3 Os serviços, como mostraremos em outro artigo, seguem disposição similar.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunista

Rizzatto Nunes é desembargador aposentado do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor.