ABC do CDC

A relação jurídica de consumo – ainda o conceito de consumidor - Parte V

O CDC regula a compra de produtos para uso pessoal, mesmo se não típicos de consumo, como um avião comprado por um milionário. A regra do destinatário final se aplica, exigindo prova na disputa judicial.

4/7/2024

Hoje continuo examinando a relação jurídica de consumo estabelecida no Código de Defesa do Consumidor (CDC), ainda com o conceito de consumidor.

No artigo anterior, terminamos lembrando que o exemplo da compra e uso da caneta pelo professor e pelo aluno tinha a virtude de elucidar a questão: A lei 8.078 regula o polo de consumo, isto é, pretende controlar os produtos e serviços oferecidos, postos à disposição, distribuídos e vendidos no mercado de consumo e que foram produzidos para serem vendidos, independentemente do uso que se vá deles fazer.

Quer se utilize o produto (ou o serviço) para fins de consumo (a caneta do aluno), quer para fins de produção (a caneta idêntica do professor), a relação estabelecida na compra foi de consumo, aplicando-se integralmente ao caso as regras do CDC.

Dessa maneira, repita-se, toda vez que o produto e/ou o serviço puderem ser utilizados como bem de consumo, incide na relação as regras do CDC. 

No entanto, é possível fazer-se uma objeção ao que foi dito, especificamente no que diz respeito aos bens que, apesar de serem típicos de produção, sejam adquiridos por consumidores enquanto tal e destinatários finais.

No desenvolvimento de nossa argumentação apresentamos o exemplo do usineiro que adquire uma usina — bem que não é de consumo — como destinatário final e dissemos que, claro, a relação jurídica dele com o fabricante da usina era tipicamente comercial.

No entanto, pode acontecer — e ocorre mesmo, na realidade — de um produto ser típico de produção e ser adquirido por um consumidor para seu uso pessoal. É o exemplo de um grande avião, digamos, um Boeing 737. Não há dúvida de que esse avião é típico de produção, (utilizado no transporte comercial de cargas e passageiros), porém há pessoas milionárias que o adquirem para seu uso pessoal. 

Nessa hipótese, temos de aplicar, pela via de exceção, a regra geral do destinatário final — consumidor. É que, no caso, atuando como comprador-consumidor que quer o bem para uso próprio, mesmo que ele não tenha sido planejado, projetado e montado para o fim de consumo, foi vendido e adquirido para tal. Daí, nessa relação jurídica específica também incidem as regras da lei 8.078/90.

O problema, no caso, será apenas o da identificação da relação jurídica de consumo, que se dará pela pessoa do adquirente: surgindo disputa de direitos, lide, processo, caberá ao consumidor-comprador demonstrar que comprou o produto (no exemplo, o avião) como bem de consumo. 

Resumindo e concluindo as cinco partes desenvolvidas:

  1. O CDC regula situações em que haja “destinatário final” que adquire produto ou serviço para uso próprio sem finalidade de produção de outros produtos ou serviços;
  2. Regula também situações em que haja “destinatário final” que adquire produto ou serviço com finalidade de produção de outros produtos ou serviços, desde que estes, uma vez adquiridos, sejam oferecidos regularmente no mercado de consumo, independentemente do uso e destino que o adquirente lhes vai dar;
  3. O CDC não regula situações nas quais, apesar de se poder identificar um “destinatário final”, o produto ou serviço é entregue com a finalidade específica de servir de “bem de produção” para outro produto ou serviço e, por regra, não está colocado no mercado de consumo como bem de consumo, mas como de produção; o consumidor comum não o adquire. Por via de exceção, contudo, haverá casos em que a aquisição do produto ou serviço típico de produção será feita pelo consumidor, e nessa relação incidirão as regras do CDC.

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Continua na próxima semana.

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Colunista

Rizzatto Nunes é desembargador aposentado do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor.