Hoje continuo examinando a relação jurídica de consumo estabelecida no Código de Defesa do Consumidor (CDC), ainda com o conceito de consumidor.
No artigo anterior apontávamos o problema do uso do termo "destinatário final", que está relacionado a um caso específico: o daquela pessoa que adquire produto ou serviço como destinatária final, mas que usará tal bem como típico de produção. Por exemplo, o usineiro que compra uma usina para a produção de álcool. Não resta dúvida de que ele será destinatário final do produto (a usina); contudo, pode ser considerado consumidor?
E a empresa de contabilidade que adquire num grande supermercado um microcomputador para desenvolver suas atividades, é considerada consumidora?
Para responder a essas questões e tentar elucidar todas as possíveis alternativas que o quadro interpretativo denota, examinaremos, detalhadamente, cada situação.
Não se duvida do fato de que, quando uma pessoa adquire um automóvel numa concessionária, estabelece-se uma típica relação regulada pelo CDC. De um lado, o consumidor; de outro, o fornecedor:
Em contrapartida, é evidente que não há relação protegida pelo Código quando a concessionária adquire o automóvel da montadora como intermediária para posterior venda ao consumidor.
Nos dois quadros acima as situações jurídicas são simples e fáceis de serem entendidas. Numa ponta da relação está o consumidor (relação de consumo). Na outra estão fornecedores (relação de intermediação/distribuição/comercialização/produção). O Código de Defesa do Consumidor regula o primeiro caso; o direito comum, o outro.
Mas o que acontece se a concessionária se utiliza do veículo como “destinatária final”, por exemplo, entregando-o para seu diretor usar?
A resposta a essa questão é fácil: para aquele veículo a concessionária não aparece como fornecedora, mas como consumidora, e a relação está tipicamente protegida pelo Código (o que será confirmado pela exposição que se segue).
Todavia, existem outras situações mais complexas.
Quando, por exemplo, a montadora adquire peças para montar o veículo, trata-se de situação na qual as regras aplicadas são as do direito comum. São típicas relações entre fornecedores partícipes do ciclo de produção, desde a obtenção dos insumos até a comercialização do produto final no mercado para o consumidor:
A visualização do quadro é simples. Estamos diante de situações cíclicas da produção, em que num dos polos aparece alguém adquirindo o produto como "destinatário final".
Porém, vamos recolocar o exemplo da usina: um fazendeiro resolve transformar-se em usineiro e para tanto encomenda uma usina para produção de álcool. Seria esse usineiro “destinatário final” da usina? Denotaria essa relação uma típica situação protegida pelo Código de Defesa do Consumidor? Examinemos o gráfico:
A situação parece diversa da anterior, porque, diferentemente da montadora, que envia as peças com o automóvel para o consumidor, na produção do álcool, este vai para o consumidor, mas a usina fica.
Contudo, há coisas na montadora que também não vão para o consumidor. Por exemplo, o prédio utilizado para a montagem do veículo. Nesse caso, a montadora é “destinatária final” do prédio e, portanto, consumidora?
Mas não serão simplesmente a usina e o prédio "bens de produção", e, assim, não se pode querer aplicar ali a lei consumerista?
Responderemos à essas questões no próximo artigo.
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Continua na próxima semana.