ABC do CDC

A relação jurídica de consumo - O conceito de consumidor - Parte I

Colunista examina a relação jurídica de consumo estabelecida no CDC, especificamente o conceito de consumidor.

6/6/2024

Hoje examino a relação jurídica de consumo estabelecida no Código de Defesa do Consumidor (CDC), especificamente o conceito de consumidor. 

Com efeito, o CDC incide em toda relação que puder ser caracterizada como de consumo. Insta, portanto, que estabeleçamos em que hipóteses a relação jurídica pode ser assim definida. 

Conforme se verá na sequência, haverá relação jurídica de consumo sempre que se puder identificar num dos polos da relação o consumidor, no outro, o fornecedor, ambos transacionando produtos e serviços. 

Vejamos, então, primeiramente, como é que a lei 8.078/90 trata o consumidor. 

O CDC resolveu definir consumidor. Sabe-se que a opção do legislador por definir os conceitos em vez de deixar tal tarefa à doutrina ou à jurisprudência pode gerar problemas na interpretação, especialmente porque corre o risco de delimitar o sentido do termo. No caso da lei 8.078/90, as definições foram bem-elaboradas1. É verdade que na hipótese do conceito de “consumidor” restam alguns obstáculos a serem superados, para cuja suplantação vamos propor alternativas. 

Apesar de algumas dificuldades, a definição de consumidor tem a grande virtude de colocar claramente o sentido querido na maior parte dos casos. 

De qualquer maneira, antes de buscarmos a delimitação do conceito, é necessário dizer que ele está basicamente exposto no art. 2º, caput e seu parágrafo único2, sendo completado por outros dois artigos. São eles os arts. 17 e 293. 

Para bem elucidar a definição de consumidor, parece-nos mais adequado começar a interpretar o caput do art. 2º, que é exatamente o que apresenta a maior oportunidade de problemas, especialmente pelo uso do termo “destinatário final”. 

Temos dito que a definição de consumidor do CDC começa no individual, mais concreto (art. 2º, caput), e termina no geral, mais abstrato (art. 29). Isto porque, logicamente falando, o caput do art. 2º aponta para aquele consumidor real que adquire concretamente um produto ou um serviço, e o art. 29 indica o consumidor do tipo ideal, um ente abstrato, uma espécie de conceito difuso, na medida em que a norma fala da potencialidade, do consumidor que presumivelmente exista, ainda que possa não ser determinado. 

Entre um e outro, estão as outras formas de equiparação. 

Comecemos, então, a tratar do caput do art. 2º. 

A mera interpretação gramatical dos termos da cabeça do artigo não é capaz de resolver os problemas que surgem. Todavia, devemos lançar mão dela, porquanto permitirá a explicitação da maior parte das questões. 

Diga-se, de início, o que decorre da obviedade da leitura. Consumidor é a pessoa física, a pessoa natural e, também, a pessoa jurídica. Quanto a esta última, como a norma não faz distinção, trata-se de toda e qualquer pessoa jurídica, quer seja uma microempresa, quer seja uma multinacional, pessoa jurídica civil ou comercial, associação, fundação etc. 

A lei emprega o verbo “adquirir”, que tem de ser interpretado em seu sentido mais lato, de obter, seja a título oneroso ou gratuito. 

Porém, como se percebe, não se trata apenas de adquirir, mas também de utilizar o produto ou o serviço, ainda quando quem o utiliza não o tenha adquirido. Isto é, a norma define como consumidor tanto quem efetivamente adquire (obtém) o produto ou o serviço como aquele que, não o tendo adquirido, utiliza-o ou o consome. 

Assim, por exemplo, se uma pessoa compra cerveja para oferecer aos amigos numa festa, todos aqueles que a tomarem serão considerados consumidores4. 

A norma fala em “destinatário final”. O uso desse termo facilitará, de um lado, a identificação da figura do consumidor, mas, por outro, trará um problema que tentaremos resolver. 

Evidentemente, se alguém adquire produto não como destinatário final, mas como intermediário do ciclo de produção, não será considerado consumidor. Assim, por exemplo, se uma pessoa — física ou jurídica — adquire calças para revendê-las, a relação jurídica dessa transação não estará sob a égide da lei 8.078/90. 

O problema do uso do termo “destinatário final” está relacionado a um caso específico: o daquela pessoa que adquire produto ou serviço como destinatária final, mas que usará tal bem como típico de produção. Por exemplo, o usineiro que compra uma usina para a produção de álcool. Não resta dúvida de que ele será destinatário final do produto (a usina); contudo, pode ser considerado consumidor? 

E a empresa de contabilidade que adquire num grande supermercado um microcomputador para desenvolver suas atividades, é considerada consumidora? 

Responderemos à essas questões no próximo artigo.

*** 

Continua na próxima semana.

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1 Há definições de fornecedor, produto, serviço, contrato de adesão etc.

2 Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.”

3 “Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.”

“Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.”

4 Bem como os que, não as tendo tomado, participarem de um acidente de consumo. Por exemplo, a garrafa de cerveja explode, atingindo os convivas. Comentaremos esse aspecto posteriormente.

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Colunista

Rizzatto Nunes é desembargador aposentado do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor.