Começo neste artigo a examinar os princípios constitucionais que influenciam as normas e princípios do CDC. Inicio pelo princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Com efeito, as constituições federais do ocidente são documentos históricos políticos ideológicos que refletem o andamento do pensamento jurídico da humanidade. Tanto é verdade, que a primeira Constituição do pós-guerra, da Segunda Grande Guerra, a Constituição alemã, traz exatamente, por força desse movimento, desse pensamento jurídico humanitário, no seu art. 1º, que a dignidade da pessoa humana é um bem intangível. Foi a experiência com o nazismo da Segunda Guerra Mundial que fez com que as nações produzissem textos constitucionais reconhecendo esse elemento da história.
Existem autores que entendem que é a isonomia a principal garantia constitucional1, e explicam como, efetivamente, ela é importante. Contudo, no atual diploma constitucional, pensamos que o principal direito constitucionalmente garantido é o da dignidade da pessoa humana.
É ela, a dignidade, o último arcabouço da guarida dos direitos individuais e o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional. A isonomia (como demonstrarei em outro artigo), servirá para gerar equilíbrio real, visando concretizar o direito à dignidade. Mas, antes, há que se fazer uma avaliação do sentido de dignidade.
Coloque-se, então, desde já, que, após a soberania, aparece no texto constitucional a dignidade como fundamento da República brasileira. Leiamos o art. 1º:
"Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I — a soberania;
II — a cidadania;
III — a dignidade da pessoa humana".
E esse fundamento funciona como princípio maior para a interpretação de todos os direitos e garantias conferidos às pessoas no texto constitucional2.
Lembro, agora, da expressão “mínimo vital”, utilizada pelo Professor Celso Antonio Pacheco Fiorillo3. Diz ele que, para se começar a respeitar a dignidade da pessoa humana, tem-se de assegurar concretamente os direitos sociais previstos no art. 6º da Carta Magna, que por sua vez está atrelado ao caput do art. 225.
Tais normas dispõem, verbis:
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
De fato, não há como falar em dignidade se esse mínimo não estiver garantido e implementado concretamente na vida das pessoas.
Como é que se poderia imaginar que qualquer pessoa teria sua dignidade garantida se não lhe fosse assegurada saúde e educação? Se não lhe fosse garantida sadia qualidade de vida, como é que se poderia afirmar sua dignidade?
A dignidade humana é um valor já preenchido a priori, isto é, todo ser humano tem dignidade só pelo fato já de ser pessoa.
Se — como se diz — é difícil a fixação semântica do sentido de dignidade, isso não implica que ela possa ser violada. Como dito, ela é a primeira garantia das pessoas e a última instância de guarida dos direitos fundamentais. Ainda que não seja definida, é visível sua violação, quando ocorre.
Ou, em outros termos, se não se define a dignidade, isso não impede que na prática social se possam apontar as violações reais que contra ela se realizem4.
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1 Por exemplo, José Souto Maior Borges, Sobre a atualização de créditos do sujeito passivo contra o Fisco, Revista Dialética de Direito Tributário, n. 32, p. 45.
2 O § 7º do art. 226 da CF também se refere expressamente à dignidade: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas”.
3 O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil, passim. São Paulo: Saraiva, 2000.
4 Para uma completa análise do sentido de dignidade como garantia constitucional consulte-se o nosso O princípio constitucional da dignidade humana. São Paulo: Saraiva, 2002.