ABC do CDC

Os elementos da Constituição Federal que são a base do Código de Defesa do Consumidor

Falo da importância da Constituição Federal para o funcionamento do regime capitalista no Brasil.

9/11/2023

Hoje continuo a cuidar de mais alguns aspectos históricos para uma boa compreensão do Código de Defesa do Consumidor. Falo da importância da Constituição Federal para o funcionamento do regime capitalista no Brasil.

Com efeito, as constituições federais do ocidente são documentos históricos políticos ideológicos que refletem o andamento do pensamento jurídico da humanidade. Tanto é verdade, que a primeira Constituição do pós-guerra, da Segunda Grande Guerra, a Constituição alemã, traz exatamente, por força desse movimento, desse pensamento jurídico humanitário, no seu art. 1º, que a dignidade da pessoa humana é um bem intangível. Foi a experiência com o nazismo da Segunda Guerra Mundial que fez com que as nações produzissem textos constitucionais reconhecendo esse elemento da história.

No caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988 também o fez no art. 1º, III: a dignidade da pessoa humana é um bem intangível.

Quando examinamos o texto da Constituição Federal brasileira de 1988, percebemos que ela, inteligentemente, aprendeu com a história e também com o modelo de produção industrial que relatei nos dois artigos anteriores.

Podemos perceber que os fundamentos da República Federativa do Brasil são de um regime capitalista, mas de um tipo definido pela Carta Magna. Esta, em seu art. 1º, diz que a República Federativa é formada com alguns fundamentos, dentre eles a cidadania, a dignidade da pessoa humana e, como elencados no inc. IV do art. 1º, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa1.

E sobre esse último aspecto, deve-se fazer um comentário específico. Tem-se dito, de forma equivocada, que esse fundamento da livre iniciativa na República Federativa do Brasil é o de uma livre iniciativa ampla, total e irrestrita. Na verdade, trata-se de uma interpretação errônea do texto.

O inciso IV do art. 1º é composto de duas proposições ligadas por uma conjuntiva “e”: “os valores sociais do trabalho ‘e’ da livre iniciativa”. Para interpretar o texto adequadamente basta lançar mão do primeiro critério de interpretação, qual seja, o gramatical. Ora, essas duas proposições ligadas pela conjuntiva fazem surgir duas dicotomias: trata-se dos valores sociais do trabalho “e” dos valores sociais da livre iniciativa.

Logo, a interpretação somente pode ser que a República Federativa do Brasil está fundada nos valores sociais do trabalho e nos valores sociais da livre iniciativa, isto é, quando se fala em regime capitalista brasileiro, a livre iniciativa sempre gera responsabilidade social. Ela não é ilimitada.

Ou seja, o regime é capitalista. Logo há livre iniciativa, ela é possível, e aquele que tem patrimônio e/ou que tem condições de adquirir crédito no mercado pode, caso queira, empreender algum negócio. Mas, há de respeitar os limites impostos pelos princípios constitucionais.

Assim, quando se chega ao art. 170 da Constituição Federal, que trata dos princípios gerais da atividade econômica, com seus nove princípios, esses elementos iniciais têm de ser levados em conta.

___________

1. “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I — a soberania; II — a cidadania; III — a dignidade da pessoa humana; IV — os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V — o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunista

Rizzatto Nunes é desembargador aposentado do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor. Para acompanhar seu conteúdo nas redes sociais: Instagram: @rizzattonunes, YouTube: @RizzattoNunes-2024, e TikTok: @rizzattonunes4.