ABC do CDC

Verdade e mentira nas comunicações

Ao que tudo indica, mentiras e enganações estão presentes no meio social há muito tempo. E, certamente, continuarão, ainda que de forma mais tecnológica.

24/8/2023

Um dos temas mais debatidos nos últimos tempos tem sido o da verdade ou mentira das informações, falas, imagens, promoções, publicidade etc. E o termo fake news já foi incorporado a nosso vocabulário, com naturalidade.

Mas, pergunto: essa questão da verdade ou mentira nas comunicações sociais em geral ou mesmo entre particulares é realmente nova? Ou sempre existiu?

Este é um assunto recorrente para mim. Não só nas questões que envolvem consumidor e capitalismo, mas em muitas outras como análises econômicas, pesquisas científicas, discursos políticos, promessas de candidatos etc. A enganação aparece nas mensagens bem articuladas e até, muitas vezes, surge como mentira que, apesar de evidente,  algumas pessoas nela acreditam. 

Para piorar o quadro, como se sabe, estamos na época da pós-verdade, o que significa que as pessoas acreditam naquilo que querem acreditar. Isso facilita muito as coisas que envolvem falácias e mentiras, enganações explícitas e outras nem tanto.

Vejamos um fato histórico: o que envolve a expressão “para inglês ver”. Como já tive oportunidade de mostrar anteriormente, existem várias versões para o significado dessa expressão e que remontam  à sua origem.

Uma delas diz que em 1815, os portugueses e os britânicos firmaram um compromisso, no qual Portugal se comprometeu a não mais traficar escravos. Todavia, como Portugal não vinha cumprindo o compromisso, o parlamento britânico acabou aprovando uma lei que criminalizava a escravatura e concedia, unilateralmente, à frota real britânica poderes para abordar e inspecionar os navios portugueses. Como estratégia para enganar os ingleses, os portugueses carregavam a embarcação que ia à frente da frota com uma carga inofensiva para ser inspecionada, levando, depois, os escravos em outros navios, que se safavam da inspeção.

Outra versão, liga ao mesmo tema, diz que, em 1831, o governo português promulgou uma lei proibindo o tráfico negreiro, mas como o sentimento geral era de que a lei não seria cumprida, começou a circular a expressão de que a lei fora feita apenas “para inglês ver”.

E ainda outra versão diz que, após a partida da família real portuguesa para o Brasil, Portugal passou a ser uma espécie de protetorado da Inglaterra, que assumiu o comando da máquina militar portuguesa na luta conjunta contra a França. Mas os metódicos ingleses que queriam tudo organizado e por escrito, tinham problemas com os práticos portugueses. Assim, a cada imposição organizacional inglesa, os portugueses botavam tudo por escrito, para mostrar que estava tudo em ordem. Porém,  era só no papel. Servia apenas para agradar os ingleses e dizer que estava tudo arrumado, isto é, era só para os ingleses lerem (ou verem). Na prática, as coisas eram bem diferentes. 

Acontecia a mesma coisa nas visitas dos generais ingleses a certos locais, que eram preparados (maquiados, como hoje diríamos) para dar uma aparência diversa do real. Se os ingleses exigiam a construção de uma estrada, os portugueses deixavam pás, pedras e material para a construção no local da visita. Assim, diziam que já a estavam construindo. Era o que os ingleses viam. Ficou a expressão e o aprendizado. Mas, naquela época, consta que, de fato, os ingleses eram enganados.

Muito bem. Ao que tudo indica, mentiras e enganações estão presentes no meio social há muito tempo. E, certamente, continuarão, ainda que de forma mais tecnológica.

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Colunista

Rizzatto Nunes é desembargador aposentado do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor. Para acompanhar seu conteúdo nas redes sociais: Instagram: @rizzattonunes, YouTube: @RizzattoNunes-2024, e TikTok: @rizzattonunes4.