Como já comentei aqui, nesta época do ano, eu adoro rever filmes que festejam o Natal e seus milagres. Tenho alguns preferidos como, por exemplo, "O Milagre da Rua 34" (em qualquer versão) e "A felicidade não se compra" (de Frank Capra). Gosto também dos diversos contos de Natal, que, como esses filmes, fazem bem à mente e ao coração.
E é esse o tema de minha última coluna do ano: um conto de Natal para celebrar o milagre.
Trata-se de um trecho de meu Romance "A Visita", que intitulei "E um milagre quanto custa?"
Desejo Feliz Natal aos leitores e leitoras!
Segue:
E um milagre, quanto custa?
Essa é a história de Lucas, um menino de 7 anos. Ele era muito atento, curioso e um dos melhores alunos de sua sala do 2º ano do Ensino Fundamental de uma excelente escola pública numa cidade do interior paulista.
Ele estava muito animado com o fim das aulas que se anunciava para os próximos dias, pois teria mais tempo para brincar com seu irmão menor, Pedro, de apenas três anos de idade. Sempre que havia chance, eles jogavam futebol na quadra do prédio onde moravam. Seu pai trabalhava como vendedor em uma concessionária de veículos e sua mãe voltara a trabalhar como costureira. Sua avó materna ajudava a cuidar da casa e a tomar conta dele e de seu irmão.
Mas, naquele mês de dezembro, Lucas percebeu uma movimentação estranha e diferente em casa. Ao que lhe pareceu, seu pai havia perdido o emprego e estava nervoso em busca de outro. A mãe mostrava-se muito preocupada com o pagamento do aluguel do apartamento onde moravam. Para piorar o clima reinante, Pedrinho adoecera. Não podia mais jogar bola nem brincar mesmo dentro de casa. Sua avó vivia assustada para lá e para cá com seu irmãozinho.
Os dois dormiam no mesmo quarto, mas, na última semana, a cama dele fora colocada no quarto dos pais. Ficou um pouco apertado, mas sua mãe havia dito que era importante por causa da doença.
Numa noite, Lucas estava deitado e ouviu um barulho agitado na sala. Seus pais e sua avó conversavam e pareciam muito nervosos. Ele, então, resolveu sair na ponta dos pés para escutar a conversa no canto da parede do corredor.
Os três estavam muito apreensivos. A voz de sua mãe denunciava uma enorme aflição. Ele não compreendeu muito bem as expressões que ouvia nem os sentimentos manifestados, mas viu que se tratava de algum problema muito grave. Esticou a cabeça e espiou. Quando viu que seu pai enxugava lágrimas nos olhos, voltou para seu quarto e chorou no travesseiro.
No dia seguinte, à noite, Lucas parou atrás da porta do quarto dos pais para ouvir a conversa dos dois. Sua mãe estava chorando, sendo acudida pelo pai. Entre soluços, ela disse:
– Querido, você sabe, somente uma cirurgia pode salvar a vida do Pedrinho e nós não temos dinheiro para pagá-la.
– É... Desesperador...
– Numa época em que se pode comprar de tudo, em que se desperdiça tanto, nós não podemos pagar pela saúde de nosso filho. Pela vida de nosso filho! Somente um milagre pode salvá-lo!
Lucas também ficou muito triste. Voltou para seu quarto e teve dificuldade para dormir. No dia seguinte, um domingo pela manhã, enquanto assistia à TV, viu um anúncio que dizia: “Produto milagroso. Não é remédio. É produto natural que opera milagres. Emagreça sem aborrecimento”.
Ele sentiu algo que nunca havia sentido – diríamos que se tratava de um misto de ansiedade com esperança –, e uma ideia brotou em sua cabeça: “Vou comprar um milagre para salvar meu irmãozinho”. Foi até seu quarto, esvaziou seu porquinho-cofre e contou as moedas. Tinha vinte e dois reais. Colocou tudo numa pequena bolsa e começou a planejar o que fazer.
Na segunda-feira, no intervalo das aulas, ele pegou a bolsinha com as moedas e foi até a enfermaria. Lá chegando, viu que a enfermeira abraçava fortemente um homem. Lucas parou na porta e esperou. Ouviu o homem e a enfermeira conversarem animadamente. Percebeu que eles eram irmãos. De repente, ela notou a presença dele e disse:
– Olá. Tudo bem? Você precisa de alguma coisa?
– Sim... Quer dizer, meu irmão precisa... O Pedrinho está muito doente.
– Ele estuda aqui na escola?
– Não. Ele ainda não vai para a escola. Só tem três anos.
– Então, acho que não posso fazer nada. Desculpe.
– Mas a senhora sempre ajuda as crianças... E meu irmão precisa de um remédio que tem aqui... Uma vez eu fiquei com febre e... Eu me lembro, a senhora me deu umas gotas e disse: “Pode tomar. É amargo, mas faz milagres. Você logo ficará bom”.
Fez-se um silêncio e, se alguém olhasse o rosto da enfermeira, poderia claramente identificar o ponto de interrogação que ali pairava. O homem, então, interveio:
– Diga uma coisa. O que o seu irmão tem?
– Não sei direito... Mas ouvi minha mãe dizer pro meu pai que ele tem um caroço crescendo dentro da cabeça. Meu pai falou que não tem dinheiro para pagar a operação. Minha mãe disse que só um milagre pode salvar o Pedrinho. Eu quero comprar o milagre. Olha... Eu tenho dinheiro – e mostrou as moedas. – E, um milagre, quanto custa?
O homem deu um sorriso. Colocou Lucas numa cadeira, agachando-se para ficar na altura dos olhos dele e perguntou:
– Quanto dinheiro você tem?
– Vinte e dois reais.
– Nossa! Que coincidência! Vinte e dois reais é exatamente o preço de um milagre. Quem é que vem te buscar na escola?
– Hoje, é minha mãe.
– Ficarei aqui conversando com minha irmã, que eu não vejo faz tempo.
Levantou-se e abraçou novamente a enfermeira. Depois, voltou-se para Lucas e perguntou:
– Você ainda tem aula hoje?
– Tenho.
– Então, vá estudar. Quando acabar a aula, volte aqui. Nós dois iremos juntos até a saída encontrar sua mãe.
Aquele homem era um neurocirurgião que morava na capital e trabalhava num dos maiores hospitais da cidade. Muito atarefado, fazia anos que devia uma visita à irmã. Naquela manhã, ele havia acabado de fazer surpresa para ela, chegando de repente e dizendo que passaria três ou quatro dias por lá. Após a aula, Lucas foi encontrá-lo. Então, o médico foi com ele e sua mãe para casa, onde a avó tomava conta de Pedrinho. Examinou-o e, também, as análises de laboratórios que haviam sido feitas. Depois, pediu licença para poder falar a sós com Lucas e foi com ele até o quarto.
– Temos um segredo – falou em voz baixa.
– Sim, sim – disse, com o rosto iluminado, Lucas.
– Dê-me as moedas. Você acaba de comprar um milagre!
Lucas as entregou ao médico, que as colocou no bolso e disse:
– Esse é nosso segredo. Não conte para ninguém, viu! Vem cá, me dê um abraço!
E recebeu um abraço tão gostoso que seus olhos científicos de cirurgião se encheram de lágrimas.
Na véspera do Natal, Pedrinho foi levado para a capital pelos pais e operado num centro cirúrgico especializado, no qual o médico trabalhava. Foi salvo! E tudo de graça!
No dia de Natal, Lucas e sua avó receberam a notícia de que a operação fora um sucesso. Foi o melhor presente natalino que eles poderiam ganhar. A avó proclamou:
– Um milagre o salvou... Isso não tem preço!
Lucas olhou para a avó e deu um sorriso gostoso e bem aberto, sentindo uma enorme alegria com seu segredo bem guardado.