ABC do CDC

Dia das crianças: momento para reflexão

Dia das crianças: momento para reflexão.

14/10/2021

Nesta semana, comemorou-se, mais uma vez, o dia das crianças. Com a trégua da pandemia, os pais voltaram às compras ou adquiriram presentes pela web mesmo. Eu, mais uma vez, vou aproveitar a data para propor uma reflexão sobre o tema.                          

Nós, adultos,  em matéria de consumo, estamos praticamente perdidos nesta sociedade capitalista que tudo produz e que tudo vende, amparada, sustentada e auxiliada pelo marketing moderno com suas técnicas de ilusão e controle.  Para o adulto, o horizonte possível de liberdade desse enredo assustador que nos obriga a consumir, consumir e consumir é o da tomada de consciência do processo histórico, que se instituiu a partir das chamadas revoluções burguesa e industrial e que vem sendo vendida como um projeto de liberdade.  Falsa liberdade, na medida em que quase todo seu exercício se resume a adquirir produtos e serviços cuja escolha é limitada àquilo que é decidido unilateralmente pelos fornecedores.

Vamos, pois, alguns de nós adultos, lutando contra o poder opressivo do mercado e outros nem se dando conta desse aprisionamento.

Muito bem. Pergunto: é esse o futuro que desejamos para nossas crianças? É esse tipo de sociedade que queremos manter para que elas vivam quando crescerem? Uma sociedade em que os indivíduos se medem pelo que possuem, pelo poder de compra, pelo que podem ter e não por aquilo que são?

Claro que nem toda culpa é do mercado, mas com certeza o modelo que faz com que o indivíduo se aliene nas compras e acredite nas promessas da publicidade, o atordoa de tal modo que ele, jogado à própria individualidade, não sabe como agir.

E as crianças, como estão posicionadas nesta sociedade capitalista? Como é que elas recebem o espetacular assédio do marketing e suas armas?

Certamente, com mais influência que em relação aos adultos. Mas, claro, há muitos pais absorvidos por todas as formas de consumo e que, inclusive, utilizam-se do próprio mercado para controlar seus filhos, o que é uma pena. Não que seja fácil. Ainda que, por exemplo, os pais tenham o costume de limitar a exposição de seus filhos à tevê, basta um pouco de tempo para a percepção do ataque (uma verdadeira guerra de anúncios invade a sala ou o quarto em poucos minutos!). E, mesmo que o filho ou a filha tenham seu tempo limitado de uso do smartphone ou da internet, são suficientes também apenas alguns minutos para a explosão de ofertas.

E, se não bastasse isso, há toda a sedução do merchandising feito em programas de tevê, filmes de cinema, vídeo e até teatro infantil nacional ou importado, o apelo dos colegas de escola, dos parentes, das lojas nos shopping-centers, pois, afinal vive-se na cidade entre as demais pessoas, o contato é inevitável e não há mesmo nada de errado em frequentar shoppings, cinemas, teatros, viajar, assistir tevê etc. Não é mesmo fácil. Mas, é lição de casa que precisa ser feita.

Cabe aos pais e somente a eles decidir o que comprar para seus filhos. É preciso explicar aos menores a desnecessidade da aquisição da maior parte das bugigangas que são oferecidas; é salutar que se explique aos filhos o que realmente importa, o que de fato tem valor permanente. Tem-se que mostrar para  as crianças, com os próprios exemplos vividos por elas, a inutilidade da maior parte de seus produtos.

É comum que as crianças que recebam muitos brinquedos, logo se desinteressem da maior parte deles. Pode ser um bom precedente para mostrar a desimportância de ter muitas coisas ao mesmo tempo. E, evidentemente, cabe aos pais dizer não. A criança pode até se frustrar, mas será por algo válido, uma boa experiência que ela levará consigo, pois na vida adulta ela perceberá que a frustração é um elemento comum no jogo social.

Os pais são, pois, os primeiros responsáveis por alertar seus filhos contra o assédio feito pelo marketing infantil hoje tão sofisticado e difundido.  Cabe a eles, desde logo, ensinar aos filhos como se deve decidir para comprar produtos e serviços. Qual deve ser a função do produto, seja ele um brinquedo ou uma roupa. Que se deve comprá-los sem exagero.  As crianças, se pudessem, agradeceriam as lições.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunista

Rizzatto Nunes é desembargador aposentado do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor. Para acompanhar seu conteúdo nas redes sociais: Instagram: @rizzattonunes, YouTube: @RizzattoNunes-2024, e TikTok: @rizzattonunes4.