ABC do CDC

A ilusão do consumidor no mercado de consumo

A ilusão do consumidor no mercado de consumo.

24/6/2021

No artigo anterior, mostrei o poder que têm as empresas no mercado de consumo. E agora confirmo que uma forma de dominar os consumidores para que as compras sejam feitas é a exploração de seus anseios, sonhos e esperança. Este é tema do artigo de hoje.

É fato conhecido que muitos consumidores jamais poderão adquirir a maior parte dos produtos e serviços oferecidos no mercado de consumo. Por mais que o sistema financeiro consiga, cada vez mais, oferecer crédito para uma ampla camada da população, muitos objetos do desejo dos consumidores continuam e continuarão inacessíveis e, fruto desses financiamentos facilitados, milhares se endividam ou, pior, se superendividam.

Pensemos  num elemento psíquico. Os bens de difícil aquisição como, por exemplo, a casa própria, acabam gerando frustração no consumidor que sonha, mas não adquire o bem desejado ou tem muita dificuldade em conseguir fazê-lo.

Aliás, há quem entenda que a frustração é boa para o mercado, pois, como o consumidor não consegue preencher seu "espaço interior" adquirindo mercadorias, nunca para de comprar, na tentativa  — vã – de apaziguar sua alma.

Além disso, como esse consumidor – já frustrado ou que ainda se frustrará – é um ser humano, tem, dentro de si, uma coisa chamada esperança. Daí, vive a ilusão da possibilidade de um dia realizar seu sonho – qualquer que seja ele: alguns mais difíceis como o do exemplo da aquisição da casa própria perfeita; outros nem tanto, como comprar certos automóveis ou empreender lindas viagens. Mas o fato é que,  de frustração em frustração,  o consumidor vai preenchendo o vazio de sua esperança. Se olhasse para trás, veria o quanto não conseguiu obter.

Acontece que, a esperança é forte e a ilusão também. Por isso, ele acredita na sorte e participa de todo tipo de jogos para ganhar prêmios (estes ironicamente chamados de “jogos de azar”): loterias,  cassinos (quando e onde há), concursos de todo tipo,  promoções, sorteios etc.. Isto é, o consumidor é presa fácil das ofertas que prometem uma vida melhor e, de preferência,  obtida rápida e facilmente.

Visto desse modo, é possível afirmar que a esperança é uma espécie de "produto" não declarado e escondido por detrás das ofertas que abundam no mercado, dando sustentação à mensagem nos vários tipos de produtos e serviços oferecidos: a esperança de, usando uma certa roupa, ficar mais bonito ou mais bonita;  ou a de  fazer sucesso com o carro novo; a esperança de, com todos esses apetrechos e muitos outros, conseguir conquistar um grande amor; e depois constituir família; daí, adquirir a casa própria; a esperança de garantir o próprio futuro e, também, o da família pagando prêmios de seguros; e a de chegar nesse futuro, se aposentar e ter tempo ainda de gozar a vida, poupando de forma adequada; etc. etc. Realmente, o mercado oferece o futuro de uma vida melhor.

Mas, como disse acima,  o consumidor tem pressa. E nunca teve tanta como nos dias que correm. E foi o mercado que aumentou a velocidade das coisas, das compras e da própria vida a ser vivida: velocidade real e virtual; não há tempo para nada; nem se pode perder tempo algum. Recebe-se à vista e paga-se a prazo, a perder de vista. Não é incomum que o consumidor adquira um presente para o dia das mães num ano e acabe de pagar no mês anterior ao dia das mães do ano seguinte, quando, então, tem  de entrar em novo crediário. E, claro, isso vale para  qualquer data e muitos produtos.

Há consumidores que já nem tem mais o próprio automóvel, que foi vendido para fazer frente às dívidas por ele – automóvel — criadas e continua pagando as prestações de seu financiamento. Como é que diz mesmo a propaganda?: "Compre agora e só comece a pagar daqui a três meses". Esperança, com alguma coisa palpável…

Essas características são muito conhecidas dos fornecedores, o que torna o comportamento dos consumidores previsível. Ao calcular uma campanha promocional ou um grande evento, o  empreendedor sabe, de antemão, com alto grau de probabilidade, qual será o comportamento do consumidor. Ele sabe, por exemplo, que, se mexer com certos pontos dos desejos, necessidades e interesses dos seus potenciais compradores obterá êxito na empreitada.

Claro que nem tudo é responsabilidade do fornecedor. Afinal, o consumidor compra por que quer e exercendo sua liberdade para tanto. Pergunto:  Será que o consumidor precisa adquirir muitos bens para ser feliz? E a que preço? O capitalismo não esconde suas intenções: produz e quer vender. O consumidor, cada vez mais, está sintonizado com o sistema, vivendo a esperança de um futuro  de bem-estar que decorre da aquisição de produtos e serviços. Como diz meu amigo Outrem Ego: "Será que não chegou a hora do consumidor ter menos pressa e pesquisar para descobrir melhores alternativas para uma vida mais tranquila e feliz, sem ter que ficar comprando produtos e serviços sem parar?".

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Colunista

Rizzatto Nunes é desembargador aposentado do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor. Para acompanhar seu conteúdo nas redes sociais: Instagram: @rizzattonunes, YouTube: @RizzattoNunes-2024, e TikTok: @rizzattonunes4.