ABC do CDC

Aumento abusivo nos planos de saúde coletivos – Procon/SP tem razão

Aumento abusivo nos planos de saúde coletivos – Procon/SP tem razão.

4/2/2021

O Procon/SP, com razão, notificou à Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS requerendo que ela determine a suspensão dos aumentos autorizados para os planos de saúde coletivos e aplique apenas o reajuste implementado nos planos de saúde individuais (de 8,14%). Nos planos coletivos os aumentos foram muito acima desse percentual, com índices de 32%, 40%, 70% etc.

Primeiramente, refiro o que é óbvio: depois que um contrato é firmado com o consumidor (qualquer que seja o contrato: de compra e venda de produto ou de prestação de serviço, para qualquer produto e para qualquer serviço) o preço não pode mais ser modificado. Poder-se-ia aceitar a mudança para a diminuição do preço, mas nunca para seu aumento.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC), no seu artigo 51, inciso X, disciplinou a questão claramente:

"Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...)

 X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;"

Quando comentei pela primeira vez a lei, há mais de 20 anos, observei que essa norma era mais uma daquelas que o legislador se viu obrigado a inserir, como corolário dos abusos sempre praticados contra o consumidor no país.     

Veja-se a que ponto chegamos. É a lei que tem de dizer: "após o fechamento do negócio, no qual se fixou as prestações das partes, o objeto da obrigação e o preço, uma delas — o vendedor ou prestador do serviço — não pode mais, sem o consentimento da outra, mudar (aumentar) o preço".

Isso devia ser pressuposto indiscutível, de tal forma embutido nas relações que ninguém se lembrasse de citá-lo. No entanto, o legislador foi obrigado a transformá-lo em norma!

A regra, é verdade, dirige-se aos casos em que o negócio já foi firmado, uma vez que, no sistema de liberdade de preços atualmente vigente no País, o valor inicialmente é fixado de forma livre pelo fornecedor. O que ele não pode fazer é modificá-lo para aumentá-lo após ter efetuado a transação.

Por preço há que se entender aquilo que é cobrado e pago pelo consumidor, de maneira que estão aí incluídos o preço do produto, do valor dos serviços prestados, o prêmio do seguro, o custo do financiamento — taxas, despesas etc. —, bem como a taxa de juros cobrada etc.

A regra do inciso X foi inteligente ao referir-se à variação direta ou indireta do preço. É bastante comum a inserção de cláusula contratual — que sempre foi potestativa — que permite ao fornecedor escolher o índice de reajuste numa “cesta” de índices, da qual tomará o maior.

Posteriormente, foi acrescido o inciso XIII no artigo 39 do CDC1, nesses termos:

"Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

(...)

XIII — aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido".

Essa regra do inciso XIII do art. 39 lembra a do inciso X do art. 51, no que se relaciona com reajuste diverso do estipulado, bem como remete ao inciso IV do mesmo art. 512. Lá se trata de nulidade das cláusulas contratuais firmadas. Aqui, cuida-se da prática efetiva de reajuste exagerado por aplicação de fórmula ilegal ou que não esteja prevista no contrato.

E a Lei que regula os planos e seguros privados de assistência à saúde (lei 9.656/98), por sua vez e na linha dos princípios estabelecidos no CDC, fixou no inciso XI de seu artigo 16 o seguinte:

Art. 16.  Dos contratos, regulamentos ou condições gerais dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei devem constar dispositivos que indiquem com clareza: 

(...)

XI - os critérios de reajuste e revisão das contraprestações pecuniárias".

Ora, lembremos uma distinção importante: o "reajuste" de um preço é aceitável. Por exemplo, aplicando-se um índice prefixado e oficial de correção monetária. Isso é diferente de "aumento" puro e simples do preço.

Uma revisão, no caso, implicaria numa necessidade de comprovação efetiva e até individualizada,  a partir de critérios justos e objetivos conforme previsto na lei e, também, que estivessem em plena sintonia com o princípio da boa-fé objetiva (honestidade, lealdade, equilíbrio, dever de cooperação, dever de cuidado e equidade).

Na presente situação, ainda que as operadoras de planos de saúde queiram modificar seus preços, arguindo que sofreram aumento de custos, tudo indica que, no período da pandemia, houve diminuição desses custos.

Assim, se era para modificar algo, seria caso de diminuição. Pergunto: será que um dia assistiremos à redução do preço?

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1 Inciso incluído pela lei 9,870 de 23-11-1999.

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Colunista

Rizzatto Nunes é desembargador aposentado do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor. Para acompanhar seu conteúdo nas redes sociais: Instagram: @rizzattonunes, YouTube: @RizzattoNunes-2024, e TikTok: @rizzattonunes4.