ABC do CDC

O coronavírus e as mensalidades escolares: alguns direitos envolvidos

O coronavírus e as mensalidades escolares: alguns direitos envolvidos.

30/4/2020

Hoje escrevo para tratar de alguns efeitos jurídicos nas relações de consumo por conta da pandemia gerada pela covid-19, no que respeita às mensalidades escolares, especialmente por algo que me chamou a atenção nos últimos dias nas discussões nas redes sociais: a questão do desconto nas mensalidades e, de outro lado, os argumentos de escolas que dizem que continuam oferendo os serviços e, por isso, continuam cobrando regularmente.

Não vou repetir o que já está publicado nas redes e nos informativos de imprensa. Naturalmente, há argumentos a favor dos descontos. Concordo com boa parte deles: muitas escolas acabaram tendo diminuição de seus custos e, numa situação como esta, é justo que ofereçam descontos nas mensalidades.

Vou, agora, levantar alguns pontos para reflexão e que envolvem o outro lado da relação: o das escolas que não tiveram redução de seus custos.

Primeiramente, repriso as questões jurídicas essenciais.

Já escrevi aqui mesmo nesta coluna que o evento da covid19 – pandemia que gerou consequências jamais vistas no mundo – é algo extraordinário e assim deve ser encarado do ponto de vista jurídico.

Sabemos que o Código de Defesa do Consumidor não apresenta como excludente do nexo de causalidade o caso fortuito e a força maior. Mas, como já o demonstrei, essas hipóteses são de fortuito interno e força maior interna.

Veja-se bem. A força maior e o caso fortuito interno não podem ser antecipados (apesar de possíveis de serem previstos no cálculo do negócio) pelo fornecedor nem por eles evitado. Todavia, não elidem a responsabilidade. Cito o exemplo que vale por todos: o do motorista do ônibus que sofre um ataque cardíaco e com isso gera um acidente: apesar de fortuito e inevitável, por fazerem parte do próprio risco da atividade, não eliminam o dever de indenizar.

Contudo, quando se trata de fortuito externo, está se fazendo referência a um evento que não tem como fazer parte da previsão pelo empresário na determinação do seu risco profissional. A erupção de um vulcão é típica de fortuito externo porque não pode ser previsto. Ocorre igualmente em caso de terremoto ou maremoto (ou, como se diz modernamente, tsunami).

E, claro, o mesmo se deu e se dá na eclosão de uma pandemia, como esta da covid-19. Evento absolutamente fora de qualquer possibilidade de previsão e, infelizmente, inevitável.

Todas as relações jurídicas foram afetadas. Falo de todas porque sim, ninguém escapou. A diferença para alguns é que o evento acabou trazendo benefícios, pois puderam produzir e vender mais, os estoques acabaram etc. Porém, em milhares, aliás, milhões de relações jurídicas (de consumo ou não) a situação, de fato, foi e é de prejuízo para os dois lados da relação (ou para os vários lados da relação).

Eis o ponto importante: o evento incerto, isto é, o fortuito externo atinge inteiramente a relação jurídica de consumo. Vale dizer, afeta os dois lados da relação, o do fornecedor e o do consumidor.

Há, também, outros argumentos a favor do consumidor como, por exemplo, o de referência ao inciso V do art. 6º do CDC, que dispõe ser direito básico do consumidor "a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas".

Agora, voltemos à questão das escolas postas no início. Vamos imaginar que, impedida de oferecer aulas presenciais por conta da pandemia, a escola consiga substituí-las por aulas online, por sistemas de rede social, internet etc. Lembro que, algumas já tem um sistema funcionando porque oferecem cursos à distância (EAD). Mas, já tendo um sistema e tendo-o que ampliar para acolher os alunos dos cursos presenciais ou não tendo um sistema e tendo que cria-lo desde o início, o que se percebe é que a escola, provavelmente, teve que arcar com custos não previstos.

Pode acontecer, como acontece, da escola, inclusive, continuar pagando os professores regularmente, pois eles continuarão a dar aulas (ao invés de presenciais, no sistema EAD, comparecendo aos estúdios que foram produzidos ou mesmo dando aulas diretamente de suas residências). Naturalmente, não estou esquecendo que existem outros custos de manutenção, tais como água, energia elétrica, segurança, pagamento de outros funcionários etc. que podem ter diminuído ou aumentado. E, também, que a escola pode sofrer com a inadimplência dos estudantes.

De todo modo, num quadro como este acima, muitas escolas podem ter tido aumento de suas despesas, o que somado ao fato de que elas não deixaram de fornecer os serviços contratados, justificaria que não reduzissem as mensalidades.

Com regra, cada caso é um caso, mas significativamente neste momento crucial que vivemos, certamente é preciso examinar cada uma das situações com muito critério e sempre tendo em vista o fim pretendido na relação jurídica, que é fundada no princípio da boa-fé objetiva e que deve ser interpretada com critérios de razoabilidade, bom senso e Justiça do caso concreto.

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Colunista

Rizzatto Nunes é desembargador aposentado do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor. Para acompanhar seu conteúdo nas redes sociais: Instagram: @rizzattonunes, YouTube: @RizzattoNunes-2024, e TikTok: @rizzattonunes4.