Não é a primeira vez que trato deste assunto que, infelizmente, é básico na sociedade capitalista: o das mentiras e toda sorte de enganações perpetradas por muitos fabricantes, produtores, industriais, comerciantes, enfim, fornecedores em geral.
Veja isto, meu caro leitor. Meu amigo Outrem Ego que contou. A filha dele pediu que ele comprasse ingresso para um show de um cantor internacional. Ele entrou em dois sites de vendas. Chamou a atenção que o site dizia em letras garrafais algo como: "há poucos ingressos à venda"; "Lembre-se de que foram vendidos 68 ingressos recentemente. Complete sua compra e não fique sem o seu!"; "compre já antes que se esgotem os ingressos" etc.
Sua filha não estava por perto e ele acabou não adquirindo o ingresso. E por uma série de problemas de tempo e trabalho, passou uma semana sem que ele o fizesse. Então, sua filha surgiu esbaforida dizendo que os ingressos estavam esgotados (essa era a informação lançada nas redes sociais). Outrem Ego foi ao site e viu que estava tudo igual. Com as mesmas ofertas e informações "para pressionar" o comprador. Bem, ele acabou comprando.
Seguindo as informações de meu amigo (uma semana após a compra que ele fez e quinze dias depois da primeira vez que ele olhou no site) eu mesmo fui ver as ofertas. Estava tudo lá: ingressos se esgotando, compre já etc.. Nota: estamos em fevereiro e o show será só em novembro.
Naturalmente, não cuidarei do fato de que, algum dia os ingressos se esgotarão. Quero falar da informação verdadeira, da atitude correta que deveria pautar a conduta dos fornecedores. Como acreditar no que dizem?
Pensemos num caso mais grave: o da Vale do Rio Doce em Brumadinho. O que se espera é que uma empresa daquele porte faça de tudo para que seu negócio dê certo, com rentabilidade e sem colocar em risco a vida das pessoas e preservando o meio ambiente. Daí, surge o acidente: como se poderá acreditar que estava tudo em ordem e que não havia economia no item segurança? Vendo algumas matérias sobre aquele tipo de atividade, viu-se, por exemplo, que é possível fazer-se mais de um tipo de barragem e lá se optou pela mais barata1. É isso mesmo? Fizeram economia na segurança visando unicamente o lucro?
Nesta sociedade capitalista, não se pode acreditar no que é dito e até mostrado? Está cada dia mais difícil!
De há muito tempo que os consumeristas descobriram que um dos fundamentos da sociedade de consumo é a mentira. Largos setores empresariais são desonestos na relação com seus clientes. Não há, claro, nenhuma novidade nisso. Quem conhece um pouco de história do comércio, da indústria, da economia etc. sabe muito bem que os segredos, as artimanhas, os conchavos, os acertos escusos etc. são a base da produção e distribuição de produtos e serviços. Falta transparência. Como diria Sócrates que aqui já referi, "mentir é pensar uma coisa e dizer outra". Parafraseando-o, posso dizer que no processo de produção capitalista se faz muita coisa mas se mostra outra diferente.
Uma questão intrigante é a atitude de uma parcela de consumidores diante das mentiras – às vezes insultuosas --: a da aquiescência pueril; aceitam o falso sem senso crítico, apenas porque ele tornou-se banal ou é bem produzido, bem comunicado ou apresentado por alguém que detém autoridade. O consumidor, ansioso e ávido para comprar torna-se fácil vítima da enganação. Aceita a mentira porque lhe soa cômoda ou está de acordo com seu próprio interesse ou, ainda, porque não desenvolveu senso crítico capaz de percebê-la.
Chama a atenção, também, a ação dos empregados e colaboradores desses fornecedores: são eles, muitas vezes, os propagadores da enganação. E, certamente, sabem o que estão fazendo. Ficarei ainda com o exemplo de meu amigo. Como já contei aqui, ele já morou em Portugal, onde mantém um imóvel. Muito bem. Quando lá esteve, fez um seguro residencial. A empresa cobra um valor mensal. Não é que ele já tentou por três vezes cancelar o seguro e não consegue? Ele telefona (e do Brasil), o atendente é simpático e pergunta do que se trata. Quando ele diz que quer cancelar o serviço, o atendente diz que vai passar para o setor competente e o coloca numa “fila” que nunca termina. Da última vez, ele reclamou e a atendente – que era brasileira, como ele percebeu pelo sotaque – disse que o pessoal que cancela o serviço iria ligar para ele, pois a fila era longa. Ele ainda está aguardando...
Desafortunadamente, esse é o modelo adotado por muitos fornecedores.
É por essas e outras que o mercado não pode ficar totalmente livre. Ainda quando há concorrência, os fornecedores se comportam melhor, mas quando ela não existe ou é pequena, os abusos se multiplicam. Não tem jeito: o Estado tem que vigiar, fiscalizar e punir. E os consumidores têm que reclamar e processar.
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