O §7º do art. 226 da Constituição Federal garante o planejamento familiar como um direito fundamental:
"Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(...)
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas1."
O sonho de muitos casais é ter filhos e também o de muitas mulheres, independentemente de estarem num relacionamento com um homem. Mas, acontece que algumas mulheres, por problemas fisiológicos, não conseguem engravidar de forma natural.
Como se sabe, com o avanço da ciência, passou a ser possível à mulher engravidar pelo procedimento da fertilização in vitro. O problema é que esse procedimento não é barato. E o que se percebe no mercado é que os planos de saúde, como regra, não cobrem esse tipo de procedimento, alegando falta de previsão contratual ou ausência de previsão no rol da ANS – Agência Nacional de Saúde.
Antes de prosseguir, quero destacar que meu foco será o da necessidade de feitura de fertilização "in vitro" por impossibilidade clínica. A questão envolvendo o plano de saúde que me interessa neste artigo está ligada, portanto, aos casos em que, comprovadamente, a mulher não pode engravidar naturalmente. E, querendo engravidar e não tendo alternativa, vê-se obrigada a buscar o procedimento, sem receber cobertura do plano de saúde.
E o que diz a legislação?
Lembro, primeiramente, que incide na relação do (a) consumidor (a) com a operadora de plano de saúde o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e, naturalmente, a lei 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde2. Desse modo, ainda que haja algum tipo de previsão contratual, as cláusulas devem ser interpretadas favoravelmente ao (à) consumidor (a) (art. 47, CDC).
E é exatamente a lei 9.656 que garante à consumidora o direito de pleitear que a inseminação "in vitro" seja custeada pela operadora do plano de saúde. No entanto, a redação de dois dispositivos dessa lei gera dúvidas de interpretação a exigir esclarecimentos.
Cito primeiramente o inciso III do art. 10, que dispõe:
"Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta lei, exceto:
III - inseminação artificial;"
E agora o art. 35-C:
"Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos
III - de planejamento familiar."
Um leitor menos atento é capaz de imaginar que existe uma contradição na lei 9.656/98. Isso porque, está claro, com base no inciso III do artigo 10, que a operadora do plano de saúde pode excluir de seu rol de atendimentos a inseminação artificial. Mas, no artigo 35-C da mesma lei está prevista a obrigatoriedade do atendimento ao planejamento familiar, que implica no reconhecimento ao direito desse mesmo procedimento.
Seria contradição ou há outra explicação?
Bem que o legislador poderia ter escrito as normas de forma mais clara. Todavia, penso que não há contradição. Explico.
A exclusão do inciso III do artigo 10 diz respeito à mulher que, podendo engravidar naturalmente, opte pela inseminação artificial.
Já a regra do art. 35-C diz respeito à mulher que sofra de alguma doença ou impedimento fisiológico que a impeça de engravidar naturalmente. Nessa hipótese, sem alternativa, ela recorre à inseminação in vitro. Isso porque é a única alternativa dela engravidar. Vê-se, portanto, que a norma do art. 35-C garante o planejamento familiar nos casos de impedimento natural para a gravidez.
Desse modo, posso concluir que não pode a operadora do plano de saúde deixar de atender à mulher que, comprovadamente não podendo engravidar e que tenha indicação médica para fazer o procedimento, recorra à inseminação in vitro para buscar realizar esse sonho garantido no texto constitucional.
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