Prezado leitor, como você pôde ler no noticiário dos últimos dias, ficou comprovado que aquela história inventada pela ANAC de que a liberação da cobrança das bagagens despachadas geraria diminuição no preço das passagens era mais uma das conversas moles para boi dormir, inventada pela agência. Parece brincadeira, mas, como estamos no Brasil, o fato é que essas agências que deveriam proteger o direito dos consumidores e cidadãos em geral, normalmente fazem o jogo das empresas e, mais ainda, o daquelas da pior espécie, que insistem em não respeitar seus clientes. Infelizmente, neste setor das companhias aéreas, a prestação dos serviços, a cada dia que passa, vai decaindo: a qualidade decresce e o preço cresce. Ou seja, tudo o que não se deveria esperar de um sistema capitalista moderno.
Este é, sem dúvida, um setor que exige forte regulamentação. Não é o que vem sendo feito pela ANAC, que, na resolução 400 de 13/1/2016, diminuiu as garantias oferecidas aos consumidores. Estamos andando na contramão dos direitos dos usuários desse serviço. Cada dia que passa, o setor está mais desregulamentado ou mal regulado, e os abusos são praticados abertamente.
É mesmo uma vergonha que se faça isso abertamente, sem que o consumidor possa se proteger. Como se sabe, esse setor do transporte aéreo de passageiros é um daqueles em que o consumidor está numa situação de extrema vulnerabilidade: ele fica literalmente nas mãos do transportador que decide como será sua viagem, se adequada ou inadequada, livre de problemas ou cheia de transtornos. Qualquer pessoa que viaje entende muito bem do que falo: nunca se sabe se dará tudo certo. Quer seja uma viagem de negócios ou de lazer, sempre se está numa expectativa incerta. Atrasos e falta de informações são muito comuns. Ao consumidor só resta torcer para que tudo dê certo.
E já que toquei no assunto, cuido dos atrasos. Há, é verdade, atrasos honestos, tais como aqueles que envolvem eventos climáticos, acidentes ou problemas mecânicos com aeronaves ou, ainda, eventuais entraves com o tráfego aéreo envolvendo outras aeronaves. Mas não esqueçamos de que há os atrasos programados: os que envolvem voos em que as aeronaves estão com pouca ocupação. Nesta hipótese, um voo é cancelado para que um outro, posterior, saia lotado e para o qual os passageiros foram realocados.
Nesse tema, lembro que, independentemente, do motivo, sempre que o atraso for superior a 4 horas, o consumidor pode pleitear indenização por danos morais.
A citada resolução garante assistência material ao passageiro e o faz do seguinte modo:
"Art. 27. A assistência material consiste em satisfazer as necessidades do passageiro e deverá ser oferecida gratuitamente pelo transportador, conforme o tempo de espera, ainda que os passageiros estejam a bordo da aeronave com portas abertas, nos seguintes termos:
I - superior a 1 (uma) hora: facilidades de comunicação;
II - superior a 2 (duas) horas: alimentação, de acordo com o horário, por meio do fornecimento de refeição ou de voucher individual; e
III - superior a 4 (quatro) horas: serviço de hospedagem, em caso de pernoite, e traslado de ida e volta."
O que interessa aqui são os atrasos superiores a 4 horas. Neste caso, a jurisprudência pátria é pacífica em garantir indenização por danos morais aos passageiros que amargaram essa espera. Importante consignar que, nas decisões judiciais, o atraso em período menor do que 4 horas é considerado mero aborrecimento. Logo não cabe pedir indenização. Mas acima das 4 horas o pleito é viável.
Lembro, também, que a responsabilidade das companhias aéreas é objetiva, como decorrência da incidência do Código de Defesa do Consumidor, especificamente o artigo 14 da lei. Alegações de que o atraso superior a 4 horas deu-se por problemas climáticos ou por ausência de piloto, do copiloto ou de membros da equipe de bordo, ou, ainda, problemas mecânicos ou de segurança da aeronave etc. não excluem a responsabilidade, pois são hipóteses de fortuito interno (previsíveis dentro da análise do risco da atividade). As exceções são as relacionadas aos fortuitos externos (e não previsíveis), tais como um terremoto ou a eclosão de um vulcão.
Desse modo, na medida em que o atraso se dê por período superior a 4 horas, existe nexo de causalidade, que pode gerar, então, a condenação ao pagamento de indenização por danos morais. Não existe, claro, um valor definido, mas a pesquisa jurisprudencial mostra que as indenizações variam, dependendo daquilo que o consumidor demonstrar em juízo e que envolve o dano efetivamente sofrido, o real tempo de atraso e espera após as 4 horas e as condições de atendimento oferecido pela cia aérea (as informações, a alimentação, a hospedagem, o transporte, etc.).
Por fim, anoto que é relevante, para o aumento do valor da indenização, e tem sido levado em conta nas decisões judiciais, a demonstração da perda de compromissos profissionais ou familiares.