Vira e mexe, especialmente quando vejo casos como o que eu narrarei abaixo (de uma deficiente visual que caiu nos trilhos dos trens do Metrô de São Paulo), eu me lembro de um caso que julguei no Tribunal de Justiça de São Paulo: ao analisar um recurso de apelação sob minha relatoria, a primeira coisa que li foi a alegação da ré – uma companhia de transportes – dizendo que não havia prova do dano moral sofrido pela autora. A ação havia sido julgada procedente com condenação em indenização por danos morais, sendo que os fatos e a responsabilidade da ré eram incontroversos.
Com os autos em mãos, fui para as primeiras páginas, e me deparei com as fotos juntadas com a petição inicial. A autora havia perdido as duas pernas, dos joelhos para baixo!
E a ré disse que a autora não havia feito prova do dano moral!
Precisava? Como é que teve a coragem de dizer aquilo?
Nós, claro, acabamos condenando a ré como litigante de má-fé.
Pois bem. Há muito que se sabe que não se pode falar qualquer coisa num processo judicial. O papel aceita, porém quem lê, muitas vezes, sente-se ofendido. Lembro disso, mas, na verdade, quero colocar outra questão para reflexão e que envolve a situação existente antes mesmo do embate judicial, e que poderia ser muito salutar para a sociedade: o de que é preciso criar mecanismos para que empresas e também pessoas físicas assumam suas responsabilidades quando elas estão escancaradas. Às vezes, basta um pouco de coragem ou mesmo inteligência.
Caro leitor, recentemente, a 38ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdão da lavra do ilustre desembargador Achile Alesina, condenou a Companhia do Metropolitano de São Paulo e sua seguradora a pagarem R$20.000,00 a título de indenização por danos morais a uma passageira deficiente visual (Apelação 0188451-20.2011.8.26.0100, j. 30/3/2016, v.u.).
A autora da ação é deficiente visual total desde seu nascimento. No dia 21/7/2011 utilizando o metrô para retornar à sua residência, desembarcou na estação Guilhermina. Ficou aguardando auxílio de um funcionário da empresa por 40 minutos sem ser atendida. Sua irmã a aguardava no piso superior. Não podendo mais esperar, ela resolveu tentar encontra-la. Infelizmente, acabou caindo nos trilhos dos trens e sofreu diversas contusões e hematomas. Foi socorrida pelos outros passageiros que passavam e acabou sendo levada para o hospital pela irmã. Esses fatos eram incontroversos nos autos e, certamente, eram de conhecimento da administração da Companhia do Metropolitano e também de sua seguradora.
No entanto, condenadas as empresas em primeira instância, a seguradora recorreu alegando que não havia prova do dano moral sofrido pela autora!
Pergunto: porque é que as grandes empresas prestadoras de serviços (de transportes ou de outro tipo) e suas seguradoras quando se deparam com um caso como esse em que não há qualquer dúvida da ocorrência decorrente da falha do serviço, pura e simplesmente não assumem sua responsabilidade legal de indenizar?
Falhas nos serviços de massa oferecidas aos consumidores sempre existirão. Não é possível dar conta de todas as obrigações, cobrir todas as situações o tempo todo; alguma coisa sempre escapa, algum empregado se distrai ou o sistema não funciona, enfim, é por aí que os acidentes acontecem e os danos ocorrem. Foi por isso, aliás, que o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu a responsabilidade civil objetiva do prestador do serviço.
Mas, ora, constatado o dano, não há porque se colocar contra o consumidor, que deve ser prontamente atendido e indenizado. E, havendo ação judicial, não há motivo para resistência, sob pena de parecer ofensivo e a oposição infundada demostrar má fé e também, muitas vezes, desprezo pela pessoa humana.