ABC do CDC

Celebridades médicas, mau atendimento e os direitos do consumidor

O problema do mau atendimento médico e aspectos da relação cliente-médico e cliente-hospital/clínica.

6/11/2014

É moda. Há médicos que se tornam famosos, passando a frequentar a mídia televisada e escrita, montam consultórios caríssimos bem decorados, em prédios e casas luxuosas, situadas em bairros nobres da cidade. Cobram muito caro por suas consultas. Era de se esperar que o atendimento fosse à altura de toda essa parafernália de apresentação. Afinal, com uma imagem dessas e cobrando preços altíssimos, o atendimento deveria ser cortês, respeitador, com, quem sabe, o oferecimento de cafés, chás, biscoitos e, por que não, chocolatinhos, porque nenhum consumidor é de ferro.

Todavia, a experiência mostra que basta entrar em alguns desses consultórios para o serviço mostrar sua verdadeira face: "não vale quanto pesa". Cito um exemplo acontecido com meu amigo Outrem Ego. Ele resolveu marcar uma consulta com uma famosa dermatologista. Marcou com um mês de antecedência. Um mês! Poderia ter ido a outros médicos, mas como podia aguardar, agiu como um bom consumidor crente de que receberia o atendimento médico à altura da oferta e do preço. Ficou esperando pacientemente o dia chegar.

Uma nota de ironia: na véspera do dia marcado, a secretaria da médica ligou para confirmar a consulta.

Para não perder a hora, Outrem Ego chegou 30 minutos antes e ficou acomodado na lotada sala de espera da linda casa, ricamente decorada. Nota: havia manobristas à porta, mas nada de chocolatinhos, cafezinhos, bolachas, etc. Apenas e tão somente as surradas revistas de moda e fofocas que, não se sabe bem por que, os consultórios mantêm. (Meu amigo chamou a atenção para esse fato também: será que os médicos querem dizer alguma coisa aos clientes, colocando revistas tão ruins na sala de espera?).

Muito bem. Meu amigo estava mais preparado: levara um livro para ler, acaso atrasasse "um pouco" (Como bom consumidor, ela estava dando um, digamos, crédito de tempo no atraso do atendimento para a "celebridade" médica). Sua consulta estava marcada para às 16h. Deu 16h e nada; meia hora depois nada ainda. Com quarenta e cinco minutos de atraso, Outrem Ego perdeu a concentração e não conseguia mais acompanhar a história do livro que lia. Às 17h, viu ser chamada uma mulher que estava já lá esperando quando ele chegou às 15h30. Resolveu, então, perguntar para a secretaria qual era o horário de consulta daquela mulher e ficou sabendo que era a das 14h. Ele ficou tonto, sentou-se um pouco, tentou organizar seu pensamento. Depois, levantou-se e foi embora.

Muito bravo, ele me contou a história e eu disse que ele tinha sido violado em seus direitos. Mas, ele ainda usou comigo de uma retórica muito comum em consumidores-vítimas que procuram eliminar uma espécie de sentimento de culpa por terem sido maltratados. Disse: "É verdade, que pode alguém objetar que, se eu esperasse, seria atendido. Talvez. Quem sabe, após mais duas horas, ela me atenderia, mas desrespeito tem limites e, assim, fui-me. Indignado" (Esse argumento de vítima condescendente é comum. É uma espécie de síndrome de Estocolomo dos consumidores violados).

E antes que surjam mais defensores do mau atendimento, apenas e tão somente porque é de médicos que estamos falando, não se está apontando situações de emergência ou de algum caso excepcional que exigiu a presença do médico que, por isso, não pode atender aos demais. A referência diz respeito ao modo de atendimento básico em consultórios regulares com consulta previamente marcada, sem qualquer embaraço justificável.

Há, naturalmente, bons prestadores de serviços no setor, tanto médicos como hospitais e clínicas, mas o problema no atendimento aparece em todos os lados, não só nos consultórios particulares, como também nos hospitais privados e nos conhecidos "hospitais-butiques". Nem preciso referir o serviço público, que, tirando exceções, peca muito pelo mau atendimento. Para deixar, então, consignados certos aspectos básicos da relação cliente-médico e cliente-hospital/clínica, listo a seguir algumas regras e direitos vigentes.

Tanto no consultório como no hospital, o médico tem obrigação de prestar um atendimento adequado e dentro dos parâmetros legais. O médico é um prestador de serviço e como tal deve fazê-lo de forma técnica compatível com sua especialidade, sem ações precipitadas ou omissões injustificadas.

É direito do consumidor receber receitas escritas de forma legível. Nada de "caligrafia de médico é assim mesmo".

Não é nem um pouco engraçado ficar decifrando junto ao farmacêutico os "quase-hieróglifos" do médico para descobrir qual medicamento comprar e como tomá-lo ou, então, qual é o exame que foi prescrito.

Além de sem graça, é ilegal, posto que é uma falha na informação. Esta deve ser clara, precisa, detalhada. Ademais, é evidente que a compra do remédio errado, bem como sua equivocada utilização, pode causar sérios danos ao consumidor.

No consultório, a hora marcada deve ser respeitada, a não ser que exista alguma justificativa de última hora (Por exemplo, o médico foi obrigado a ir fazer um atendimento de emergência). O atraso no atendimento, de maneira injustificada, viola o direito do consumidor, que, se tiver algum prejuízo por conta disso, pode pleitear indenização.

A consulta é confidencial e, resguardados os casos de doenças de notificação compulsória (epidemias, por exemplo) ou risco real para terceiros, o médico deve proteger as informações que recebe de seus clientes. Na violação desse sigilo, o consumidor pode pleitear indenização do médico e/ou hospital.

O médico e os demais profissionais devem tratar o consumidor com educação e respeito à sua dignidade como ser humano, jamais podendo usar expressões preconceituosas, nem referir-se ao paciente pelo nome de sua doença.

Esse direito se estende ao acompanhante, aos familiares e, caso ocorra, ao falecido.

Nos hospitais, os profissionais devem se apresentar devidamente identificados com crachá, no qual conste nome completo, profissão e cargo (médico, anestesista, enfermeiro etc.).

É direito do consumidor receber uma cópia do prontuário no consultório, no hospital ou na clínica. Quando não estiver consciente, a cópia do prontuário tem que ser entregue a seu responsável legal (geralmente um familiar próximo: cônjuge, filhos, pais etc.).

É direito do consumidor receber por escrito do médico (de forma legível, de preferência datilografado ou impresso via microcomputador) o relato do diagnóstico feito, bem como quais serão as condutas médicas a serem adotadas, com a descrição das etapas da doença pelas quais o paciente irá passar, os tratamentos que serão empreendidos, os riscos envolvidos etc., pois o paciente pode recusar os diagnósticos e tratamentos.

Seu consentimento deve vir depois de ter recebido claras e totais informações sobre o caso em linguagem simples. O paciente pode dar o consentimento e depois, se quiser, pode revogá-lo.

Quando se trata de doença grave e/ou desconhecida, é direito do paciente saber da expectativa que se tem sobre o resultado do tratamento, além de ser esclarecido a respeito do diagnóstico e do tratamento, quando se tratar de pesquisa ou procedimento experimental, assim como, também, ser esclarecido dos riscos na relação com os benefícios.

É obrigação do médico/hospital/clínica fazer testes antialérgicos para uso de medicamentos que apresentem riscos quando ministrados (por exemplo, penicilina), bem como teste para verificação de diabetes, quando o procedimento ou o uso do medicamento trouxer riscos em função dessa doença.

É obrigação do médico/hospital/clínica utilizar-se de material esterilizado ou descartável, tudo dentro das mais estritas regras de segurança e higiene. Se for necessária a utilização de sangue, o paciente tem direito de conhecer sua procedência.

Nas consultas e intervenções, o paciente pode ter presente um acompanhante e isso é válido para o parto; o pai, querendo, pode assistir.

O paciente tem direito a receber um orçamento prévio do serviço que será prestado e dele devem constar: o valor dos honorários; o preço dos materiais a serem empregados; as condições de pagamento (ou seja: se é à vista, parcelado, com ou sem entrada etc.); as datas de início e término do serviço ou a previsão da necessidade de sua continuidade; e o prazo de validade do orçamento. Se o orçamento não falar do prazo de validade, ele valerá por dez dias. Após a sua aprovação, não pode ser alterado.

Todo pagamento deve ser feito contra a entrega de recibo. Este tem que ser discriminado, apresentando separadamente honorários médicos, honorários de outros profissionais, despesas de estada, uso de equipamentos, gastos com medicamentos etc.

Todos os direitos do consumidor aqui narrados são extensivos aos familiares do paciente.

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Colunista

Rizzatto Nunes é desembargador aposentado do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor. Para acompanhar seu conteúdo nas redes sociais: Instagram: @rizzattonunes, YouTube: @RizzattoNunes-2024, e TikTok: @rizzattonunes4.