ABC do CDC

O atendimento ao consumidor está cada vez pior

O colunista narra um caso mostrando os problemas enfrentados com os setores de atendimento de empresas.

13/2/2014

Meu amigo Outrem Ego, sempre atento ao modo como ele e os demais consumidores são atendidos, acaba de chegar de viagem de férias e me veio com a seguinte história. Ele estava no exterior e precisava pagar uma conta de apenas R$30,00 que havia vencido há dois dias. Nem se preocupou muito, pois se tratava de uma grande operadora de internet e, pensou, seria facílimo obter uma segunda via e quitar via internet banking.   Mas, aí começou sua saga. Veja.

"Nem me preocupei e fui ao site tirar uma segunda via. Bem, parece que estava com azar. Durante dois dias tentei acessar o setor indicado com meu nome de usuário e senha. Mas, aparecia como inexistente. A opção "esqueci senha" também não ia adiante. No terceiro dia, fiz nova tentativa. Também não deu certo e me mandaram ao chat de atendimento online. Me animei. 'Agora vai', pensei".
 
Ele continuou:  "Surgiu uma tela escrito: 'Neste momento, todos os nossos agentes de relacionamento estão ocupados. Você é o quarto da fila. Por favor, aguarde'. Me tranquilizei, pois era apenas o quarto... E foi indo. 'Você é o terceiro da fila'; 'Você é o segundo da fila' e, finalmente, depois de uns dez minutos, 'Você é o primeiro da fila'". Aguardei feliz mais cinco minutos e depois disso, a surpresa: ao invés de me atenderem surgiu na tela a seguinte frase: 'Neste momento, todos os nossos agentes de relacionamento estão ocupados. Por favor, tente novamente mais tarde'. Bacana, hein?"

A essa altura, meu querido amigo, já havia perdido sua habitual paciência. Anotou todos os endereços de e-mail da empresa, incluindo, a ouvidoria e enviou um e-mail escrevendo exatamente o mesmo que me narrou (e que transcrevi acima). Colocou no assunto: "Urgente: quero apenas pagar minha fatura!" e antes de colocar seu nome, escreveu em negrito: "Será que alguém por aí consegue resolver esse problema, sem que eu tenha que acionar meus advogados ou o Poder Judiciário? É uma dívida muito pequena e eu quero pagar!"  

De um dos e-mails recebeu uma resposta automática, nos seguintes termos:

"Prezado(a) Cliente,

No intuito de atender da melhor forma possível seus clientes, a (...) precisa identificar o remetente da mensagem com um endereço eletrônico ou com o CPF do titular, a fim de que seu cadastro seja localizado e assim possamos verificar sua solicitação.

Pedimos a gentileza de retornar a mensagem com as informações de identificação solicitadas acima. Ou, se preferir, entre em contato com nosso atendimento disponível nos sete dias da semana, através do canal abaixo:

- Chat, das 5h40min da manhã às 2h da madrugada (...)

- Caso tenha alguma dúvida, acesse o endereço. (...) Acesse a Central do Assinante,(...) , para verificar ou alterar seus dados cadastrais, como: forma de pagamento, dados pessoais e serviços contratados. Na Central de Pagamentos, (...) , você pode consultar seu histórico financeiro, emitir segunda via do boleto, negociar títulos pendentes, entre outros. Permanecemos à disposição para qualquer esclarecimento que se faça necessário. Atenciosamente,  (...nome de uma funcionária do setor de atendimento"

Esse e-mail, naturalmente, deixou meu amigo irritado, pois ele já havia tentado de tudo. Como ele disse: "Para que serve um setor de atendimento que não atende?".

Aquele dia terminou assim. Ele continuava inadimplente, embora estivesse se esforçando para pagar.  

No dia seguinte – até que enfim – recebeu um e-mail com o boleto para pagamento. Ficou aliviado, embora tivesse recebido um boleto que envolvia o valor vencido a alguns dias e o valor que ainda iria vencer no mês seguinte! Como a importância total era pequena, deu de ombros e resolveu pagar para se livrar de vez do imbróglio.

Mas, eis que logo depois recebeu um e-mail da ouvidoria da empresa. Isso! Da ouvidoria, isto é, um setor montado para atender consumidores com problemas, em desespero, sendo mal atendidos, etc. Logo, deveria ser um texto pessoal, direto, explicativo, com pedido de desculpas e tudo que fosse agradável de se ver e se ler. Que nada! Era apenas mais um texto pré-escrito, dirigido a qualquer um e sem nenhuma conexão com o caso de Outrem Ego. O texto que ele escreveu em resposta para a ouvidoria é suficiente para compreender o que se passou e é mais um bom exemplo de como não se deve tratar um consumidor. Veja:

"Prezada Sra. (...),

Talvez nem devesse responder, pois me parece  que seu texto é dirigido a qualquer cliente e não a mim. Tanto que não especifica o gênero nem cita meu nome.

Mas, já que recebi este e-mail, vou responder. Se alguém daí ler,  será lucro.

Seu texto nada me diz. Ou melhor, diz que a senhora (e ninguém aí) leu o que eu escrevi!

E olha que o que eu escrevi está abaixo, enviado por V. S. no próprio e-mail.

Se tivessem lido, não me enviaram essa resposta pronta que nada diz com o que eu falei (...). E, aliás, o pessoal do chat não me atendeu.

Se quiserem examinar minha reclamação mesmo para valer, LEIAM!

PS.1: Num e-mail anterior, eu recebi o boleto para pagamento. Já estou pagando. Mas, vejam que ironia: no boleto que vence dia 26 de janeiro foi incluída a parcela que somente venceria dia 10 de fevereiro (No importe de R$30,25). Eu, claro, como bom consumidor fui vencido pelo cansaço: pagarei daqui a pouco para encerrar esse assunto. Tenho mais o que fazer!
 
PS.2: Agora para vocês dessa enorme empresa: em matéria de atendimento pessoal, vocês estão muito atrasados. Depois de minha legítima reclamação, enviar-me um e-mail com texto padrão, adredemente preparado, demonstra que vocês usam um dos modelos mais obtusos  de relacionamento com os clientes. É idêntico a mandar cartão de Feliz Aniversário no dia de nascimento do melhor amigo via e-mail automático!!! Acordem!
 
PS.3: Isto não é uma mensagem automática e vocês não precisam responder!"

Meu caro leitor, trata-se de um caso sem maiores implicações, mas fiz questão de apresentá-lo para mostrar como, em pleno Século XXI, aquilo que deveria ser o bê-a-bá da qualidade de atendimento, ainda está engatinhando e, em muitos casos, piorou por incompetência ou deliberadamente por questão de economia e desprezo aos clientes.

De nada adianta usar de tecnologia com respostas rápidas e automáticas se elas não se enquadram na hipótese do consumidor que tem um problema. Evidentemente, muitas soluções podem mesmo se dar de forma pré-pensada e planejada, com formulários padrões prontos, bastando um elemento marcado para acioná-lo. Mas, em muitas situações esse automatismo é bisonho e, ao invés de dar uma reposta efetiva e compreensível ou apresentar uma solução para o problema, agrava a deteriorada relação estabelecida. 

Não se trata apenas de uma questão legal, eis que, evidentemente,  o consumidor tem direito de ser bem atendido, ser ouvido na apresentação de seus problemas e receber, de maneira eficiente, uma solução para a questão apresentada. É mais: a manutenção de clientes exige profissionalismo e inteligência. Muitos consumidores já se cansaram de ser tratados como meros números, como se não existissem realmente. Certamente, um mau  atendimento gera perda de clientes e,  quanto mais os consumidores estiverem conscientes disso, mais as empresas terão de aprender a fazer atendimento. Isso vale tanto para grandes como para pequenas empresas, para corporações internacionais e para  um pequeno restaurante, para agentes financeiros e para profissionais liberais em todas as vertentes, etc.

Atender bem exige, pois, estudo e investimento. Em sistemas e em pessoas. De nada adianta criar métodos automáticos de resposta sem conexão com  os fatos,  como o caso narrado por meu  amigo mostrou; nem também ficar fazendo o tempo todo pesquisa automática de satisfação do atendimento. É necessário ouvir de fato o cliente; saber o que ele pensa dos produtos e serviços oferecidos; entender como ele os usa, como ele os avalia; é necessário dialogar com ele. Repito: mas não como um número ou preenchendo um formulário com questões prévias.

De que adianta criar uma "ouvidoria" que não ouve? Nem lê? Ou um Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) que não resolve problemas? O consumidor deve ser olhado em sua integridade pessoal e real, tal como ele é e se apresenta. Esse é um dos pontos da qualidade ou o mínimo de inteligência que qualquer setor de atendimento deve ter. 

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Colunista

Rizzatto Nunes é desembargador aposentado do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor. Para acompanhar seu conteúdo nas redes sociais: Instagram: @rizzattonunes, YouTube: @RizzattoNunes-2024, e TikTok: @rizzattonunes4.