Não é a primeira vez que trato do tema nesta coluna, mas, como os fatos se repetem, eu também me vejo obrigado a voltar a cuidar dos direitos dos consumidores nesse período de greve dos funcionários dos correios e dos empregados dos bancos.
Evidentemente, todo dano causado aos usuários é de responsabilidade primeira da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) por expressa disposição do Código de Defesa do Consumidor: ela responde pelos vícios ou defeitos de seus serviços, o que inclui, naturalmente, a ausência destes. E não há necessidade de que seja apurada sua culpa, eis que a sua responsabilidade é objetiva e decorre da exploração da atividade empresarial desenvolvida e seu risco. O empreendedor público, privado ou de atividade privatizada explora o mercado de consumo e a própria exploração da atividade gera risco social, independentemente de sua vontade.
É lógico que, por exemplo, quando uma correspondência entregue pelo consumidor aos serviços do correio não chega a seu destino no prazo ou simplesmente se extravia, essa falha não se dá por interesse da empresa. Ela não decorre da vontade dos administradores da ECT, mas da atividade em si, eis que falhas sempre existirão no sistema de leitura ótica, na incorreta observação do pessoal que faz seleção dos envelopes e pacotes, no transporte etc. Portanto, o dano existirá, apesar da vontade em sentido contrário dos administradores e funcionários.
A lei sabe disso. Ela sabe que, apesar do esforço do prestador do serviço, em algum momento, por evento imprevisto, o serviço falhará, causando danos ao consumidor. Naturalmente, a responsabilidade é a mesma na sua ausência, como a que ocorre no período de greve e que persistirá mesmo após seu fim por mais algum tempo até que o serviço se normalize.
Por isso tudo, a lei estabeleceu a responsabilidade objetiva. Basta a constatação do serviço contratado e seu defeito para que possa ser pedida indenização.
De fato, a ausência de um serviço como o dos correios sempre gera danos em larga escala, atingindo fornecedores e consumidores. Para o funcionamento dos serviços massificados, como os de telefonia, tevês a cabo, cartões de crédito, empréstimos bancários, etc. é fundamental o serviço dos correios. Isto porque, é através dele que a maior parte dos milhões de faturas é entregue mensalmente para pagamento.
Entretanto, o não recebimento de uma fatura não retira a responsabilidade do consumidor em pagá-la no prazo se o credor manda as faturas pelo correio mas, simultaneamente, coloca à disposição do consumidor outro modo de quitar o débito.
Cabe ao fornecedor entregar as faturas antes da data do vencimento. Todavia, com a paralisação dos serviços do correio, a entrega fica prejudicada. O fornecedor, então, tem que oferecer uma alternativa de pagamento ao consumidor. As segundas vias devem ser oferecidas via fax, e-mail, acesso ao site, por ligação telefônica, etc. Se essas segundas opções são oferecidas, cabe ao consumidor utilizá-las para o pagamento da dívida.
Aliás, é bom também lembrar que mesmo quando os serviços dos correios não estão paralisados, isso não impede que alguma correspondência não seja entregue. Logo, até fora desse período crítico, pode acontecer de o consumidor não receber fatura para pagamento dentro do prazo ou simplesmente não recebê-la.
Mas, de outro lado, se o consumidor não recebe a fatura para pagamento nem tem à sua disposição outro meio para fazê-lo, não se pode imputar a ele a responsabilidade pela quitação da dívida no prazo. Não tem sentido culpá-lo pelo que ele não fez. É risco do fornecedor entregar a fatura com tempo suficiente para pagamento, risco esse que não pode ser repassado ao consumidor. Todavia, como sempre digo, não é fácil para o consumidor, nessa questão, se proteger.
Para eventualmente tentar não ser responsabilizado, o consumidor tem que provar que não recebeu a fatura, o que é muito difícil de fazer quando ela não é entregue. Dá para fazer a prova, por exemplo, se o consumidor avisou por escrito seu novo endereço para recebimento da fatura e ela foi enviada ao antigo ou quando o próprio correio coloca carimbo de entrega atrasada (Nesse caso, é a ECT quem deve ser responsabilizada pelo atraso). No entanto, afora esses tipos de exceções, o consumidor acaba sendo responsabilizado pelo atraso.
Por isso, é que se aconselha que o consumidor mantenha uma agenda com datas dos vencimentos de suas faturas regulares. Se, até a véspera do vencimento, ainda não recebeu alguma, então, ele pode e deve entrar em contato com o credor, solicitando segunda via. Essa é uma regra geral para o dia a dia de todos os consumidores que, evidentemente, nesse período de greve, deve ser imediatamente seguida. (Anoto que, para aquele que não faz esse tipo de controle, a saída é pegar as contas do mês anterior, ver as datas dos vencimentos e checar o prazo que existe para pagá-las).
Atualmente, todos os grandes fornecedores mantêm Serviços de Atendimento ao Consumidor (SACs) e/ou sites, nos quais é possível obter uma segunda via da fatura. Se o credor não tiver esse tipo de serviço, como já disse acima, ele é obrigado a dar outra alternativa para pagamento, como, por exemplo, envio do boleto via fax ou apresentação de dados bancários para depósito em conta (número de conta corrente, banco e agência, número do CNPJ – se for pessoa jurídica – ou CPF – se for pessoa física). Repito: se o credor não der alternativa, o consumidor não pode ser responsabilizado pelo atraso.
Para piorar o quadro, está em curso outra greve, esta no sistema bancário. Apesar das opções que, no caso, os consumidores têm – mas não todos – de pagamentos via web e casas lotéricas, valem as mesmas regras de proteção ao consumidor que acima transcrevi.
O que se espera, é que os fornecedores não cobrem multas daqueles que, eventualmente, pagarem suas faturas fora do vencimento no período de greve, pois não se pode responsabilizar o consumidor que pretende pagar suas dívidas se ele não tem como fazê-lo.