Depois do fatídico jogo entre Corinthians e Boca Juniors na semana passada no Estádio do Pacaembu, oportunidade em que o time paulista foi abertamente surrupiado, vejo-me obrigado a voltar ao assunto do futebol e do torcedor consumidor.
Refaço, pois, a pergunta: Tem o consumidor torcedor direito de pagar para assistir os jogos de futebol que sejam disputados e decididos de forma verdadeira? Tem ele direito a que as pelejas tenham resultados justos? Isto é, que quando o gol é feito em impedimento seja anulado, que as faltas sejam corretamente marcadas, que o gol feito com a mão não seja convalidado, que gols legítimos sejam anulados, que pênaltis, quando ocorram, sejam marcados?
No caso do referido jogo, há algo a mais de interessante. Na eliminação do time do Corinthians, com erros clamorosos do árbitro de futebol, o paraguaio Carlos Amarilha, houve uma revolta dos dirigentes. Como explica a reportagem: "O juiz paraguaio foi fundamental na eliminação do Corinthians. Ele deixou de marcar um pênalti claro em Emerson nos primeiros minutos de jogo e anulou incorretamente um gol de Romarinho, alegando um impedimento inexistente"1.
De fato, as falhas foram tão escandalosas que o diretor de Futebol do Corinthians, Roberto de Andrade, declarou indignado:"O Amarilla devia estar preso, mas conseguiu escapar (...) O Amarilla chegou ao Brasil para apitar esse jogo com uma encomenda, e ele devolveu certinho, do jeito que pediram para ele fazer, para tirar o Corinthians da Libertadores. Ou você acha que estou falando alguma coisa exagerada. É assim que funcionam as coisas no futebol, infelizmente"2.
O jogo em si não apresentou nada de novo, eis que as cenas de erro e acusações de malandragem repetem-se há muitos anos. Mas, no caso, há um depoimento de um dirigente falando de certas coisas que se passam em alguns jogos. E as regras do futebol se mantêm em termos tecnológicos, muito atrasadas.
Como já tive oportunidade de tratar anteriormente, a FIFA – a dona do negócio futebol – e, no episódio narrado, a Conmebol, são grandes corporações, que se utilizam dos mais modernos métodos existentes no mercado para promover seus eventos, lançando mão do que existe de mais avançado em termos de tecnologia: de venda, de distribuição, de marketing, de transmissão dos jogos, etc. Todavia, paradoxalmente, mantêm em funcionamento um esporte no qual vigem regras antigas que não são submetidas ao mais simples elemento da tecnologia como, por exemplo, o uso de câmaras e "tira-teimas" para a aferição de infrações e gols. Algo que pode ser feito sem muito transtorno ao espetáculo.
Como tem sido defendido por alguns especialistas, a introdução da tecnologia no jogo, como acontece, por exemplo, no futebol americano, evitaria desgastes e dificultaria eventual tentativa de manipulação dos resultados.
Aliás, esse tipo de situação envolvendo a arbitragem, assim como os atos de violência entre as torcidas, as manifestações de racismo, etc. certamente fazem com que o espetáculo perca público. Seria muito bom se ao lado da verdade e da Justiça no próprio jogo, se conseguisse paz entre os torcedores, oferta de qualidade das instalações dos estádios, em condições dignas de higiene, com alimentação adequada, etc. Torçamos para que a Copa das Confederações e a Copa do Mundo que serão realizadas no Brasil demonstrem que esse patamar de respeito ao consumidor torcedor foi alcançado, ainda que as regras do jogo não sejam modificadas.
Por enquanto, com as regras atuais, cabendo ao árbitro a decisão soberana e para quem gosta de questões jurídicas, passo a seguir o exercício que já fiz com meus alunos do pós-graduação e do curso de especialização em Direito do Consumidor. Perguntei a eles o seguinte:
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Tendo em vista a evidente armação de um resultado, pode o torcedor pedir de volta o valor pago pelo ingresso?
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Poderia também ingressar com ação pedindo indenização por danos morais, alegando que se sentiu ludibriado e foi ferido em sua honra de torcedor?
Sempre depois de alguma discussão, acaba havendo consenso entre os alunos em responder negativamente as assertivas. É que se chega à conclusão de que o erro por mais clamoroso que seja faz parte do jogo; é uma regra não escrita do sistema. Além do mais, vale para os torcedores dos dois times, tanto do time perdedor quanto do vencedor.
No fundo, o princípio vigente no futebol não é o da busca da verdade, mas apenas e tão somente o da autoridade do árbitro. Este, intocável em suas decisões dentro do gramado, transforma sangue em água; areia em ouro. É um mágico. Capaz de mudar o real.
Mesmo com os vídeos, com os tira-teimas e repetições, mesmo havendo contra a decisão do árbitro o fato tal como ocorreu, nada muda. Permanece o regime de permitir que ele modifique o real a seu bel prazer, doa a quem doer.
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1Extraída do UOL, 16/5/2013.
2Mesma matéria.