N'outro dia meu amigo Outrem Ego, antes de me fazer uma pergunta, contou que assistiu a um filme, desses seriados policiais da tevê, que narrava um caso interessante (Infelizmente, não lembrava o nome da série). Era a história de um empresário que queria porque queria que seu filho seguisse-o na carreira; que pudesse um dia tomar conta das empresas. Mas, o filho gostava de arte e desejava ser pintor. Assim, contra a vontade do pai, passou a se dedicar a pintura. O pai tinha muito dinheiro e uma casa maravilhosa decorada lindamente por arquitetos de primeira linha. Tinha, inclusive, penduradas nas paredes, pinturas à óleo originais e valiosíssimas. O filme cuida do dia em que o pai descobre que o filho havia furtado e vendido os tais quadros, embolsando uma fortuna. Mas, a ironia era que o filho havia copiado as obras e as havia colocado no lugar das originais. O pai, durante meses, jamais se deu conta disso. Quando o filho foi preso, disse para o pai: "Que diferença faz para você? Há meses que você olha para os quadros nas paredes e não vê que são cópias. Pouco importa quem pintou, o que vale é que você pensa que foi o pintor original. Mas, você estava vendo meus quadros!". Daí, meu amigo perguntou: "Se você aprecia uma pintura e, de algum modo, ela faz bem a seu espírito, que diferença faz saber se ela é original ou cópia? Aliás, depois que você a admirou, se encantou com ela e se emocionou, que adianta alguém dizer que ela não era original?".
Conta-se que, certa vez, foi encomendado a um grande jurista brasileiro um parecer a respeito de um importante caso. Feito o trabalho, o cliente dirigiu-se ao escritório do jurista para retirá-lo. Mas, ao chegar, resolveu reclamar do preço cobrado. Disse que estava muito caro. O parecerista não se fez de rogado. Disse: "Está bem, farei de graça". Depois, rasgou a ultima folha, retirando sua assinatura e entregou para o cliente. "Pronto", disse, "Agora já pode leva-lo". "Mas, agora não vale nada", reclamou o cliente. "Pois, é!", respondeu o jurista.
Esta é do famoso pintor espanhol Pablo Picasso. Dizem que, certa vez, ele, de regresso ao Castelo de Vauvenargues no sul da França, onde morava, encontrou o local sem mantimentos. Não havia comida, vinhos, etc. Chamou o capataz e pediu-lhe que fizesse as compras, mas este disse que não havia dinheiro em casa e nem talão de cheques. Picasso, então disse: "Não tem problema". Desenhou uma pomba numa folha de papel. Assinou e disse: "Pague com isto!".
Meu caro leitor, pergunto: Quanto vale uma assinatura? E um original? Aliás, o que é mesmo um original? Por exemplo, os próprios pintores descobriram um bom filão com as reproduções de suas obras, numeradas ou não.
O mercado capitalista é expert em dar preços às coisas e tem também a habilidade de supervalorizar algumas delas. Às vezes, a valorização tem relação com a demanda: muita demanda e pouca oferta gera preço alto, como acontece na bolsa de valores e nos preços das commodities em geral. Em outras vezes, o preço é ditado pela autoridade de quem produz o bem. Os exemplos acima do parecerista e de Picasso ilustram bem esse aspecto. Essa autoridade nasce do próprio mercado, que a reconhece numa espécie de círculo fechado: quem tem autoridade (e mais valor) em determinado assunto a detém porque é reconhecido pelo mercado e o mercado, por sua vez, dá mais valor a quem tem autoridade. Nas artes, nem sempre isso ocorre em vida, para azar de alguns artistas. Fiquemos apenas com o exemplo de Van Gogh, que se suicidou aos 37 anos (em 1890) e vendeu em vida um único quadro por apenas 400 francos. E que, a partir de uma exposição feita em Paris em 1901, começou a ficar famosíssimo. A pintura intitulada "Retrato do Doutor Gachet" (Gachet foi o médico que cuidou de Van Gogh nos últimos tempos de sua vida) foi vendida no século passado por oitenta e dois milhões e quinhentos mil dólares!. Mas, esse tema do preço das coisas e das pessoas (e também seus valores), trato em outra oportunidade.
Hoje quero questionar essa questão do original e do falso. Por que o consumidor paga para ter algo copiado? Compra um produto fake, como se diz, consciente de que ele não é original. Diferente, pois, do pai do início deste artigo, que admirava as obras copiadas na parede de sua casa, sem saber que se tratava de falsificação. Meu amigo Outrem Ego, me disse que tem gente que usa relógio rolex falso porque é mais fácil de entregar para o ladrão... Ele protesta: "Mas, então, pergunto, se é para ser roubado, para que usá-lo? Por que não usar um relógio qualquer sem marca? Ou nenhum, como faço eu?".
O mercado combate ferozmente todo tipo de pirataria. Melhor dizendo, não é exatamente o "mercado" que combate, mas os proprietários das licenças e das marcas registradas. Mesmo assim, a pirataria resiste; de fato existe um "mercado pirata". Esse tipo de demanda é criada em parte pelo próprio dono do produto de grife, que o promove como algo raro e/ou caro a ser cobiçado. Como o preço fixado não é barato, acaba tendo de concorrer com os falsificadores que atuam na clandestinidade vendendo a preços mais acessíveis.
Então, podemos dizer que grande parte desses consumidores que adquirem os produtos falsificados o fazem, em primeiro lugar, porque reconhecem uma autoridade na marca e, em segundo lugar, porque o preço permite. Do que se pode concluir que, se o produto "de marca" não fosse caro, o consumidor compraria o original.
Eu já cuidei nesta coluna da questão desse tipo de uso. De fato, o consumidor, quando adquire um produto de grife, o faz porque de algum modo ele lhe gera uma distinção social. Passa a ser olhado (nesta nossa sociedade de alta exposição ao olhar) pelos demais como possuidor de uma identidade (que ele valoriza). A grife também permite que ele frequente certos locais e grupos, que se apresentam do mesmo modo. Daí que, às vezes, acreditando nessa forma de distinção e não podendo adquirir o original, ele se contenta com a cópia. Mas, claro, a torcida é a de que a cópia seja conhecida apenas dele. O consumidor não irá pendurar um relógio rolex falso no braço e sair dizendo "é falso". Ele usará para mostrar e para que as demais pessoas o enxerguem como usando um verdadeiro. O mesmo se diga em relação a qualquer outro tipo de produto de marca: bolsas, sapatos, canetas, objetos de vestuário, etc.
É o mercado, portanto, que cria e oferece tanto o produto original como o falso (embora o próprio consumidor consiga, evidentemente, em alguns casos, produzir a cópia para seu uso). Aliás, o mercado, sempre inovador, lançou recentemente mais produtos "falsos", com uma pequena diferença. Eles são "falsos originais", se é que se pode assim defini-los. Vejam, primeiramente, essa oferta que existe nos Estados Unidos da América. Trata-se de um serviço intitulado "Crowds on Demand", que promete algumas horas ou dias de "vida de celebridade" ao consumidor. Lembra um pouco um serviço que existe tanto no Brasil como em outros lugares, que é o da contratação de "celebridades" para que estas frequentem festas de casamentos, de batizados, de aniversário, de empresários, encontros políticos etc. A diferença é que, no caso, a "celebridade" é o consumidor. É uma celebridade falsa, mas será que faz muita diferença? Veja como funciona. Extraí o material do site da empresa.
A oferta do site diz mais ou menos isso: "Você já sonhou em ter uma multidão te adorando e celebrando seu nome, proclamando que você é um campeão e cantando elogios pelas ruas? Para a maioria de nós, isso é apenas uma fantasia. Agora, a experiência antes reservada apenas para presidentes e celebridades está à venda. 'Multidões à Demanda' pode organizar qualquer grupo, pequeno ou grande, em menos de uma semana".
"Experimente o serviço que o renomado Clube de Viagem de Shanghai proclamou a melhor experiência de luxo do mundo".
O site diz que a empresa, com sede em Los Angeles, tem operações em São Francisco, Las Vegas e Washington D.C.. E que a tal multidão é formada por "atores treinados, cuja maioria apareceu em programas de televisão e filmes". E completa: "então se você quiser usar nosso serviço só para se divertir ou para algum trabalho, temos tudo para exceder suas expectativas".
Além disso, diz o site, o serviço é oferecido não só em inglês como em outras línguas, com pessoal "fluente em chinês (mandarim), francês, alemão e espanhol".
Esse serviço (e também outras situações de produto ou serviço falsos) lembrou-me uma máxima dita ao final do bom e assustador filme baseado na obra de Patricia Higsmith, O Talentoso Ripley (refilmagem do filme francês "O sol por testemunha"), no qual o personagem central rouba a identidade de outra pessoa para viver em seu lugar. Diz ele: "Prefiro ser um falso alguém do que um ninguém verdadeiro". Claro que não é preciso que o produto ou o serviço sejam falsos para que o elemento psicológico apareça: há consumidores que compram caros produtos originais para parecerem o que não são; muitos se endividando para tanto.
E há mais nesse mercado do falso-original: Há um site que oferece namoradas falsas para os homens que querem fazer ciúmes para as ex-namoradas ou para aqueles que não gostam de ser classificados como "solteirão" no Facebook. Trata-se de um serviço lançado no Brasil, o NamoroFake, que pode ser acessado.
Os preços fixados no site são: a) R$99,00 por 30 dias para uma namorada virtual ficar postando como namorada verdadeira no perfil do Facebook do cliente; b) R$39,00 para ter uma namorada falsa por sete dias; c) R$19,00 por uma ex-namorada por sete dias; e d) apenas R$10,00 por uma "ficante" por três dias.
Por enquanto, o serviço é oferecido apenas para os homens. O site explica como funciona o serviço:
"Namoro Fake oferece um serviço que permite o homem contratar uma mulher real para se passar por sua namorada de mentira na rede social com grau de afinidade e período determinado.
Quem está contratando terá que definir os posts e comentários que a namorada fake irá escrever no seu perfil".
E, para evitar confusões, o site deixa claro o seguinte: "Nota: Os perfis são de mulheres reais e não são falsos. Não somos uma agência de acompanhantes. Não estamos oferecendo-lhe serviços de namoradas verdadeiras. POR FAVOR NÃO confunda nosso serviço para qualquer fim de natureza sexual".
É isso. O mercado, muito criativo, não cessa de fazer ofertas falsas ou verdadeiras de produtos e serviços originais ou copiados. Parece tudo uma questão de gosto, mas isso, como se diz, não se discute.