ABC do CDC

Os serviços de atendimento ao consumidor e o direito à indenização

15/9/2011

Meu amigo Walter Ego, persistente frequentador desta coluna, adquiriu uma linha de rádio, mas muito atrapalhado que é, nunca conseguiu se adaptar, pois levava o aparelho à orelha quando devia usar a boca e vice-versa; ficava desesperado quando a pessoa do outro lado da linha falava sem parar e ele queira interromper mas não conseguia - uma vez me disse: "É preciso muita habilidade para encontrar uma brecha na fala do outro e conseguir entrar com sua própria fala..." -, enfim, por questões pessoais resolveu cancelar o serviço.

No serviço de atendimento ao consumidor (SAC) da empresa, ele foi passado para um setor específico, onde um atendente treinado queria porque queria que ele explicasse os motivos da desistência. A situação era constrangedora, porque meu amigo simplesmente não desejava mais o serviço e pronto, mas dizer isso ao atendente não resolvia. Então, ele teve uma ideia: disse que estava se mudando de país - um pouco preocupado com que o atendente lhe oferecesse o mesmo serviço no exterior... Foi o único jeito que ele encontrou de burlar a parede treinada que não aceitava que ele apenas não quisesse mais o serviço.

Muito bem, queridos leitores, aproveito essa história do W. Ego para cuidar dos SACs, que deveriam existir para facilitar a vida dos consumidores e garantir seus direitos, mas os fatos mostram que eles não funcionam exatamente assim.

São numerosos os casos em que o consumidor é mal atendido por alguém do outro lado da linha dos serviços de atendimento ao consumidor – os conhecidos SACs – e, ainda que em alguns setores o serviço tenha melhorado, os problemas continuam. Lembro que, desde o dia 1º de dezembro de 2008, está em vigor o decreto 6.523 do presidente da República que regulamenta os SACs via atendimento telefônico das prestadoras de serviços regulados, tais como empresas de telefonia, de internet, de tevê a cabo, de planos de saúde, de aviação, de energia elétrica, financeiras, de seguros e de cartões de crédito, mas ainda assim não se conseguiu atingir um alto grau de excelência.

Pergunto: será que precisávamos de um decreto para que o consumidor pudesse ser melhor atendido nos SACs? A resposta é positiva, sem dúvida. Mas, faço outra pergunta a vocês leitores: depois da regulamentação, isto é, nos últimos 33 meses, vocês foram sempre bem atendidos nos SACs? Eu não fui. Aliás, nem eu, nem meus amigos, nem certamente centenas de pessoas. Com ou sem regulamentação, os SACs continuam sendo de má qualidade, quando não verdadeiros centros de desinformação e violação aos direitos dos consumidores.

Se o consumidor quer adquirir algo via telefone ou internet, é logo atendido, mas se pretende fazer um cancelamento ou uma desistência, passa por verdadeira via sacra. A primeira barreira é a quantidade de satisfações que é obrigado a dar ao atendente: não basta afirmar que se está exercendo o simples direito de desistir do negócio e pronto. Depois, é preciso cuidado em qualquer tipo de cancelamento, porque, às vezes, o atendente, para não tender ao consumidor, oferece algo em troca; por exemplo, algum serviço grátis ou algo similar e, após certo período de tempo, o consumidor que queria cair fora da relação estará pagando algo novo e terá de tentar outra vez fazer o cancelamento. É mesmo uma batalha.

E, como há algo sempre acontecendo com meu amigo Walter Ego ou sua família, lembro que a esposa dele, depois de ser enganada pelo televendas de seu canal de tevê a cabo, indignada, cancelou o serviço e migrou para uma concorrente. Na dúvida sobre os serviços que a nova rede lhe oferecia, ligou ao SAC e recebeu a informação de que adquirira certos canais. Dias depois, alguns canais foram bloqueados. Era só "degustação" por alguns dias, disseram. Mas, não haviam deixado isso claro. Ela acabou engolindo a indigestão, que lhe foi oferecida enganosamente.

Apesar de todo o dinheiro ganho pelas grandes corporações e também da incrível tecnologia de ponta dos tempos atuais, o consumidor continua tendo má acolhida nesses serviços de atendimento via telefone.

Lembro que o decreto regula não só questões de atendimento envolvendo informação, dúvida e reclamação do consumidor, como também de suspensão e cancelamento dos serviços contratados. Esses dois últimos aspectos são fundamentais porque, como parte dos telefonemas dos consumidores é para cancelar o contrato, então, como disse acima, o fornecedor faz de tudo para impedir que a solicitação se concretize, o que viola abertamente o direito instituído. É mais uma prova de que a mentalidade de muitos empresários que atuam no país ainda está dezenas de anos atrasada.

Então, como a modernidade capitalista de respeito ao consumidor não chega ao Brasil, uma das saídas é legislar, criando regras para que o fornecedor se atualize forçosamente.

A boa notícia é que nem todo abuso tem ficado impune. O Poder Judiciário tem sido acionado por causa de falhas nesse tipo de serviço e tem dado sua contribuição para dar um "empurrão" no setor. São várias as condenações judiciais mandando pagar indenizações por danos morais causados ao consumidor. Vejam algumas.

O E. Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, condenou uma companhia telefônica a pagar R$25.000,00 de indenização por danos morais causados pela falha do atendimento desse serviço telefônico. O consumidor cancelara a assinatura, pondo fim à relação estabelecida com a operadora. No entanto, apesar disso, continuou recebendo faturas com cobrança nos meses seguintes. O consumidor voltou a ligar, desta vez reclamando, mas não adiantou. A cobrança ilegal prosseguiu. Ele, então, desistiu do SAC e mandou uma carta, mas não adiantou. A emissão das faturas e as cobranças continuavam. O consumidor, sem alternativa, entrou com ação judicial requerendo que o juiz determinasse que a empresa telefônica parasse com a cobrança. O Juiz marcou audiência e nesta, o advogado da empresa se comprometeu a mandar cessar a cobrança abusiva. Mas, por incrível que pareça, a cobrança ainda prosseguiu por mais quatro meses.

Num outro caso, o mesmo E. Tribunal mandou a companhia telefônica devolver ao consumidor o valor que ele havia pago por ligações feitas de seu aparelho celular que fora roubado no exterior. Logo depois desse incidente, o consumidor tentou, em diversas oportunidades, contatar a empresa pelo SAC para avisar do roubo e pedir o bloqueio do aparelho. Não conseguiu. O aviso só foi dado três dias depois, mas ainda assim a operadora cobrou indevidamente o valor lançado na fatura das ligações feitas pelo ladrão.

E num outro processo, também envolvendo operadora de telefonia, o E. TJ/SP condenou a empresa a pagar R$25.000,00 por danos morais causados por cobrança abusiva e ilegal. O drama do consumidor nesse caso teve início já na aquisição das linhas. Ele adquiriu duas, uma para si e outra para a namorada. Mas, uma das linhas não foi cadastrada na promoção oferecida pela operadora. Conclusão: começou a sina de cobranças abusivas e ligações sem fim ao SAC. No início, o consumidor coagido e com medo de ser negativado nos serviços de proteção ao crédito, pagou as faturas, apesar do valor indevidamente cobrado. E, em seguida, tentou receber de volta a quantia paga, via SAC. Não obtendo sucesso e cansado, num certo mês, não pagou e teve a linha cortada. Foi obrigado a recorrer ao Judiciário para ver sanado o abuso.

Por fim, numa outra ação judicial ainda o mesmo E. Tribunal de Justiça condenou a empresa a pagar R$15.000,00 por danos morais causados a uma consumidora, estudante universitária. Ela, sem dinheiro, atrasou o pagamento de duas contas telefônicas. A linha foi cortada. Depois disso, ela pagou as faturas com todos os acréscimos exigidos, mas o pessoal do SAC disse que para a religação ela teria de pagar uma outra conta que ainda iria vencer. Ela insistiu e mostrou o absurdo de exigirem o pagamento antecipado da conta e disse que precisava da linha para pode usar a internet, pois tinha de entregar um trabalho escolar, mas não lhe foi dada nenhuma atenção. Ela ficou sem a linha até chegar o dia do vencimento da conta futura e só depois desse outro pagamento é que a mesma foi reconectada.

São muitos os casos parecidos e certamente há dezenas, centenas de consumidores lesados que não foram ao Judiciário. O que chama atenção, é que não era para ser assim. Das duas uma: há má-fé das empresas que preferem continuar abusando, porque talvez isso traga alguma vantagem financeira (o lucro compensa a perda) ou a competência administrativa demonstrada na oferta (com marketing e publicidade de primeira, tecnologia de ponta, etc.) não chega ao setor de suporte e atendimento.

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Colunista

Rizzatto Nunes é desembargador aposentado do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor. Para acompanhar seu conteúdo nas redes sociais: Instagram: @rizzattonunes, YouTube: @RizzattoNunes-2024, e TikTok: @rizzattonunes4.