Processo Disciplinar no Sistema OAB e atualidades jurídicas

Efeitos da suspensão do advogado e a prática de crime - Parte IV - Responsabilidade civil

O último ponto a se abordar nesse estudo é a clara responsabilidade civil do advogado, em relação a seu cliente, por danos causados em função de invalidação de seus atos, porquanto advogando enquanto suspenso.

27/9/2024

O último ponto a se abordar nesse estudo é a clara responsabilidade civil do advogado, em relação a seu cliente, por danos causados em função de invalidação de seus atos, porquanto advogando enquanto suspenso.

Antes, todavia, cumpre relembrar que a relação entre advogado e cliente não é de consumo. O acórdão paradigma abaixo, do Colendo STJ, já tem mais de uma década desde sua produção, mas ainda é o condutor da posição jurisprudencial no país: 

RECURSO ESPECIAL. SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. CONTRATO. NÃO INCIDÊNCIA DO CDC. DEFICIÊNCIA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. NEGATIVA DE QUE FORA EFETIVAMENTE CONTRATADO PELO CLIENTE. DANOS MORAIS. CARACTERIZAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

1.- As relações contratuais entre clientes e advogados são regidas pelo Estatuto da OAB, aprovado pela Lei n. 8.906/94, a elas não se aplicando o Código de Defesa do Consumidor. Precedentes.

2.- A convicção a que chegou o Tribunal de origem quanto ao nexo de causalidade entre a conduta do advogado que negou que fora contratado e recebera procuração do cliente para a propositura de ação de cobrança e os danos morais suportados por esse decorreu da análise do conjunto fático-probatório, e o acolhimento da pretensão recursal demandaria o reexame do mencionado suporte, obstando a admissibilidade do especial à luz da Súmula 7 desta Corte.

3.- Sendo a ação de indenização fundada no direito comum, regular a aplicação do art. 177 do Código Civil, incidindo a prescrição vintenária, pois o dano moral, na presente hipótese, tem caráter de indenização, de reparação de danos e pela regra de transição (art.2.028 do Novo Código Civil) há de ser aplicado o novo prazo de prescrição, previsto no art. 206, § 3º, IV do mesmo diploma legal.

4.- Recurso Especial improvido.

(REsp n. 1.228.104/PR, relator Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 15/3/2012, DJe de 10/4/2012.) 

Desta forma, eventual direito indenizatório será regulado pela lei Federal 8.906/94 (EAOAB), pelas normas administrativas do sistema OAB e pelo Código Civil, artigos 186 e 927. 

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.   

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. 

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. 

O EAOAB estabelece que: 

Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa. 

Pois bem, como já explicamos em artigo anterior (clique aqui para ler) a sanção disciplinar de suspensão retira do advogado toda sua capacidade postulatória, além de suas prerrogativas. Exatamente por essa razão, estabelece o artigo 4º do EAOAB que: 

Art. 4º São nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita na OAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas.

Parágrafo único. São também nulos os atos praticados por advogado impedido - no âmbito do impedimento - suspenso, licenciado ou que passar a exercer atividade incompatível com a advocacia. 

Vê-se, pois, que, uma vez peticionando enquanto suspenso e sendo o fato descoberto por uma das partes do processo, os atos do advogado naquele feito serão considerados nulos de pleno direito. A questão já foi vista e revista por Tribunais de todo o país, especialmente porque impõe prejuízo a terceiro que desconhecia a situação, o cliente. Nada obstante, ainda prevalece o entendimento de que ausente a capacidade postulatória do advogado, o ato será nulo. Assim, por exemplo, eventual recurso assinado por advogado suspenso, não será conhecido.

O assunto já chegou ao STF, que pacificou a matéria com o seguinte entendimento: 

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO INTERPOSTO POR ADVOGADO COM A INSCRIÇÃO SUSPENSA NA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. AUSÊNCIA DE CAPACIDADE POSTULATÓRIA. NÃO CONHECIMENTO. ILEGALIDADE FLAGRANTE. INOCORRÊNCIA. PACIENTE CONDENADO PELO DELITO DE RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. REGIME INICIAL ABERTO. IMPOSSIBILIDADE. NULIDADE NA SESSÃO DE JULGAMENTO DO WRIT MANEJADO NO STJ. INEXISTÊNCIA. RECURSO NÃO CONHECIDO. I – O advogado que subscreveu a petição de interposição do recurso ordinário está com a inscrição suspensa na OAB/MG, não possuindo, portanto, capacidade postulatória para a prática do ato. II – Esta Corte entende que o recorrente deve possuir capacidade postulatória para interpor recurso ordinário em habeas corpus, ainda que tenha sido o impetrante originário, por tratar-se de ato privativo de advogado. III – Nos termos do art. 4º, parágrafo único do Estatuto da Advocacia e da OAB, são nulos os atos privativos de advogado praticados por aquele que esteja com a inscrição suspensa. IV – A fixação do regime inicial semiaberto parece estar devidamente justificada, nos termos do art. 33, § 2º, b, do CP. V – Não se verifica, de plano, a alegada nulidade na sessão de julgamento na qual foi apreciado o writ manejado em favor do ora recorrente no STJ, uma vez que o ato parece ter atendido aos ditames do Regimento Interno daquela Corte Superior. VI – Recurso ordinário não conhecido. (RHC 121722, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 20/05/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 03-10-2014 PUBLIC 06-10-2014) 

O entendimento se espalhou pelo país e hoje é amplamente aplicado: 

PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DO DEVEDOR. APELAÇÃO CÍVEL. NECESSIDADE DE RECONHECER DE OFÍCIO AUSÊNCIA DE UM DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS. FALTA DE PROCURAÇÃO. ADVOGADA COM INSCRIÇÃO SUSPENSA NA OAB. SUBSTABELECIMENTO INVÁLIDO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. REMESSA DE CÓPIA DOS AUTOS À OAB. RECURSO PREJUDICADO. Por se tratar de matéria de ordem pública deve ser reconhecida ex officio a ausência de um dos pressupostos processuais, no caso em tela a falta de capacidade postulatória para litigar em juízo. Isto porque, não existe procuração nos autos da advogada que subscreveu a petição inicial, além disso sua inscrição estava suspensa perante a OAB, o que torna todos os seus atos nulos. O juízo a quo, atendendo ao disposto no art. 13 do Código de Processo Civil, determinou à embargante que nomeasse outro patrono para a causa, todavia, esta quedou-se inerte, vindo a advogada a "substabelecer" poderes que não possuía. Assim, diante da ausência de capacidade postulatória, a extinção do processo sem resolução do mérito é medida que se impõe, com fulcro no art. 267, IV do Código de Processo Civil, restando prejudicado o presente apelo.

(TJPR - 15ª Câmara Cível - AC - Manoel Ribas. Rel.: DESEMBARGADOR FABIO HAICK DALLA VECCHIA - Unânime -  J. 11.07.2007) 

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL E PROCESSO CIVIL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS PARA PROPOSITURA E ACOMPANHAMENTO DE QUEIXA-CRIME. AÇÃO PENAL PRIVADA. ATIVIDADE MEIO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ADVOGADO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE AÇÃO. COMPROVAÇÃO DE CULPA. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE APLICÁVEL. DANO MATERIAL E DANO MORAL CONFIGURADOS. REDUÇÃO DO QUANTUM DA COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. PARCIAL PROVIMENTO. 1. O mandato é uma das formas de contrato previstas no Código Civil e impõe responsabilidade de natureza contratual do advogado perante os seus clientes (arts. 653 e 667 do CC). 2. A obrigação assumida por advogado para prestação de serviços jurídicos é de meio e não de resultado e sua responsabilidade civil é subjetiva, sendo imprescindível que o cliente descreva e comprove a culpa ou dolo do advogado no patrocínio de sua causa, a fim de alcançar a indenização pelos danos sofridos. 3. Para aplicação da teoria da perda de uma chance, no caso de responsabilidade de profissionais de advocacia por condutas apontadas como negligentes ou imperitas, a incerteza da vantagem não experimentada deve ser ponderada a partir de detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do postulante, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico. Embora isso não signifique que o advogado seja obrigado a garantir o sucesso da demanda, implica dizer que, no exercício do seu mister, o profissional deverá ser diligente, técnico, eficaz, comprometido com o êxito da demanda e procurar sempre buscar a melhor forma de solucioná-la, sem causar prejuízos ao mandante. 4. Se a decadência do direito de propositura de ação penal privada, com plausível possibilidade de êxito, decorreu exclusivamente dos graves e sucessivos equívocos cometidos pelos advogados contratados especificamente para esse fim, deve ser reconhecida a responsabilidade dos causídicos pelos danos materiais e morais causados à outorgante. 5. Deve ser reduzido o quantum arbitrado a título de compensação por danos morais quando o valor fixado se mostrar excessivo, diante das peculiaridades do caso concreto. 6. Recurso conhecido e parcialmente provido.
(Acórdão 1418741, 07114156620208070001, Relator(a): JOSAPHA FRANCISCO DOS SANTOS, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 4/5/2022, publicado no DJE: 11/5/2022. Pág.: Sem Página Cadastrada.) 

Nesses casos, claro, é inegável o prejuízo ao cliente, o que lhe pode ser fato gerador de indenização. Entretanto, se de um lado houve o prejuízo processual, de outro é impossível prever que sua tese, caso conhecida, fosse vitoriosa.

Para exemplificar, imagine que concurseiro seja impedido de ingressar na sala para prestar a prova do concurso por um atraso de um minuto, encontrando os portões fechados. Via processo judicial, posteriormente, acaba conseguindo provar que o relógio do fiscal de prova que fechou os portões estava adiantado em dois minutos, sendo reconhecida, assim, a ilicitude no ato que lhe impediu realizar a prova. Nesse exemplo, nunca se poderia afirmar que o candidato seria aprovado, todavia, é certo afirmar que perdeu a oportunidade naquela disputa. Aplica-se, então, em seu favor, o que se convencionou ser a teoria da perda de uma chance, de forma a poder ser indenizado em valor que o Judiciário, na análise do caso concreto, entender pertinente. 

No caso do advogado, da mesma forma, a questão também pode ser resolvida pela perda de uma chance, ou seja, não é certo que o cliente prejudicado ganharia a demanda que acabou não sendo conhecida em face da suspensão de seu advogado, todavia, é certo que por culpa do advogado não teve a oportunidade de ver sua questão discutida junto ao judiciário.

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Colunista

Antonio Alberto do Vale Cerqueira é advogado atuante do Direito Criminal e Administrativo Sancionatório, com especial experiência em processos disciplinares do sistema OAB, CNJ, CNMP e Administração Pública em geral. Conselheiro da OAB/DF. Presidente da Comissão de Seleção da OAB/DF 2010-2012. Presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/DF 2019-2021. Presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/DF 2022-2024. Membro de Comissões junto ao Conselho Federal da OAB. Procurador Geral da Anacrim 2019-2021. Corregedor Geral Nacional da Anacrim 2022-2024. Vice-presidente da Anacrim DF. Membro da Abracrim. Membro da ABA. Membro Fundador do IGP. Membro do IADF. Professor e palestrante. Instagram: @antonioalbertocerqueira