O pior e mais injusto labeling atribuído à OAB e aos Tribunais de Ética e Disciplina é a funesta ideia de conveniência em seus julgamentos, como se os órgãos de fiscalização e controle da Ordem dos Advogados do Brasil fossem redutos de políticas menores e convenientes.
Contrariamente, assim como ocorre no CNMP e no CNJ por exemplo, a OAB tem um fortíssimo sistema de controle de seus administrados, que ao longo do tempo e especialmente pelo fenômeno de multiplicação dos advogados, tem se tornado cada vez mais rígido.
É missão da Ordem dos Advogados do Brasil não perder controle sobre a advocacia, posicionando-se sempre como um farol guia para manutenção das boas práticas, da ética e da disciplina no exercício profissional, principalmente em face da importância e grandeza da profissão, bem definidas no artigo 133 da Constituição Federal de 19881.
A garantir essa qualidade na atuação, até pelo quanto disciplina do artigo 68 do EOAB2, têm aplicação no processo disciplinar da OAB todos os princípios de regência aplicáveis aos Juízes, com especial ênfase à imparcialidade e ao princípio do juiz natural decorrente do art. 5º, inciso XXXVII da Constituição Federal3.
Realizados os destaques sobre o eficaz sistema fiscalizatório punitivo da OAB, ganha importância e relevância a defesa técnica, onde a sustentação oral é ato essencial.
O ato de realizar a sustentação oral carrega importantes valores ao direito de defesa e ao direito público, pois é capaz de (a) aperfeiçoar o processo de adjudicação da causa, pela reflexão coletiva dos julgadores e oportunidade das partes explicarem pessoalmente suas versões sobre a defesa; (b) assegurar o direito de audiência (day in court) das partes, em decorrência da atenção pessoal dispensada pelos integrantes do colegiado votante à questão quando o advogado está presente a sustentar; (c) legitimar o julgamento recursal aos olhos da sociedade; e (d) educar as partes sobre os critérios decisórios dos julgadores, o que leva ao aumento da qualidade da litigância recursal a longo prazo4.
O STJ também ratifica o valor do ato à defesa, conforme se vê pela recente decisão no HC n. 666.179/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, citando decisão já firmada no Tribunal Cidadão pelo julgamento do HC 364.512/RJ ainda em 2017, esse com relatoria do Ministro Rogério Schietti Cruz:
HABEAS CORPUS ORIGINÁRIO. NULIDADE DA SESSÃO DE JULGAMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. NEGATIVA DE SUSTENTAÇÃO ORAL PERANTE O TRIBUNAL DE ORIGEM. NÃO ATENDIMENTO AO PEDIDO DE INSCRIÇÃO PARA SUSTENTAÇÃO ORAL FEITO 48 HORAS ANTES DA SESSÃO VIRTUAL DE JULGAMENTO. ORDEM CONCEDIDA.
1. Não há falar em habeas corpus substitutivo do recurso próprio quando o constrangimento ilegal apontado pelo impetrante teria sido praticado pelo próprio Tribunal de origem, ao negar o direito à sustentação oral defensiva no julgamento do recurso apelatório, o que possibilita a impetração do habeas corpus originário (art. 105, inciso I, alínea "c", da Constituição Federal de 1988).
2. Como é de conhecimento, o direito de sustentar oralmente constitui prerrogativa de essencial importância, cuja frustração afeta o princípio constitucional da amplitude de defesa (HC 364.512/RJ, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 15/12/2016, DJe de 6/2/2017).
3. Conforme o art. 5º, parágrafo único, da Resolução n. 314 do Conselho Nacional de Justiça, eventuais pedidos de inscrição prévia para sustentação oral podem ser feitos após a disponibilização da pauta na imprensa oficial, mediante requerimento a ser enviado, preferencialmente, com 72 horas de antecedência ao início da sessão, observado o limite de 24 horas que a antecederia.
4. Na hipótese, afigura-se ilegal a fundamentação da Corte local para negar ao advogado do paciente o direito de realizar sustentação oral, visto que, 48 horas antes do julgamento virtual da apelação, dentro, portanto, do prazo mínimo de 24 horas, o causídico enviou o seu pedido, no endereçamento correto (sj5.3.2@tjsp.jus.br), para sustentar oralmente, conforme o documento trazido à e-STJ fl. 9.
5. Ordem concedida para anular o julgamento do Apelação Criminal n. 0001132-39.2018.8.26.0624 para que outro seja proferido, dessa vez, com a sustentação oral da defesa, determinando, ainda, a revogação da custódia cautelar do paciente, com o restabelecimento do comando contido na sentença para que o réu possa recorrer em liberdade.
(HC n. 666.179/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 28/9/2021, DJe de 4/10/2021.)
Para além dos critérios técnicos a valorar a importância da sustentação oral, os anos de prática na Presidência do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/DF ensinaram que todos os julgamentos de processos disciplinares em órgãos colegiados têm um forte apelo emocional, pois aqueles que julgam estão decidindo o futuro de seus pares.
Na OAB não é diferente.
Embora impere no sistema OAB a correção nos julgamentos e a imparcialidade dos julgadores, vale lembrar que esse direito não é sinônimo de neutralidade. Como ensina CASARA, enquanto a imparcialidade do juiz é uma garantia do jurisdicionado; a neutralidade é impossível, um mito5.
No ponto, é inafastável assumir que a atuação do julgador sofrerá influências conscientes ou inconscientes por suas experiências pessoais e condicionantes internos, como valores e aprendizados ao longo da vida sobre os campos socioeconômicos, político-ideológicos, morais, estéticos, religiosos, vieses cognitivos e outros. De forma idêntica, influências externas, somadas às internas já citadas, também podem ser mecanismo influenciador de decisões, como ocorre com a pressão da mídia6.
Para melhor ilustrar vale o seguinte exemplo: um julgador do Tribunal de Ética, no passado, teria sido condenado à sanção disciplinar de suspensão por 60 (sessenta) dias pelo inciso XVII do artigo 34 do EAOAB7, pois supostamente influenciou seu cliente a erigir construção em área verde onde o ato era proibido. À época, em sua defesa, sustentou que nunca incentivou o cliente, mas, contrariamente, sempre o orientou sobre os riscos de referida ação. De nada adiantou e adveio a condenação, que sempre causou grande revolta e sentimento de indignação no profissional.
Agora, imagine que referido julgador é designado relator de um caso praticamente idêntico, onde o advogado representado sustenta tese análoga àquela que utilizou no passado em sua própria defesa. É de rigor assumir que inevitavelmente suas experiências passadas irão influenciar no julgamento, sem que com isso esteja impedido ou suspeito para o julgamento.
De igual forma, a Julgadora que já tenha sido vítima de violência doméstica terá uma visão diferente de um processo com esse mérito daquela de outro julgador, homem, ainda não desmascarado, que cometa esse triste ato de violência no silêncio de sua casa.
Estabelecido que imparcialidade não é neutralidade, advém o inexorável reconhecimento da importância da sustentação oral, que será o momento em que a parte que é julgada terá condição de expor suas razões de defesa a seus pares, julgadores e julgadoras, que também vivem em seu cotidiano as agruras e dificuldades da advocacia.
Assim e em conclusão, dentre os atos da defesa no processo disciplinar da OAB a sustentação oral é importantíssima, devendo sempre ser realizada por advogado da confiança do representado, apto à lida nos Tribunais de Ética e Disciplina e preparado para bem expor as teses resistivas.
*Se tiver dúvidas sobre o processo disciplinar na OAB ou quiser sugerir algum tema fale direto com o advogado. Acesse o perfil no Instagram: @antonioalbertocerqueira
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1 Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
2 Art. 68. Salvo disposição em contrário, aplicam-se subsidiariamente ao processo disciplinar as regras da legislação processual penal comum e, aos demais processos, as regras gerais do procedimento administrativo comum e da legislação processual civil, nessa ordem.
3 XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;
4 MALAN, Diogo. Disponível em https://www.conjur.com.br/2021-abr-07/diogo-malan-advocacia-criminal-arte-sustentacao-oral apud AMERICAN ACADEMY OF APPELLATE LAWYERS. Oral Argument Task Forte Report (2015)). Disponível aqui.
5 CASARA, Rubens R. R. Mitologia Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2015, p.144;
6 CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. DUARTE, Bernardo Augusto Ferreira. Além do Positivismo Jurídico. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2013, p. 165.
7 XVII - prestar concurso a clientes ou a terceiros para realização de ato contrário à lei ou destinado a fraudá-la.