Dentre as mais graves condutas disciplinares praticadas pelo advogado contra seus clientes estão o locupletamento previsto no artigo 34, inciso XX1 e a consequente ausência de prestação de contas, ainda mais grave, prevista no inciso XXI2, ambos da lei Federal 8.906/94.
Tecnicamente, o verbo locupletar-se do inciso não quer dizer apenas apropriar-se de dinheiro do cliente. Seria exemplo de locupletamento todo ato que violasse gravemente as regras negociais normais, como por exemplo cobrar honorários excessivamente altos e perenes de pessoa idosa e hipossuficiente técnica, como haver para si, a título de honorários, 40% do valor da aposentaria mensal da aposentada por atuação em causa dessa natureza.
Nada obstante, no dia a dia dos Tribunais de Ética, vê-se que praticamente todos os casos de locupletamento estão intimamente ligados a condutas que beiram ou alcançam o crime de apropriação indébita com aumento de pena por exercício da profissão, previsto no artigo 168, §1º, inciso III do Código Penal3.
Pois bem, em absolutamente todos os casos esse tipo de conduta é omitido da vítima, ou seja, do cliente, causando imediatamente e por consequência o também enquadramento da conduta lesiva no inciso XXI do artigo 34, pela ausência da prestação de contas. Ora, não se espera (e isso não ocorre) que um advogado retenha indevidamente do cliente o valor de seu alvará e confesse o crime.
No sistema OAB a conduta de não prestar contas prevista no inciso XXI pode importar em grave sanção disciplinar, que imponha, para além de uma potencial suspensão de trinta dias até doze meses, a manutenção dessa sanção até a satisfação integral da dívida, conforme artigo 37, §2º do EAOAB:
Art. 37. A suspensão é aplicável nos casos de:
I - infrações definidas nos incisos XVII a XXV do art. 34;
II - reincidência em infração disciplinar.
§ 1º A suspensão acarreta ao infrator a interdição do exercício profissional, em todo o território nacional, pelo prazo de trinta dias a doze meses, de acordo com os critérios de individualização previstos neste capítulo.
§ 2º Nas hipóteses dos incisos XXI e XXIII do art. 34, a suspensão perdura até que satisfaça integralmente a dívida, inclusive com correção monetária. (Vide RE 647885)
§ 3º Na hipótese do inciso XXIV do art. 34, a suspensão perdura até que preste novas provas de habilitação.
Da redação da norma repressiva vê-se que a suspensão só será levantada no caso de pagamento integral da dívida, com correção monetária.
Pois bem, embora a norma seja silente quanto à incidência dos juros de mora, é importantíssimo destacar seu cabimento, haja vista sua indissociabilidade da ideia de valores devidos, ainda mais quando ligados ao locupletamento do advogado.
Nesse sentido, por força do artigo 684 do EAOAB, já que não há vedação no sistema OAB para a cobrança dos juros de mora, é imediatamente aplicável a regra do artigo 4065 do Código Civil, que, ligada ao artigo 161, §1º6 do Código Tributário Nacional, impõe a fixação dos juros de mora em 1% ao mês.
É esse, também, o entendimento do Conselho Federal da OAB:
Recurso ao Conselho Federal. Locupletamento. Levantamento de valores de alvará. Repasse de valor em percentual superior a 30%, sem contrato escrito, fazendo-se compensação referente a outros processos, de modo não autorizado pelo cliente. Inteligência do art. 35, caput, e 35, § 2º do Código de Ética e Disciplina. 1) Advogado que recebe valores constantes de alvará judicial e não repassa imediatamente os valores destinados a seu cliente, havendo controvérsia quanto ao percentual descontado e recusando-se o cliente a receber, comete a infração disciplinar prevista no art. 34, inciso XX, da Lei nº 8.906/94. (...) 3) Juros e correção monetária incidirão sobre os valores devidos e não pagos, a teor do art. 37, § 2º do Estatuto, sendo os juros o consectário decorrente da mora. 4) Dosimetria da pena que não merece alteração, por força do atraso na prestação de contas e na ausência de devolução dos valores devidos e não pactuados com o cliente, já revistos na instância de base. Recursos conhecidos, mas improvidos. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da 3ª Turma da Segunda Câmara do CFOAB, observado o quorum exigido no art. 92 do Regulamento Geral, por unanimidade, em acolher o voto da relatora, parte integrante deste, conhecendo e negando provimento aos recursos. Brasília, 2 de dezembro de 2014. Renato da Costa Figueira, Presidente. Valéria Lauande Carvalho Costa, Relatora. (RECURSO N. 49.0000.2014.006372-3/SCA-TT, EMENTA N. 151/2014/SCA-TTU. Relatora: Conselheira Federal Valéria Lauande Carvalho Costa (MA), DOU, S.1, 10.12.2014, p. 180/182).
Reiterada retenção indevida de valores do cliente, enseja suspensão do exercício profissional pelo prazo de doze meses cumulada com multa no valor correspondente a 6 (seis) anuidades, face as circunstâncias agravantes, perdurando a suspensão até a data do efetivo repasse à Recorrida do valor retido acrescido de juros de mora e correção monetária. Inteligência dos arts. 34, XXI c/c 37, I e II e § 2º c/c 39, todos da Lei 8.906/94. ACÓRDÃO: Vistos, examinados e relatados os presentes autos, acordam os integrantes da 1ª Turma da Segunda Câmara do Conselho Federal, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso para manter a decisão recorrida pelos seus próprios fundamentos. Brasília. 08 de dezembro de 2007. Romeu Felipe Bacellar Filho. Presidente "ad hoc" da 1ª Turma da Segunda Câmara. Reginaldo Santos Furtado. Relator. (RECURSO Nº 2007.08.03222-05/1ª Turma – SCA, EMENTA Nº 113/2007/1ªTSCA, Relator: Conselheiro Federal Reginaldo Santos Furtado (PI). DJ, 20.12.2007, p. 41, S1)
O início da incidência dos juros será a data do evento danoso pela aplicação da Súmula 54 do STJ, haja vista que a responsabilidade in casu é extracontratual.
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1 XX - locupletar-se, por qualquer forma, à custa do cliente ou da parte adversa, por si ou interposta pessoa;
2 XXI - recusar-se, injustificadamente, a prestar contas ao cliente de quantias recebidas dele ou de terceiros por conta dele;
3 Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. § 1º - A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa: (...) III - em razão de ofício, emprego ou profissão.
4 Art. 68. Salvo disposição em contrário, aplicam-se subsidiariamente ao processo disciplinar as regras da legislação processual penal comum e, aos demais processos, as regras gerais do procedimento administrativo comum e da legislação processual civil, nessa ordem.
5 Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
6 Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária. § 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.