Processo Disciplinar no Sistema OAB e atualidades jurídicas

Mudança na contagem do prazo do processo disciplinar da OAB - Revogação tácita do artigo 139 do regulamento geral da OAB

No processo disciplinar da OAB o prazo era contado a partir recepção da correspondência de notificação, com aviso de recebimento, conforme antiga redação do artigo 69, §1º da lei Federal 8.906/94.

24/2/2023

No processo disciplinar da OAB o prazo era contado a partir recepção da correspondência de notificação, com aviso de recebimento, conforme antiga redação do artigo 69, §1º da lei Federal 8.906/94:

Art. 69. Todos os prazos necessários à manifestação de advogados, estagiários e terceiros, nos processos em geral da OAB, são de quinze dias, inclusive para interposição de recursos.

§ 1º Nos casos de comunicação por ofício reservado, ou de notificação pessoal, o prazo se conta a partir do dia útil imediato ao da notificação do recebimento.

No mesmo sentido estabelece o Regulamento Geral da OAB acerca da contagem do prazo recursal:

Art. 139. O prazo para qualquer recurso é de quinze dias, contados do primeiro dia útil seguinte, seja da publicação da decisão na imprensa oficial, seja da data do recebimento da notificação, anotada pela Secretaria do órgão da OAB ou pelo agente dos Correios.

Pois bem, a lei 14.365/2022 alterou a regra do §1º do artigo 69 do EAOAB, cuja atual redação é a seguinte:

§ 1º Nos casos de comunicação por ofício reservado ou de notificação pessoal, considera-se dia do começo do prazo o primeiro dia útil imediato ao da juntada aos autos do respectivo aviso de recebimento.

Como se vê, a alteração legislativa tem natureza de novatio legis in melius, pois majorou o prazo de defesa, cujo dia de início, agora, não é mais a data posterior ao recebimento da notificação, mas o dia posterior à sua juntada aos autos, alinhando-se, assim, à redação do artigo 231, inciso I do Código de Processo Civil1.

Como se trata de norma processual, não há se falar em sua retroatividade, vigorando o princípio tempus regit actum na forma do quanto prescreve o artigo 2º do Código de Processo Penal2, emprestado de forma supletiva ao processo disciplinar da OAB pelo artigo 68 do EAOAB3.

Embora o prazo tenha sido mantido na quinzena legal, é fácil concluir que o lapso temporal agora é muito maior, haja vista que dependerá da eficiência dos correios devolverem à OAB o aviso de recebimento devidamente cumprido, o que antes não ocorria. Aliás, é bem comum que o AR sequer retorne.  

É normal no dia a dia dos Tribunais de Ética e Disciplina da OAB que defesas cheguem aos autos muito antes dos AR's, exatamente em face da exagerada demora dos correios para essa devolução. Também não é incomum o AR de notificação do advogado representado chegar aos autos com o processo em avançado estágio, já na fase de instrução.

A nova redação soluciona um recorrente problema processual que era resolvido com base na aplicação do princípio da ampla defesa, a resposta intempestiva. Muitas vezes, a parte representada fazia juntar sua defesa ainda sem qualquer notícia do AR nos autos. Dias depois, até meses em alguns casos, com a chegada do documento ao processo, verificava-se que a resposta havia sido protocolizada de forma intempestiva, exatamente porque o prazo havia se iniciado a partir do dia útil imediato ao da notificação do recebimento, nos termos do revogado §1º do artigo 69 do EAOAB. Nesses casos, claro, admitia-se a defesa, pois de qualquer forma o feito seria encaminhado a Defensor Dativo, na forma do artigo 73, §4º também do Estatuto4, todavia, por óbvio, trata-se de fonte de insegurança jurídica.

Com a nova redação esse problema acabou.

Agora, entretanto, outro problema nascerá, mais grave que o de outrora, pois agora importará em real prejuízo à defesa.

Com a nova redação, o advogado deve ser muito mais diligente, haja vista não existir previsão legal para que o TED alerte o advogado sobre o início do prazo, ou seja, sobre o momento em que o Tribunal recebe o AR dos correios e realiza sua juntada ao processo. Já se antevê muitos colegas perdendo o prazo para a defesa, exatamente porque lhes faltará o cuidado e a necessária diligência para acompanhar esse momento.

Assim, se na situação anterior não havia prejuízo da defesa intempestiva, porque o TED só tomava conhecimento do dia de início do prazo quando o AR era juntado, agora, uma vez perdido o prazo, o processo avançará para a defesa dativa, estabelecendo-se prejuízo processual à defesa não passível de invalidação.

Sugere-se como melhor estratégia à parte representada que o benefício adjetivo criado pela novatio seja desconsiderado para fins de apresentação da resposta, continuando aquele que deve se defender a contar o prazo do dies a quo do recebimento da correspondência.

Vale também ponderar a revogação tácita parcial do artigo 139 do Regulamento Geral da OAB no trecho "da data do recebimento da notificação", pois aqui deve-se adotar a norma mais favorável à defesa, ou seja, há uma sobreposição normativa do quanto prescreve a nova redação do §1º do artigo 69 da Lei 8.906/94, do quanto está previsto no Regulamento Geral da OAB.

Isso posto, nas raras ocasiões em que existir notificação por correspondência via AR para apresentação de recurso, pois atualmente é preponderante a intimação pelo DEOAB, o início do prazo recursal deverá ser contabilizado a partir da juntada do AR aos autos.

*Fale com o advogado e envie suas dúvidas e temas que gostaria de ver por aqui. (Clique aqui)

__________

1 Art. 231. Salvo disposição em sentido diverso, considera-se dia do começo do prazo: I - a data de juntada aos autos do aviso de recebimento, quando a citação ou a intimação for pelo correio;

2 Art. 2º A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.

3 Art. 68. Salvo disposição em contrário, aplicam-se subsidiariamente ao processo disciplinar as regras da legislação processual penal comum e, aos demais processos, as regras gerais do procedimento administrativo comum e da legislação processual civil, nessa ordem.

4 Art. 73. Recebida a representação, o Presidente deve designar relator, a quem compete a instrução do processo e o oferecimento de parecer preliminar a ser submetido ao Tribunal de Ética e Disciplina. (...) § 4º Se o representado não for encontrado, ou for revel, o Presidente do Conselho ou da Subseção deve designar-lhe defensor dativo.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunista

Antonio Alberto do Vale Cerqueira é advogado atuante do Direito Criminal e Administrativo Sancionatório, com especial experiência em processos disciplinares do sistema OAB, CNJ, CNMP e Administração Pública em geral. Conselheiro da OAB/DF. Presidente da Comissão de Seleção da OAB/DF 2010-2012. Presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/DF 2019-2021. Presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/DF 2022-2024. Membro de Comissões junto ao Conselho Federal da OAB. Procurador Geral da Anacrim 2019-2021. Corregedor Geral Nacional da Anacrim 2022-2024. Vice-presidente da Anacrim DF. Membro da Abracrim. Membro da ABA. Membro Fundador do IGP. Membro do IADF. Professor e palestrante. Instagram: @antonioalbertocerqueira