É antigo o pleito da advocacia quanto à posição topográfica dos atores do processo nas audiências, visto que, em regra, o Magistrado e o Membro do Ministério Público sempre estiveram acima das partes e dos advogados, esse à direita daquele, revelando, simbolicamente, uma maior hierarquia frente à advocacia, o que contrariava diretamente o quanto disposto no caput do artigo 6º da Lei 8.906/941.
No dia 28/12/2022 foi publicada a Lei n.º 14.508/2022, com o seguinte teor:
Art. 1º Esta Lei altera o art. 6º da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, que “Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)”, para estabelecer normas sobre a posição topográfica dos advogados durante as audiências de instrução e julgamento realizadas no Poder Judiciário.
Art. 2º O art. 6º da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, passa a vigorar acrescido do seguinte § 2º, numerando-se o atual parágrafo único como § 1º:
“Art.6º
§1º
§ 2º Durante as audiências de instrução e julgamento realizadas no Poder Judiciário, nos procedimentos de jurisdição contenciosa ou voluntária, os advogados do autor e do requerido devem permanecer no mesmo plano topográfico e em posição equidistante em relação ao magistrado que as presidir.” (NR)
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Como se vê, o parágrafo único foi substituído pelo §1º, sem alteração de sua redação2; e foi inserido o §2º, que determina alteração na posição dos Magistrados em audiência, que agora devem permanecer no mesmo plano topográfico dos advogados e esses na mesma distância em relação ao Juiz.
Na prática, já se respeitava a equidistância em ações não penais, pois os advogados das partes se sentavam na mesma distância em relação ao Juiz, todavia, a alteração do local de assento do Magistrado, de um plano superior para a mesma altura, é de absoluta relevância.
O simbolismo que tais alterações irão representar é importantíssimo ao bom e regular desenvolvimento da aplicação do direito, haja vista que vêm a ratificar o quanto já era disposto na Lei Federal, cuja redação do artigo 6º caput data do texto legislativo original, ou seja, de 1994. Foram 28 (vinte e oito) anos até a almejada reforma.
A nova redação do EAOAB deve também influenciar na posição em audiência do membro do Ministério Público, que tem como prerrogativa, à luz do quanto determina o inciso XI do artigo 41 da Lei Orgânica do MP3 e o artigo 18, inciso I, alínea “a” da Lei Complementar n.º 75/19934, assento do lado direito do Juiz.
O Conselho Federal da OAB discutiu a constitucionalidade de referido dispositivo perante o STF na ADI n.º 4.768, pois ao estabelecer que o lugar do Membro do Parquet é sempre “à direita” dos Magistrados, ao menos no processo penal, não só garante que a acusação tenha assento mais próximo, mas também que se sente no mesmo plano topográfico, violando, assim, a paridade de armas que é corolário dos princípios da isonomia, da igualdade, do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa, todos encampados no artigo 5º do texto constitucional, pois entender-se-ia nesse caso o MP como parte do processo.
Os pedidos da ADI foram jugados improcedentes, ratificando-se, portanto, a constitucionalidade da prerrogativa ministerial, ainda que com votos divergentes dos Ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, que entenderam, com as peculiaridades de seus votos, que no processo penal o Ministério Público se distancia do papel de fiscal da Lei, para assumir caraterística de parte acusatória do processo, até porque indiscutivelmente abandona a parcialidade.
Com a nova redação legal, todavia, resolve-se em parte a questão, pois estando o Magistrado no mesmo plano topográfico que o advogado, obviamente isso implicará também na descida do Membro do Ministério Público para o mesmo plano físico de atuação da defesa.
Nada obstante, quanto à ideia de que o Ministério Público seria parte no processo penal, e, portanto, sua situação estaria abarcada – por analogia – no trecho legal que declara que as partes devem ficar em posição equidistante em relação ao magistrado, obrigando assim o Parquet a tomar assento na mesma distância do Juiz que a parte ré, não deve prosperar.
Foi essa exata discussão um dos temas nucleares da mencionada ADI, prevalecendo a ideia de que ainda que no papel acusatório o MP tem função de Estado, daí a prerrogativa.
Esse entendimento, respeitosamente, é equivocado, tendo mais acerto a antiga e clássica posição de Carnelutti: “De fato os juristas dizem que o juiz é supraparte: por isso ele está no alto e o acusado embaixo, sob ele; um na jaula, o outro sobre a cátedra. Semelhantemente o defensor está embaixo, em cotejo com o juiz; ao invés, o ministério público, ele está ao lado. Isto constitui um erro, que com uma maior compreensão em tomo da mecânica do processo terminará por se corrigir. Entretanto, também ele, o juiz, é um homem e, se é um homem, é também uma parte. Esta, de ser ao mesmo tempo parte e não parte, é a contradição, na qual o conceito do juiz se agita”5.
Assim, em conclusão, a alteração legal no EAOAB, Lei 8.906/94, é importantíssima para a advocacia e para o direito de defesa, pois vem ratificar a mais valia da redação do artigo 6º da norma, no sentido de diminuir o abismo legal existente – de forma empírica – entre o Estado/Juiz e aquele que se defende.
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1 Art. 6º Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos.
2 Parágrafo único. As autoridades e os servidores públicos dos Poderes da República, os serventuários da Justiça e os membros do Ministério Público devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho, preservando e resguardando, de ofício, a imagem, a reputação e a integridade do advogado nos termos desta Lei.
3 Art. 41. Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, além de outras previstas na Lei Orgânica: XI - tomar assento à direita dos Juízes de primeira instância ou do Presidente do Tribunal, Câmara ou Turma.
4 Art. 18. São prerrogativas dos membros do Ministério Público da União: I - institucionais: a) sentar-se no mesmo plano e imediatamente à direita dos juízes singulares ou presidentes dos órgãos judiciários perante os quais oficiem;
5 CARNELUTTI, Francesco. As misérias do Processo Penal, tradução José Antonio Cardinalli. 2015, ed. São Paulo, Servanda. p. 26