Processo Disciplinar no Sistema OAB e atualidades jurídicas

Competência no processo ético-disciplinar na OAB – Parte 1

Nos dias de hoje a figura do correspondente jurídico, do advogado dos Tribunais Regionais Federais e de Tribunais Superiores, se torna, do ponto de vista ordinário, cada vez mais específica.

11/11/2022

As muitas mudanças na sociedade atual, especialmente nas redes sociais e processo eletrônico, nacionalizaram a atuação do advogado.

Nos dias de hoje a figura do correspondente jurídico, do advogado dos Tribunais Regionais Federais e de Tribunais Superiores, se torna, do ponto de vista ordinário, cada vez mais específica, haja vista que os despachos, distribuição de memoriais, sustentação oral, vista dos autos, extração de cópias, peticionamento e muitos outros são atos que passaram a integrar o processo eletrônico latu sensu.

No ponto, vale ainda frisar que após a pandemia da COVID-19, vivemos também a normalização de audiências e sessões de julgamento on line por sistemas de vídeo conferência, o que também afasta o advogado do fórum comum, lançando referidos atos no ambiente virtual.

Nada obstante a decisão aprovada no dia 8/11/22 na 359ª Sessão Ordinária do CNJ – Conselho Nacional da Justiça para o retorno das atividades dos Tribunais na forma presencial, o fato é que os procedimentos virtuais vieram para ficar.

Lado outro, o desenvolvimento do uso das redes sociais para fomento da carreira jurídica da advocacia e o advento do provimento 205/21 da OAB, que trata especificamente da publicidade do advogado, da mesma forma, trouxeram um novo universo na atuação profissional e nos atos que podem ser espectro de infrações disciplinares.

A partir dessas constatações, além de outras do cotidiano do processo disciplinar no sistema OAB, surgem importantes questões quanto à competência legal para julgamento, por exemplo, advogado que realiza publicidade irregular com veiculação de anúncio com oferta de descontos em honorários em todo o território nacional. O advogado contrata o anúncio em São Paulo, todavia, é representado perante a OAB/BA por outro colega que visualizou a publicidade na Bahia. De quem é a competência para julgamento? Advogado com OAB do Maranhão é flagrado tentando repassar drogas a seu cliente preso em presídio no Distrito Federal, notícia veiculada amplamente pela mídia. Caso de suspensão preventiva do artigo 70, §3º da Lei Federal 8.906/94. De quem é a competência para julgamento, da OAB na qual o advogado tem sua inscrição ou a do local do fato? Competência para julgamento de suspensão preventiva de Presidente de Subseção, a competência é do Conselho Pleno Seccional pelo quanto prescreve o artigo 58, §6º do Código de Ética e Disciplina ou também do Conselho Pleno? Processo de revisão disciplinar, a competência será sempre do Tribunal de Ética e Disciplina? Ofensas em grupo nacional do aplicativo whatsapp, de quem é a competência?

São muitas as questões.

Conforme já mencionamos em outros escritos, o processo disciplinar no sistema OAB é regulamentado por uma série de dispositivos que têm início na Lei Federal 8.906/94, passam pelo Regulamento Geral da OAB, pelo Código de Ética e Disciplina, Regimentos Internos das Seccionais e Regimentos Internos dos Tribunais de Ética e Disciplina. Trata-se, pois, de um verdadeiro micro ordenamento jurídico, que tratou de criar um sistema processual completo para o processo disciplinar na OAB.

Assim sendo, pode-se dizer que a riqueza de suas normas importa em total autonomia à legislação processual penal e civil, todavia, em suas lacunas, poder-se-á utilizar como fonte legal referidas normas adjetivas, conforme prescreve o artigo 68 da lei 8.906/94: “aplicam-se subsidiariamente ao processo disciplinar as regras da legislação processual penal comum e, aos demais processos, as regras gerais do procedimento administrativo comum e da legislação processual civil, nessa ordem”.

A primeira autoridade competente para conhecer da representação é o Presidente do Conselho Seccional, na forma do artigo 56 do Código de Ética e Disciplina. Essa competência, todavia, pode ser deslocada ao Tribunal de Ética, conforme o parágrafo único: “Nas Seccionais cujos Regimentos Internos atribuírem competência ao Tribunal de Ética e Disciplina para instaurar o processo ético disciplinar, a representação poderá ser dirigida ao seu Presidente ou será a este encaminhada por qualquer dos dirigentes referidos no caput deste artigo que a houver recebido”

Uma das mais importantes competências do processo disciplinar da OAB é aquela de organização funcional dos órgãos da OAB, especialmente a que cria a Comissão de Admissibilidade e permite seu deslocamento para a estrutura dos Tribunais de Ética e Disciplinar, conforme explicamos em artigo anterior (clique aqui para acessar).

A resolução n.º 02/2015 da OAB, conhecida como Código de Ética e Disciplina, disciplinou em seu artigo 58, §7º a possibilidade dos Conselhos Seccionais instituírem as Comissões de Admissibilidade no âmbito dos Tribunais de Ética e Disciplina para “análise prévia dos pressupostos de admissibilidade das representações ético-disciplinares”, o que é ideal para se manter a imparcialidade de tais decisões, haja vista que o TED é, por sua própria natureza, órgão isento e imparcial, diferente do Presidência da Seccional, onde claramente reside conflito de interesses político.

Quanto à competência para processar, a regra geral é que o advogado responderá por seus atos perante o Conselho Seccional onde foram realizados e não aquele que comporta a inscrição originária, conforme artigo 70 da Lei Federal 8.906/94: “Art. 70. O poder de punir disciplinarmente os inscritos na OAB compete exclusivamente ao Conselho Seccional em cuja base territorial tenha ocorrido a infração, salvo se a falta for cometida perante o Conselho Federal”.

Essa competência, todavia, é alterada quando a infração ocorrer no âmbito do Conselho Federal, que terá a competência para julgamento in casu.

Outra exceção à regra do artigo 70 é aquela estabelecida pelo foro por prerrogativa de função, conforme artigo 58, §5º do Código de Ética e Disciplina: “§ 5º A representação contra membros do Conselho Federal e Presidentes de Conselhos Seccionais é processada e julgada pelo Conselho Federal, sendo competente a Segunda Câmara reunida em sessão plenária. A representação contra membros da diretoria do Conselho Federal, Membros Honorários Vitalícios e detentores da Medalha Rui Barbosa será processada e julgada pelo Conselho Federal, sendo competente o Conselho Pleno.” Assim, a competência para processar o Presidente da Seccional, os Conselheiros e Diretores Federais e as outras autoridades citadas, é do Conselho Federal.

O foro por prerrogativa de função também se aplica no âmbito das Seccionais. A competência para processar os dirigentes de Subseções é do Conselho Seccional e não dos Tribunais de Ética, ainda que por delegação, conforme §6º do mesmo artigo 58: “§ 6º A representação contra dirigente de Subseção é processada e julgada pelo Conselho Seccional”.

No ponto vale destacar a imprecisão na norma com o uso da expressão “dirigente”, pois deixa grave dúvida sobre sua abrangência, ou seja, se estaria o texto legal estabelecendo o foro por prerrogativa de função apenas à figura do Presidente da Subseção ou se referida garantia também seria extensível à diretoria. A questão foi resolvida pelo Conselho Federal na Consulta n.º 49.0000.2019.004170-3/OEP, assim respondida: “Consulta. Art. 58, § 6º, Código de Ética e Disciplina da OAB. Representação contra dirigente. Abrangência do termo dirigente. Consulente: Ricardo Breier - Presidente do Conselho Seccional da OAB/Rio Grande do Sul - Gestão 2019/2021. Consulta. Subseção. Abrangência do termo dirigente para os fins do artigo 58, § 6º, do Código de Ética e Disciplina. Dirigentes da Subseção são os integrantes da sua Diretoria, é dizer, o Presidente, o Vice-Presidente, o Secretário-Geral, o Secretário-Geral Adjunto e o Tesoureiro. Inteligência dos artigos 60, § 2º, 59 e 55 da Lei nº 8.906/94, em referência aos artigos 98 ‘usque’ 104 do Regulamento Geral. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros do Órgão Especial do Conselho Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quorum exigido no art. 92 do Regulamento Geral, por maioria, em responder à consulta, nos termos do voto do Relator” (Brasília, 25 de novembro de 2020. Relator: Conselheiro Federal Guilherme Octávio Batochio (SP). EMENTA N. 065/2020/OEP. (DEOAB, a. 2, n. 494, 10.12.2020, p. 4).

À regra geral, ainda existe a exceção do pedido de revisão previsto no artigo 73, §5º da Lei Federal 8.906/94, medida análoga à revisão criminal e cabível quando no acórdão ético-disciplinar transitado em julgado existir erro de julgamento ou condenação baseada em falsa prova, valendo a menção que a expressão erro de julgamento contempla também decisões contrárias ao ordenamento jurídico pátrio, assim como aos normativos da OAB1.

Para o pedido de revisão a competência será sempre do órgão de onde emanou a condenação final, conforme prescreve o artigo 68, §2º do Código de Ética e Disciplina: “§ 2º A competência para processar e julgar o processo de revisão é do órgão de que emanou a condenação final”.

Aqui, novamente, grande imprecisão da norma, que deixa dúvida se eventual acórdão em sede de recurso que mantém a condenação do a quo seria considerando como “condenação final”.

A dúvida é agravada quando se analisa, por exemplo, a recentíssima Súmula 13/2022/OEP do Conselho Federal da OAB, que estabelece o seguinte: “Interrompem a prescrição as decisões do Conselho Federal da OAB que inadmitam recursos interpostos contra acórdão condenatório ou mantenham a sua inadmissibilidade por ausência de violação à Lei n. 8.906/94, ausência de contrariedade à decisão do Conselho Federal ou de outro Conselho Seccional e, ainda, ausência de violação ao Regulamento Geral, ao Código de Ética e Disciplina e aos Provimentos (art. 75, da Lei 8.906/94), por ostentarem caráter condenatório, nos termos do art. 43, § 2º, II, do Estatuto da Advocacia e da OAB”.

Da mesma forma, o tema 1.100 proferido pelo STJ sob o rito dos recursos repetitivos que estabelece que o acórdão que confirma sentença penal condenatória também interrompe a prescrição.

Sobre o tema já se manifestou a doutrina, conforme escólio de Marcus Vinicius Furtado Coelho: “O órgão competente para julgá-la é aquele que emanou da decisão final (art. 68, § 2º). É uma hipótese de competência funcional, ao presumir-se que esse órgão tem maior capacidade para reconsiderar sua própria decisão, se for o caso. Veja, porém, que a competência é do órgão que decidiu, por último, o mérito. Caso o representado recorra e seu recurso sequer seja conhecido, por ausência de pressupostos formais, a competência permanece do órgão a quo. Se for o Conselho Federal o último a decidir sobre o mérito da questão, o CED já direciona a revisão para o Plenário da Segunda Câmara (art. 68, § 3º)”2.

Embora com a nota sobre a imprecisão legal da norma, entendemos exatamente conforme o nobre Jurista. Ora, se o pedido de revisão pede exatamente que o órgão revisite os temas que já foram objeto de apreciação, não faria sentido estabelecer a competência a órgão superior que não houvesse se debruçado sobre a matéria.

Vale chamar a atenção que a competência será atraída ao órgão que analisar a matéria, ainda que mantenha o decisum recorrido. Nesse sentido, por exemplo, se recurso agitado ao Conselho Federal contra acórdão do Pleno da Seccional foi conhecido e, no mérito, não providos seus pedidos, mantendo-se a condenação na forma imposta pelo “a quo”, será do CFOAB a competência para o julgamento da revisão.

Ainda temos o procedimento da reabilitação, conforme previsão legal no artigo 41 da lei 8.906/94: “Art. 41. É permitido ao que tenha sofrido qualquer sanção disciplinar requerer, um ano após seu cumprimento, a reabilitação, em face de provas efetivas de bom comportamento” e 69 do Código de Ética e Disciplina da OAB.

A competência é estabelecida pelo 69, §1º: “§ 1º A competência para processar e julgar o pedido de reabilitação é do Conselho Seccional em que tenha sido aplicada a sanção disciplinar. Nos casos de competência originária do Conselho Federal, perante este tramitará o pedido de reabilitação”.

*Fale com o advogado e envie suas dúvidas e temas que gostaria de ver por aqui. (Clique aqui)

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1 CONSELHO FEDERAL DA OAB, Manual de Procedimentos do processo ético-disciplinar, Segunda Parte, item 28, “e”, p. 17;

2 COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado, Comentários ao Novo Código de Ética dos Advogados. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 77;

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Colunista

Antonio Alberto do Vale Cerqueira é advogado atuante do Direito Criminal e Administrativo Sancionatório, com especial experiência em processos disciplinares do sistema OAB, CNJ, CNMP e Administração Pública em geral. Conselheiro da OAB/DF. Presidente da Comissão de Seleção da OAB/DF 2010-2012. Presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/DF 2019-2021. Presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/DF 2022-2024. Membro de Comissões junto ao Conselho Federal da OAB. Procurador Geral da Anacrim 2019-2021. Corregedor Geral Nacional da Anacrim 2022-2024. Vice-presidente da Anacrim DF. Membro da Abracrim. Membro da ABA. Membro Fundador do IGP. Membro do IADF. Professor e palestrante. Instagram: @antonioalbertocerqueira