O sistema OAB contém ampla e vasta legislação que trata de praticamente todos os temas afetos à profissão do advogado, a seu comportamento profissional e nas suas relações com clientes, com as autoridades e em sua vida em sociedade, estabelecendo obrigações, deveres, direitos, posturas e muito mais.
Esse micro-ordenamento jurídico, para além de encontrar escora em normas Federais, como é o caso da Constituição e da lei 8.906/94, também possui suas próprias normas materiais e processuais para exercer funções regulatórias, incluindo um poderoso sistema punitivo que é manejado nos tribunais de ética e disciplina das seccionais, ponto de interesse deste artigo.
O processo ético-disciplinar contra advogado na OAB pode ter início via de representação realizada por uma parte, por um colega advogado ou por uma autoridade, como um delegado de polícia, um membro do MP ou um magistrado; ou ainda de ofício pela OAB por qualquer de seus membros, pelo próprio Tribunal de Ética e Disciplina ou por suas comissões, com destaque para as de Fiscalização da Atividade da Advocacia. Essa regulamentação decorre do art. 55 do código de ética e disciplina da OAB ou CED, resolução 2/15 do Conselho Federal. Assim, se a Comissão da Mulher Advogada tem conhecimento de que determinado advogado é um agressor de mulheres, pode perfeitamente realizar representação ao Tribunal de Ética e Disciplina, apontando o enquadramento de referida conduta na norma repressora do art. 34, incisos XXV, XXVII e XXVIII da 8.906/94.
Embora formalmente a representação deva ser formulada ao Presidente Nacional da OAB, aos presidentes das seccionais, aos presidentes das subseções ou dos Tribunais de Ética e Disciplina a depender da competência para julgamento, na prática basta ao interessado comunicar o fato à OAB que tomará todas as providências necessárias à apuração do fato.
Ao receber a representação, tem início a fase da admissibilidade do processo disciplinar nos termos do art. 58, §4º do Código de Ética e Disciplina, onde a autoridade competente realiza análise do conjunto probatório que já consta dos autos e, com base nesse conteúdo, determina o arquivamento da representação ou a instauração do processo ético disciplinar, inaugurando, aí sim, a fase do administrative law sanctioning, onde a OAB passará a cogitar a aplicação de pena administrativa ao representado, assegurando-lhe o contraditório e o direito à ampla defesa.
Como o ato de instauração do processo disciplinar tem grande influência na vida do advogado e dos seus, como, por exemplo, do escritório de advocacia onde trabalha, entendemos haver conflito de interesse na manutenção do poder de arquivamento liminar pelo Presidente eleito, revestindo-se de maior imparcialidade que a decisão caiba ao órgão correcional da OAB, o que, inclusive, foi objeto de alteração no CED, com a inclusão do §7º à redação do art. 58 pela resolução 4/16 do Conselho Federal da OAB que agregou à competência dos Tribunais de Ética as Comissões de Admissibilidade, in verbis: “§ 7º Os Conselhos Seccionais poderão instituir Comissões de Admissibilidade no âmbito dos Tribunais de Ética e Disciplina, compostas por seus membros ou por Conselheiros Seccionais, com atribuição de análise prévia dos pressupostos de admissibilidade das representações ético-disciplinares, podendo propor seu arquivamento liminar”.
Embora nessa fase pré-processual não esteja presente o amplo direito de defesa com todas as provas a ele inerentes, entendemos respeitar os princípios da celeridade e eficiência que o relator faculte à parte representada o acesso aos autos e manifestação em sede de esclarecimentos preliminares. Muitas vezes, o mero estabelecimento do contraditório é capaz de aclarar determinada situação ao relator que em vez de instaurar um longo processo disciplinar, pode antecipadamente entender pelo arquivamento do feito.
Cumpre destacar não caber à OAB o papel de aprimoramento da peça de acusação ou a produção de provas em qualquer fase da persecução disciplinar, haja vista que, assim atuando, estará anexando à sua competência de julgadora, também a de acusadora, o que é absolutamente inaceitável no direito repressivo. Nesse sentido, caso a representação não reúna os requisitos do art. 57 do CED para avançar, seu destino deve ser o arquivamento, ou seja, a representação deve conter minimamente a identificação das partes representadas, seu endereço, a narração dos fatos que motivam a representação e vir acompanhada de todos os documentos capazes de provar os fatos objetos da representação, caso existam.
Aqui, todavia, cabem duas exceções: caso a parte representante seja um particular e padeça, claramente, de hipossuficiência técnica, não sendo capaz de elaborar uma representação com os requisitos do art. 57 do CED e destinada ao arquivamento, deve o relator da fase de admissibilidade permitir a emenda à inicial, ainda indicando o que falta à peça de ingresso para que suas alegações possam ser conhecidas. Seria o exemplo de pessoa idosa e muito simples, de parca leitura, que acabou lesada por advogado que recebeu valores para propositura de uma ação e quedou-se inerte, locupletando-se com a quantia. São casos que infelizmente chegam todos os dias à OAB, que não pode padecer imparcial diante de tais injustiças.
Esse dever da OAB decorre da função social da instituição, assim como do papel constitucional do advogado, que é essencial à administração da Justiça na forma do art. 133 da CF/88. Seria, assim, um contrassenso que a OAB permitisse a advogado se locupletar de qualquer pessoa nessas condições ou outras análogas.
A segunda exceção é quando o relator da admissibilidade agir em benefício da defesa. Imagine-se, assim, que o advogado é representado por violação do art. 34, inciso XV da lei Federal 8.906/94, porque em defesa de seu cliente imputou à parte ex adversa a prática de crime. Instado à apresentação de seus esclarecimentos preliminares em sede de admissibilidade, o advogado afirma que as imputações que realizou na peça objeto da representação lhe foram narradas por seu cliente e com sua autorização, todavia, deixa de juntar à sua defesa a procuração com tais poderes, documento capaz de lhe absolver imediatamente do quanto é acusado. Ao relator, é perfeitamente possível intimar o representado à juntada da procuração especial, que implicará no arquivamento do feito, evitando assim o constrangimento de todo o processo disciplinar.
Desta forma e em conclusão, o arquivamento da representação na fase da admissibilidade e sem a instauração do processo ético-disciplinar é importantíssimo ao advogado, porque além de lhe evitar o natural constrangimento e os riscos do processo disciplinar, ainda não causa qualquer mácula em seus assentamentos, que remanescem sem registros, não podendo o arquivamento sequer ser considerado como mau antecedente para fins do art. 40, parágrafo único da lei 8.906/94.