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Nova lei contra a violência: como combater os retrocessos com avanços

A mulher espera ansiosa os poucos dias que a separa do reconhecimento de seus direitos enquanto pessoa, de sua dignidade e do respeito aos Direitos Humanos fundamentais. Estamos falando da Lei 11.340/2006, ou já conhecida como Lei Maria da Penha. Tal nomenclatura se deve ao fato do Brasil ter sido o primeiro País condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Por advento das denúncias proferidas pela prática de violência doméstica contra Maria da Penha Maia Fernandes que culminaram com um tiro desferido por seu marido, enquanto ela dormia lhe "presenteando" com uma paraplegia irreversível.

sexta-feira, 22 de setembro de 2006

Atualizado em 18 de setembro de 2006 14:25


Nova lei contra a violência: como combater os retrocessos com avanços

 

Antonio Baptista Gonçalves*

A mulher espera ansiosa os poucos dias que a separa do reconhecimento de seus direitos enquanto pessoa, de sua dignidade e do respeito aos Direitos Humanos fundamentais.

 

Estamos falando da Lei 11.340/2006 (clique aqui), ou já conhecida como Lei Maria da Penha. Tal nomenclatura se deve ao fato do Brasil ter sido o primeiro País condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Por advento das denúncias proferidas pela prática de violência doméstica contra Maria da Penha Maia Fernandes que culminaram com um tiro desferido por seu marido, enquanto ela dormia lhe "presenteando" com uma paraplegia irreversível.

 

Ao agressor o que aconteceu? Depois de mais vinte anos finalmente houve a condenação de Heridia Viveros em setembro de 2002. Beneficiado pelo regime prisional brasileiro o infrator cumpriu, em regime fechado, menos de um terço da pena de dez anos de prisão.

 

Não é novidade alguma o descaso com que as autoridades brasileiras tratavam a questão da violência doméstica. E exemplos é que não faltam, o mais recente foi a esposa do ator Kadu Moliterno na Revista de maior circulação nacional com um olho roxo sob o título: ele sempre me bateu. O tema foi tratado até no horário nobre na novela Mulheres Apaixonadas. Providências: nenhuma. Afinal, o que se pode espera de um país que consagrou o jargão "em briga de marido e mulher não se mete a colher"?

 

2006 representa um marco para a mulher. A balança da justiça parece que vai ter um equilíbrio. A relação de agressão e punição tão banalizada finalmente será coibida. Até 22 de setembro aos praticantes de violência doméstica restará usufruir do procedimento responsável pela banalização da violência doméstica, qual seja, a possibilidade de transação penal prevista pelo artigo 89 da Lei 9.099/95 (clique aqui).

 

Em pouco mais de dez anos os Juizados Especiais Criminais avocaram a competência para os casos de violência doméstica, e o resultado foi o mais danoso possível para a mulher.

 

A competência foi definida através do artigo 129, §9° do Código Penal Brasileiro que prevê pena máxima não inferior a dois anos (redação da Lei dos Juizados Especiais Federais de 2001). Nesses casos é possível a comutação da pena de detenção pela transação penal, ou seja, o pagamento de multa.

 

Devido aos problemas estruturais da nação os Juizes optaram que o dinheiro que deveria ser pago pelo infrator deveria ser convertido no pagamento de cestas básicas a serem entregues a entidades carentes. Eis o surgimento das mal fadadas cestas básicas como pagamento de violência doméstica. 

 

Através dos artigos 17 e 44 da Lei 11.340/06, a competência para os crimes de violência doméstica não poderá mais ser dos Juizados visto que a pena foi aumentada para três anos.

 

E justamente ao tirar a competência dos Juizados Especiais o legislador causou o maior desastre legislativo por uma questão simplista: prevê a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, que enquanto não existirem serão substituídos na relação processual pelas varas criminais.

 

Eis o grande problema. O artigo 33 prevê a competência às varas criminais para questões tanto criminais quanto cíveis. Além disso, determina em seu parágrafo único o direito de preferência sobre as ações de violência doméstica em relação às demais.

 

Neste caso temos um grande perigo, a se ver obrigado a atender primeiramente os processos de violência doméstica o Juiz poderá abrir uma grande brecha no que tange a prescrição dos demais processos.

 

Ademais temos de citar também o completo desconhecimento do legislador em formular tal alternativa, porque como ficará o recurso de uma ação cível advinda de violência domestica? Será encaminhada a esfera criminal? O legislador foi completamente silente.

 

Como o leitor pode perceber é fácil encontrar imprecisões legislativas que poderiam inviabilizar a aplicabilidade da própria legislação. Entretanto, este não é a nossa pretensão. Louvamos a iniciativa, ainda que forçada do legislador, em assegurar uma efetiva proteção à mulher, ou seja, vamos demonstrar onde se encontram os avanços. 

 

Um dos grandes avanços da nova lei é a previsão expressa de que a mulher deve estar acompanhada de um advogado em todos os atos processuais (art. 27). Assim haverá informação e consciência dos atos praticados por ela ao longo do processo.

 

Outras conquistas foram a reafirmação dos Direitos e garantias individuais da mulher no artigo 3°, bem como a proteção à mulher agredida por outra mulher (relações homossexuais previstas no art. 5°, parágrafo único). Apesar de ser silente quanto à violência doméstica contra os homens.

 

Uma grande melhoria foi a devolução de poder à autoridade policial que agora poderá investigar, fazer inquirições ao agressor, à vítima culminando com um inquérito policial que deverá ser apreciado pelo Juiz em até 48 horas (em caso de medidas de urgência).

 

O escopo da Lei é a formação e conscientização do agressor numa nítida consciência que o legado de agressões somente deixara de existir com o transcurso do próprio tempo. Sem, contudo, se fazer ausente, pois prevê a implementação de disciplinas curriculares de Direitos Humanos e de combate à violência doméstica (art. 8°, IX).

 

Além disso, prevê a formação de programas de recuperação e reeducação do agressor (art. 45). Com isso prevê a mantenedura da unidade familiar e a redução de novos casos.

 

A lei contém um grande problema, dentre outros, que é a competência. Então para que não percamos as inovações trazidas acima, enquanto não forem criados os Juizados próprios, que os Juizados Especiais Cíveis e Criminais mudem sua nomenclatura para Juizados Especiais e de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

 

Para tanto é preciso aproveitar toda a estrutura dos Juizados que abrangem quase todo o território nacional. O que se faz pungente é um programa de reciclagem e reeducação dos Magistrados para abolirem o vício da transação e tratarem as mulheres com as garantias que lhe são devidas. 

 

Mas, como em todas as leis feitas às pressas caberá à jurisprudência e à doutrina produzirem material para suprir as lacunas existentes na lei. Desprezar os progressos que a lei contém é admitir um retrocesso que a mulher não pode admitir muito menos os operadores do direito.

 

Este é um novo começo e a maior conquista será da mulher. Viva Maria da Penha!

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*Advogado, membro da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB/SP







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