Mulheres desprestigiadas
Desastroso o fim da novela que, ao invés de apaixonadas, mostrou mulheres em várias situações de discriminação e desrespeito, em situações de submissão e inferioridade, impotentes e coniventes com os clichês de violência e impunidade.
terça-feira, 14 de outubro de 2003
Atualizado às 07:13
Mulheres desprestigiadas
Maria Berenice Dias*
Desastroso o fim da novela que, ao invés de apaixonadas, mostrou mulheres em várias situações de discriminação e desrespeito, em situações de submissão e inferioridade, impotentes e coniventes com os clichês de violência e impunidade.
Se não, vejamos.
Mulheres solteiras não conseguem encontrar em si mesmas um ponto de equilíbrio. Uma delas, ainda que uma educadora bem sucedida profissionalmente, joga-se ao vício do alcoolismo, só controlado quando encontrou um par. Já outra, acintosamente, não parou de insinuar-se a um vizinho, contando com a conivência de sua mãe, e não se intimidando sequer com a presença da esposa. Esta, corroída por um ciúme doentio, se desequilibra, manifestando instintos suicidas e homicidas. Acaba por ser internada em uma clínica psiquiátrica e perde o marido para a vizinha.
Nem a figura da avó escapou, pois se revelou perversa e agressiva com a pobre neta órfã, que tem visões paranormais da mãe exemplar que lhe concedia excelente padrão de vida dedicando-se à prostituição e foi vítima de uma bala perdida.
Mas a situação degradante das mulheres foi além. Um médico pretensioso, vaidoso e intolerante, foi disputado durante toda a novela por três mulheres, sendo uma enteada da outra, as quais a ele se ofereciam de forma lasciva. Venceu a que foi cúmplice da infidelidade do doutor durante o casamento.
Fora tudo isso, nos pares em que as mulheres eram mais velhas do que os homens, estes pertenciam a classes sociais inferiores e possuíam precário nível de instrução, procurando mostrar a incapacidade de uma mulher madura ser alvo do amor de um homem de seu status social e cultural.
Ainda bem, que desta vez as lésbicas não foram incendiadas. Entretanto, não trocaram nenhuma carícia. O único beijo aconteceu quando uma delas representava o papel de um homem e que estava morto, ou seja, um carinho heterossexual e não correspondido.
No plano das instituições, lastimável o total desprestígio da Justiça. A solução para o problema da violência doméstica - só denunciada quando foram agredidas outras pessoas - foi a morte do agressor. Mas a vítima também foi punida, pois seu namorado adolescente morreu, deixando-lhe como consolo um filho em suas entranhas.
No último capítulo, a cena mais deplorável foi a surra que o pai infligiu à filha a submetendo a vexatória exposição em seu local de trabalho. Como depois ela aparece beijando os avós, aos quais sempre agrediu, acabou chancelada a violência intrafamiliar como o melhor método educacional.
Quem entra em todos os lares precisa ser mais responsável. Imperioso, que a mídia tenha consciência de seu compromisso social, não podendo deixar de assumir como verdadeira missão ser um veículo de resgate da cidadania.
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*Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS e Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família.
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