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Porandubas Políticas

Por dentro da política.

Gaudêncio Torquato
quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Porandubas nº 867

Abro a coluna com uma historinha de Tancredo Neves, que mostra a índole matreira do grande político das Minas Gerais. Um disfarçado sorriso No segundo semestre de 1984, como chefe do Departamento de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Cásper Líbero, coordenei um debate com os presidenciáveis Tancredo Neves e Paulo Maluf. Eram candidatos à presidência em eleição indireta, que ocorreria em 15 de janeiro de 1985, quando Tancredo venceu Maluf com 480 contra 180 votos e 26 abstenções. Salão nobre do Teatro Gazeta, enorme, lotado. Tancredo veio primeiro. Aplaudido de pé após um debate que terminou por volta de 23h. Por sugestão do banqueiro e ex-prefeito de São Paulo, Olavo Setúbal, fomos (pequeno grupo de professores) jantar com ele no elegante restaurante-pub de Geraldo Alonso, o famoso publicitário, o Santo Colomba, na rua Padre João Manoel. Sentei-me ao lado dele. Puxei conversa. Falamos de política. "Gaudêncio, de onde você é?", indagou. Observara o sotaque. Respondi: "Sou do RN". A conversa girou então sobre Dinarte Mariz, Aluízio Alves, Djalma Marinho, os Rosados etc. O vinho bom descia suave. De repente, no meio de animado papo, Tancredo fecha os olhos e abre um leve bocejo. Nem houve aviso prévio. Fiquei preocupado. Será que a conversa está chata? Setúbal, sentado na nossa frente, com sua voz de barítono, pisca o olho e avisa, sabendo que ele iria ouvir: - Professor, não se incomode. É assim mesmo. Quando ele quer ir embora, não fala. Simplesmente, inventa que está dormindo. Mas era visível seu cansaço. Olhei de leve para nosso ex-primeiro-ministro e confesso ter observado um disfarçado sorriso nos lábios. Setúbal pagou a conta e saímos. Felizes por termos participado de um histórico encontro com a matreirice mineira. Mais uma de Tancredo. Conchavo Premido pelos casuísmos, Tancredo Neves foi obrigado a fundir o seu PP com o MDB de Itamar. Alguns pepistas pularam do barco e protestaram alegando conchavo. Tancredo foi curto e seco: "Conchavo é a identificação de ideias divergentes formando ideias convergentes." Tinha razão. Muitas curvas desembocam em retas. Parte I O mundo com Trump A vitória de Donald Trump nos EUA causou uma borrasca no oceano da política. O empresário do universo do divertissement operou um quase milagre: volta ao Salão Oval da Casa Branca depois de obter vitória no voto popular e na votação que lhe garantiu laçar a vitória, inclusive em todos os sete Estados-pêndulo. Virou um político de mão cheia. Desde os tempos de George Bush, pai, há mais de 20 anos, o partido republicano não alcançava tão retumbante vitória. O outsider da política transforma-se no dirigente mais poderoso da maior democracia ocidental. Um quase milagre. O quase fica por conta da tese de que na política, tudo é possível. Deportação Trump, nesses dias, reafirmou seu compromisso de campanha: realizar uma megaoperação de deportação em massa de imigrantes ilegais, que são alguns milhões dos 11 milhões de imigrantes nos EUA. Escolheu já o czar das fronteiras, um linha dura, que já executou a tarefa de deportar imigrantes ilegais no primeiro governo Trump, chegando a separar famílias. Novos rumos O fato é que o dono do império Trump abre novos rumos na democracia americana, puxando valores do passado para a vida cotidiana, inaugurando novas veredas e até atropelando o ordenamento institucional, formado pelos pais fundadores da Nação. Donald tem um estilo rompante. E, agora, com o domínio das casas congressuais, se imagina um ser que pode tudo. Mesmo o que se considera, hoje, impossível. Adaptação Os países da constelação ocidental já procuram adaptar seus sistemas para conviver, com certa harmonia, com o trumpismo. Os Estados da constelação asiática olham, curiosos, para além dos horizontes. Uma nova economia emergirá, com novos eixos. Uma nova maneira de pensar e fazer a política está sendo concebida. O Salão Oval vai se encher de ultra-radicais do conservadorismo e amigos leais. Aos amigos, a partir de Elon Musk, tudo. Aos inimigos, a mão pesada do poder. A família Trump estará cercado por um grupo familiar: filhos(as), genros e outros. Um círculo fechado. Uma barreira intransponível para penetras. E o Brasil, hein? O país terá relações institucionais com os EUA. A amizade que Lula construiu com Obama dará adeus. O pragmatismo ditará as formas de relacionamento. Trump não gosta de Lula e vice-versa. Sob esse pano de fundo, Bolsonaro tentará usar seus canais de relacionamento com o presidente americano, que já o convidou para a posse em 20 de janeiro. Irá? Esse escriba não aposta nessa possibilidade. O STF não lhe dará guarida. Seu passaporte está retido. O que Trump poderá fazer? Proibir a entrada do ministro Alexandre de Moraes nos EUA? Também não acredito nisso. Parte II Raspando o tacho Abro a segunda parte com uma recorrente lembrança sobre o ethos brasileiro. Quatro tipos de sociedade - Há quatro tipos de sociedade no planeta: 1. a inglesa, liberal, onde tudo é permitido, exceto o que é proibido; 2. a alemã, rígida, onde tudo é proibido, exceto o que for permitido; 3. a ditatorial (Coréia do Norte), fechada, onde tudo é proibido mesmo o que for permitido; e 4. a brasileira, onde tudo é permitido mesmo o que for proibido. - Pois bem, por causa dessa extrema liberalidade, do desrespeito às leis e implantação de um estado de anomia, a paisagem nacional é propícia para ruptura da norma. As pessoas costumam praticar pequenos delitos, ponte para os médios e grandes ilícitos, donde emerge o conceito de "país da impunidade". - O PCC não tem receio de mostrar a cara. O assassinato de um empresário-delator no aeroporto de Cumbica é o exemplo de que o poder informal corrói o tecido institucional, desmoralizando o Poder do Estado brasileiro. Tarcísio de Freitas - O governador de São Paulo emagreceu 10 kg, de olho no Palácio do Planalto, para onde pensa em entrar nos tempos vindouros. Lula - Vai cortar gastos, atendendo aos conselhos de Fernando Haddad, ou vai deixar o orçamento como está, preservando os recursos dos programas sociais, como defendem a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, e sua ala? - Lula foi liberado para viajar. Deve rearrumar sua agenda internacional, logo, logo. Para alegria dos assessores que apreciam um passeio. Alcolumbre - O senador do Amapá deverá ser o próximo presidente do Senado, substituindo o mineiro Rodrigo Pacheco. Favas contadas. Motta - O deputado paraibano Hugo Motta deverá ser o próximo presidente da Câmara. Favas contadas. As metades - Numa noite, às vésperas de 24 de agosto de 1954, quando se matou, Getúlio Vargas conversava, desalentado, desencantado, com José Américo de Almeida, seu ministro da Viação. Confessa: - Impossível governar este país. Os homens de verdadeiro espírito público vão escasseando cada vez mais. - Presidente, e o que é que o senhor acha dos homens de seu governo? - A metade não é capaz de nada e a outra metade é capaz de tudo. Fecho a coluna com o monsenhor Aristides, de Minas. Mata o bicho O monsenhor Aristides Rocha, mineirinho astuto, fazia política no velho PSD e odiava udenistas. Ainda jovem, monsenhor foi celebrar missa em uma paróquia onde o sacristão apreciava boa aguardente. Um dia, o sacristão, seguindo o ritual, sobe o degrau do altar com a pequena bandeja e as garrafinhas de vinho e água, e não vê uma pequena barata circulando entre as peças do altar. Monsenhor interrompe o seu latim e, de olho na bandeja, diz baixinho ao sacristão: - Mata o bicho... O sacristão não entende a ordem. Atônito, fica olhando para o jovem padre, que repete a ordem, agora com mais energia: - Mata o bicho, sô! Ordem dada, ordem executada. O sacristão não se faz de rogado. Diante dos fiéis que lotavam a capela, ele pegou a garrafinha e, num gole só, sorveu todo o vinho da santa missa. No interior de Minas, "matar o bicho" é dar uma boa bebericada. (Do livro de Zé Abelha, A Mineirice).
quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Porandubas nº 866

Abro a coluna com um frio aperto de mão. O frio aperto de mão O deputado baiano mandou cartão de Natal para uma mulher que morrera há muito tempo. A família, irritada, retribuiu: "Prezado amigo, embora jamais o tenha conhecido durante os meus 78 anos de vida terrena, daqui de além-túmulo, onde me encontro, agradeço o seu gentil cartão de boas festas, esperando encontrá-lo muito em breve nestes páramos celestiais para um frio aperto de mão. Purgatório, Natal de 2005." O deputado recebeu a resposta. E espera, angustiado e insone, pelo aperto de mão. Parte I - As eleições nos EUA A alma da América Há 193 anos, em abril de 1831, Alexis de Tocqueville e seu amigo Gustavo Beaumont embarcaram no Havre (França) com destino aos EUA. Os dois jovens magistrados se investiam de uma missão de exame sobre as instituições penitenciárias americanas. Cumpriram a tarefa. Tocqueville produziu o clássico "A Democracia Americana", onde pontuava sobre a alma norte-americana: "existe um amor à pátria que tem a sua fonte principal naquele sentimento irrefletido, desinteressado e indefinível que liga o coração do homem aos lugares onde o homem nasceu. Confunde-se esse amor instintivo com o gosto pelos costumes antigos, com o respeito aos mais velhos e a lembrança do passado; aqueles que o experimentam estimam o seu país com o amor que se tem à casa paterna". O desencanto Hoje, espraia-se por todos os lados o desencanto. A desesperança. O país que elege, neste 5 de novembro (esta coluna foi escrita ontem), seu presidente, está coberto por uma camada de ódio, violência e medo. Pergunta-se: que amor à Pátria pode existir em espíritos tomados pelo pavor, pela violência de tiros à esmo, por conflitos raciais, por ter um candidato misógino, racista, disposto a exportar para fora das fronteiras americanas milhões de imigrantes? Que espírito público pode vingar no seio da população, quando a conflituosidade se expande, dividindo espaços de poder, de forma egocêntrica e ignominiosa? O lamento de Bolívar Volta à ordem do dia o lamento de Simon Bolívar, o grande timoneiro, quando, um dia, retratou a sofrida América Latina: "não há boa-fé na América, nem entre os homens nem entre as Nações; os tratados são papéis, as constituições não passam de livros, as eleições são batalhas, a liberdade é anarquia e a vida um tormento. A única coisa que se pode fazer na América é emigrar". Pois bem, o que hoje se pode esperar é uma espada sobre a cabeça dos emigrantes. Emigrar foi a opção de milhares de pessoas de muitas regiões que escolheram os EUA para viver. Hoje, muitos pensam em retornar à casa sob o medo de um troglodita no comando da Nação. A saudade telúrica Não basta, contudo, emigrar ou fazer o caminho de volta. O planeta vive uma era de dissonâncias. Guerras explodem em algumas regiões do mundo. Os povos olham para os céus e não encontram faróis. As multidões sonham em recuperar velhos sinais antigos de bem-estar. O gosto suave de passear pelas ruas, andar à noite, conversar com os vizinhos, buscar o calor da convivência comunitária, reforçando os vínculos de solidariedade, destruídos pela explosão populacional das grandes cidades e pela deterioração das infraestruturas de serviços. A violência irrompe nos grandes centros, chegando até nas médias e pequenas cidades, empurrada pelo fluxo centrífugo de bandos incontroláveis que os governos não conseguem deter. As desigualdades A chama telúrica se apaga com o violento sopro da inchação das metrópoles e o crescimento desordenado das margens sociais. Os governos se tornam entes incapazes de dar soluções imediatas às demandas. O blá blá blá se expande. Os horizontes ficam sombrios. As desigualdades atacam as classes sociais, abrindo imensos grotões de miséria. Tristes tempos. Enfeites cosméticos Os territórios ganham traços e enfeites cosméticos. A imagem parece a de um jogo de futebol com a melhor bola da FIFA, os uniformes mais bonitos. Mas o campo está esburacado. Até os jogadores exibem sua "moderna" estética nas cabeças trabalhadas por tesouras que fazem veredas no cabelo. As pinturas no cabelo chamam a atenção. Um colorido extravagante comprova que os jogos de futebol passaram a ser desfiles mambembes de cabeças ocupadas pela nova arte de cortar cabelo, tronco e membros tomados pela tatuagem. Frases de poesia bicuda e demônios é o que não faltam. Há figuras que mais parecem um festival de assombração. O estado de degradação Não é a toa que consumidores, a toda hora, reclamam da eficiência dos serviços públicos, tocados por burocracias lentas e paquidérmicas, quadros funcionais ineptos e desmotivados. Cresce o número de reclamações, explodem as denúncias sobre negligências, malhas de corrupção, jogos de interesses. E mais uma vez chegamos no futebol: jogadores são suspeitos de integrar a máfia das apostas. Jogos comprados. Jogador fazendo corpo mole. Ninguém apaga o passado impunemente A infelicidade grassa na casa de milhões de aposentados, submetidos à vergonha das imensas filas, ao rigor das frias burocracias, para não se falar dos proventos indignos que pingam em suas contas. E o pior é que temos um sistema previdenciário na beira da falência. Um país que trata mal os contingentes que deixaram o mercado de trabalho, em função de uma merecida aposentadoria, quer apagar seu passado. E ninguém passa uma borracha no passado sem pagar o preço de comprometer as vigas do futuro. Pois que geração forte se quer forjar, quando já não se respeitam os mais velhos? Um Estado protetor No mais, aqui, ali e acolá, os cidadãos querem ter um Estado protetor e não viver sob o manto de um Estado usurpador. É o discurso que se ouviu nos EUA ao correr da campanha eleitoral. É o discurso que se ouve ali na esquina. O Estado brasileiro dá medo. Está longe de assumir a figura do pai, que acolhe de braços abertos os filhos. São dezenas de impostos, encargos e contribuições. Reforma tributária? É para inglês ver. Os aumentos de combustíveis, vez ou outra, atacam os consumidores. E a Petrobras continua distribuindo altos dividendos a seus donos. No mais, o velho bordão: - O mundo gira e a Lusitana roda. Parte II Raspando o tacho... - Lula fez mal em anunciar publicamente sua torcida por Kamala Harris. E se o desembestado Donald Trump ganhar? - Bolsonaro fez um vídeo dando apoio a Trump, que deve ter ganhado com esse apoio uns 20 milhões de votos... - Lula faz bem em fazer exames constantes para avaliar os efeitos da queda e batida na cabeça. - Agnaldo Rayol morreu por ter sofrido uma queda. Mais grave que a de Lula. - Os idosos enfrentam esse risco. Andar na rua em São Paulo é um tormento. Calçadas esburacadas e desniveladas. O leito das ruas virou trajeto para idosos. Menos acidentado. Mas e os carros e ônibus? Pior a emenda que o soneto. - No dia 12 de outubro, quatro romeiros morreram durante peregrinação pela rodovia Presidente Dutra a caminho de Aparecida/SP. Duas vítimas estavam fazendo a romaria a pé e outras duas faziam o trajeto até o Santuário de bicicleta. - A derrota tem poucos pais. A vitória, muitas mães. - O mundo todo aguarda com expectativa o desfecho das eleições nos EUA. - Putin, Xi Ji Ping, Netanyahu e a direita europeia torcem por Trump. - A "intelligentzia" americana torce por Kamala. - Trump traz medo, Kamala, otimismo. Fecho a coluna com a sabedoria de um paraibano. Sinceridade e sagacidade Zé Cavalcanti, ex-deputado paraibano, conta em seu livro A Política e os Políticos, que um coronel do sertão, ao passar o comando de seus domínios para o filho, aconselhou: - Meu rapaz, se queres ser bem-sucedido na política, cultiva estas duas verdades: a sinceridade e a sagacidade. - O que é sinceridade, meu pai? - É manter a palavra empenhada, custe o que custar. - E o que é sagacidade? - É nunca empenhar a palavra, custe o que custar.
quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Porandubas nº 865

Começo com um "causo" pernambucano. Perspectivas Quais as perspectivas que se apresentam ao Brasil em um contexto de crise? Confesso que não sei responder. Mas uma historinha do Sebastião Nery, que nos deixou, há pouco tempo, pode ajudar a responder: Luís Pereira, pintor de parede, dormiu com 200 votos e acordou como deputado Federal. Era suplente de Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, em Pernambuco, cassado pela ditadura. Chegou a Brasília de roupa nova e coração vibrando de alegria. Murilo Melo Filho melou o jogo, logo no aeroporto, com a pergunta abrupta: - Deputado, como vai a situação? Confuso, nervoso, surpreso, sem saber o que dizer, tascou: - As perspectivas são piores do que as características. Pois é, a esta altura, tem muito Luís Pereira perorando por aí... Parte I - As eleições O arco ideológico Abro meu olhar para o arco ideológico (depois de uma cirurgia de catarata, dá até para ver detalhes). Vejo o Brasil sendo puxado para o centro da esfera ideológica, que tem sido a posição mais condizente com a índole do seu povo. O território, de dimensão continental, não se divide em blocos e divisões profundas e tem, ao longo de sua história, procurado fixar em seu chão os pilares democráticos, mesmo sob o padecimento de tempos obtusos, os anos de chumbo, em que militares tentaram impor os grilhões da ditadura. A centro-direita O posicionamento do Brasil no centro é o primeiro grande recado sinalizado pelo eleitor. Um aceno ao bom senso. Nada de extremos. Nada de guerras movidas à ódio. Os nossos trópicos ainda são propícios à serenidade. Os nossos sentimentos são impregnados da chama do civismo, do respeito ao próximo, ideia com a qual alguns podem não concordar. A centro-direita dá a entender que o eleitor quer diminuir a taxa de violência, comum aos extremos, e vestir o manto de valores do passado com suas tradições, a defesa da família e tudo o que ela encarne. A direita A direita, e mais para o final do arco, a extrema direita, é o abrigo de conteúdos mais conservadores, o que denota pontos muito polêmicos, como a intransigência, um tiroteio intenso e ininterrupto de acusações entre grupos e alas, que abrem fissuras no tecido social. Pois bem, a direita e a extrema direita, pela mensagem dada nas urnas pelo eleitor, ganharam um puxão de orelhas e um aviso: cuidado, senhoras e senhores, não ultrapassem as regras do bem viver. Bolsonaro não conseguiu eleger seus candidatos, com destaque para as derrotas em Goiânia, onde o empresário Sandro Mabel, apoiado pelo governador Ronaldo Caiado, ganhou o pleito. E no Paraná, a candidata bolsonarista-raiz, Cristina Graeml, perdeu para o candidato Eduardo Pimentel, apoiado pelo governador Ratinho Jr. e pelo prefeito de Curitiba, Rafael Greca. A esquerda Da mesma forma, a esquerda e, na extremidade do arco do pensamento social, a extrema-esquerda, também receberam o recado: calma, lá, não avancem o sinal. Andemos, que atrás vem gente, mas sem correrias e atropelos. Sem devassas nem depredações. Cuidado com os aventureiros e oportunistas. A esquerda, aqui e alhures, se refugia na sombra da social-democracia, um canto ideológico em que o Estado até pode intervir no mercado, mas sem derrubar os eixos da liberdade de pensar, agir e empreender. O fato é que a esquerda recuou alguns metros na régua, cedendo espaço a uma direita, mesmo que esta apresente rachas. Os partidos - PSD Um conjunto de partidos ganha os louros da vitória eleitoral. Com destaque para dois: o PSD e o MDB. São partidos que cravam estacas no centro, mesmo que o primeiro, comandado pelo hábil articulador, Gilberto Kassab, tenha herdado a sigla do velho PSD d'outrora, que acolhia os grandes fazendeiros, hoje alojados na moderna expressão do "agro-business". Kassab leva o PSD para o centro e pelo fato de ter conseguido eleger o maior número de prefeitos da legenda, pode ser apontado como o grande vencedor das eleições. Sua sigla governará a maior população, com 35,3 milhões em 887 municípios. MDB velho de guerra Uma volta ao passado. O PMDB, que riscou de sua sigla o P de partido, voltando a ser o velho MDB de guerra, tinha uma feição progressista nos tempos em que abrigava Franco Montoro, Mario Covas, Freitas Nobre, Fernando Henrique e o comandante da CF de 1988, Ulysses Guimarães. Perdeu esses quadros para o PSDB, da social-democracia brasileira. Nas eleições gerais de 1986, em 15 de novembro (sábado), votaram 69.166.810 eleitores num pleito disputado em meio à euforia causada pelo Plano Cruzado. A porfia resultou em uma vitória quase unânime do PMDB que fez 22 governadores em 23 possíveis e fez a maioria dentre os 49 senadores eleitos, 487 deputados Federais e o maior número dos 953 deputados estaduais, tendo sido a última vez na história que um partido obteve maioria absoluta no parlamento brasileiro, dispensando a necessidade de uma coalizão. Pela primeira vez na história o Distrito Federal elegeu sua representação política. Os eleitos comporiam a 48ª legislatura (1987-1991) e ficaram responsáveis pela elaboração da Constituição de 1988 em Assembleia Nacional Constituinte. No Centrão O MDB volta ao cenário com a sacola eleitoral cheia de votos. O novo mapa político do Brasil, com alguns partidos conseguindo uma presença mais abrangente que outros, mostra o PP e o MDB se destacando, ao eleger prefeitos em todos os 26 Estados brasileiros, demonstrando uma capilaridade nacional impressionante. E vão estar ao lado do PSD de Kassab, que ostenta a medalha de partido com o maior número de prefeituras. Por mais que alguém não concorde com a posição descrita por este escriba lhe carimba, localiza-se no Centro a posição do atual MDB, que elege, pela primeira vez, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, e vai governar 855 municípios, mais que os 792 eleitos em 2020. E mais: conseguiu eleger 8.100 vereadores, o maior número por partido. PL Já o PL, de Bolsonaro, foi o mais fracassado do segundo turno. Apenas seis dos 22 candidatos do PL no segundo turno foram eleitos. PT O PT perdeu vergonhosamente as eleições. Deixou de fazer prefeitos em alguns Estados, entre os quais, o ES, o MS e o MT, em RO, RR. Fez apenas 4 prefeitos em SP, dois no PA, três no PR, sete em PE, três no RJ, três em TO, sete no RN. Em São Paulo, o PT caiu do cavalo, perdendo votos até em seu berço, o ABC paulista. O PSOL limpou toda sua ficha. Não tem praticamente ninguém, após a derrota de Guilherme Boulos em SP, capital, por mais de um milhão de votos. Parte II Raspando o tacho... - No pódio, os grandes vitoriosos: o governador Tarcísio de Freitas, que abre caminho na vereda de 2026, em direção ao Palácio do Planalto; Gilberto Kassab, que comanda um partidão, o PSD, e Ronaldo Caiado, que também abre frestas na vereda do futuro. - Na lanterninha, os grandes perdedores: Lula e Bolsonaro. Ambos não entregaram resultados positivos. Esconderam-se. Lula ainda teve a justificativa - uma queda grave no banheiro. Bolsonaro saiu da reta desde o ciclo raivoso e beligerante de Pablo Marçal. - A polarização ficou quilômetros de distância. Presente apenas nos grandes centros. Os ícones Lula e Bolsonaro se afastaram das campanhas, atenuando a polarização. - A periferia deu um grande recado: não tem compromisso com a esquerda. Em São Paulo, votou em Ricardo Nunes. Boulos recebeu os votos de setores mais do topo da pirâmide. - O jornalista Luiz Datena fechou as portas da política. Mas... a política é cheia de imprevistos. - A conscientização política foi maior no pleito. Abstenção alta e voto nulo são formas de protesto. E denotam conscientização. - Lula viu que não será fácil botar sua tropa na campanha de 2026. - Bolsonaro viu que não será fácil ganhar a anistia para seu caso de impedimento. As portas de 2026 serão muito estreitas para ele.
quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Porandubas nº 864

Para começar, ligeiros causos. Da PB e do Pará. Silêncio geral Flávio Ribeiro, presidente da Assembleia (depois foi governador da Paraíba), estava irritado com as galerias, que aplaudiram e vaiavam durante um debate entre o deputado comunista Santa Cruz e o udenista Praxedes Pitanga. De repente, tocou a campainha, pediu silêncio e avisou, grave: - Se as galerias continuarem a se manifestar, eu evacuo. Felizmente, as galerias se calaram. Socorro, socorro! João Botelho, candidato a prefeito de Belém, passou o dia inteiro anunciando um comício, à noite, na praça Brasil. Chegou na praça, não havia ninguém. Será que estou no lugar errado? Pensou. Será que não estou enganado? Perguntou ao assessor. - Não houve engano não, deputado, a praça é esta mesma. Foi ao bar mais perto, pediu dois caixotes de madeira, pôs no centro da praça, subiu e passou a berrar alucinado: - Socorro, Socooorro, Socoooooooro! Correu gente de todo lado para ver o que era. Plateia arrumada, Botelho começou o comício: - Socorro para um candidato... E fez o comício. Parte I A queda do presidente Abro a coluna com uma queda. Mas não se trata da queda que o presidente sofreu no último sábado e que o impediu de viajar à Rússia para a reunião dos Brics. A queda de que vou falar é a queda de popularidade. Por que Lula desce no caminho da popularidade? Por que não tem mais a força que demonstrava no passado quando patrocinava candidaturas? Na eleição do próximo domingo, é pouco provável que consiga puxar o candidato do Psol, Guilherme Boulos, apoiado pelo PT, ao pódio. A mesmice Com tanta experiência, sabendo lidar com razão e emoção, Luiz Inácio agregaria as condições para realizar um Lula III prestigiado e aplaudido pelo povo. Mas os aplausos estão escasseando. Por que isso ocorre? A primeira resposta é o sentimento de mesmice. Temos a impressão de que estamos vivenciando os dias de ontem, ouvindo a mesma lábia presidencial, ações assemelhadas às anteriores, um jeito populista de ser. O mundo mudou, o Brasil avançou na caminhada civilizatória, Lula não acrescentou muito ao seu perfil, a não ser barba e cabelos mais brancos. Falta de rumo A segunda resposta para a indagação está na falta de bússola. Falta um rumo a seguir. Mais parece o governo um dândi na escuridão, tateando as paredes de um longo corredor. Não possui uma grande estratégia. Trabalha no varejo. Sem noção do espaço, fica procurando pontos de contato com os partidos e os grupamentos sociais. Perde-se no meio da floresta de problemas. Direção errada A terceira resposta é a insistência em prosseguir na direção errada. Sabe-se que da estrutura social não saiu transformações. As carências continuam. Os projetos sociais - cestas básicas, o Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida - são molduras envelhecidas na paredes esburacadas. O desemprego até que diminuiu, mas a desigualdade é assombrosa. Os ricos ficam mais ricos, os pobres, mais pobres. A violência estampa as tragédias cotidianas nos cordões metropolitanos. O governo não está sabendo contemplar aspirações e expectativas da população. Entre a cruz e a caldeirinha A quarta razão para a descrença é a corda bamba: de um lado, o impulso que o presidente quer dar ao acesso ao crédito, que foi o eixo de sua política nos governos anteriores; de outro, a visão dos ministros Fernando Haddad, da Economia, e Simone Tebet, do Planejamento, na defesa ao arcabouço fiscal. Ambos querem frear a gastança do governo, que se assenta na abertura dos cofres do Tesouro. São visões antagônicas, uma, a de Lula, com a defesa de que o crédito aberto é investimento, pois o dinheiro voltaria na forma de empreendimentos; outra é a meta de segurar os gastos, pois o arrombamento da boca do balão seria a derrocada da economia. E um risco político de monta nos horizontes de 2026, quando teremos eleição presidencial. P.S. Por curiosidade, explico o significado de "entre a cruz e a caldeirinha". Refere-se ao moribundo que, no leito de morte, tem um crucifixo sobre a cabeceira e uma caldeirinha com água benta aos pés da cama. Alto preço político Mais uma resposta. Para aprovar determinados projetos, o Executivo acaba pagando um preço político exorbitante. Ou um preço econômico que não compensa. A reforma tributária continua em compasso de espera. A reforma administrativa dorme no telhado. Para avançar poucos passos, o governo tem de abrir os cofres. E outra razão: o descalabro que soma o deficiente gerenciamento das ações governamentais, com a pouca capacidade de executar decisões com eficiência e oportunidade. A linguagem é desarmônica. Clima de comício Lula pouco comparece às ruas. As multidões se resumem a pequenos contingentes em ambiente fechado, onde deita fala - sem muitas delongas - sobre os programas que estão sendo lançados. Não há perigo de receber apupos. E garante palmas. Das Cortes convocadas aos ambientes dos eventos. No capítulo discursivo, Lula continua sendo um campeão: joga palavras a torto e a direito, transformando a elucubração num exercício rotineiro, que não tem mais o entusiasmo de outrora. Lula parece cansado. Mas domina bem a expressão. Um terço do país O presidente continua contando com os votos de uma boa fatia do eleitorado, algo como 1/3 dos cidadãos. É o número da esquerda, cuja performance no pleito municipal deste ano demonstra estar em declínio. A direita se organiza, lava a cara e começa a sair às ruas. Lula precisa cuidar desse fato. E voltar a chegar perto do povo, do qual parece afastado. Ou medroso. Alexandre e Colombo Todo líder possui uma qualidade notável: a de antever possibilidades, quando os outros só veem restrições. Dois casos clássicos demonstram a capacidade estratégica de um líder. O primeiro envolve Alexandre Magno. Quem conseguisse desatar o nó que unia o jugo à lança do carro de Górdio, rei da Frígia, dominaria a Ásia. Muitos tentaram. Foram a Alexandre. Ele tinha duas opções: desatar o nó ou cortá-lo com a espada. Optou pela via mais rápida e certeira com um golpe forte. Sabia que perderia tempo tentando desatá-lo. O segundo caso é o ovo de Colombo. Levaram um ovo para o almirante e pediram que ele o equilibrasse. Com um pouco de força, Colombo colocou o ovo em posição vertical sobre a mesa. E Lula? A questão está em descobrir se Lula ainda tem a determinação férrea de Alexandre ou a matreirice de Colombo. Há quem diga que ele passaria muito tempo cofiando a barba e estudando as alternativas: poderia perder a Ásia e ficaria tentando pôr o ovo em pé, rolando-o sobre a mesa. Parte II Raspando o tacho... - Leio que a desistência de Lula em viajar à Rússia por causa da queda sofrida no Palácio da Alvorada o livrou de uma grande enrascada: o desejo do Irã e a pressão da Venezuela e de outros países, que querem entrar nos Brics. - Mesmo não indo, qual será a posição do Brasil sobre os dois pleitos? Celso Amorim se pronuncia contrário ao ingresso da Venezuela. A mesma posição do chanceler Mauro Vieira. Ambos portam a opinião de Lula. - A eleição de domingo testará o prestígio de Lula em São Paulo. E, por tabela, no ABC paulista. - A meteorologia vive dias de descrença. São Paulo esperava um segundo grande apagão entre sábado e domingo último. Calmaria inquietante, com todos esperando a chuvarada de mais de 100 mm. Veio uma chuvinha rala. - Benjamim Netanyahu já esteve prestes a deixar o cargo sob os apupos das ruas. A guerra o sustentou. E a morte do cérebro do Hamas, Yahia Sinwar, garante mais um bom tempo nas rédeas do governo israelense. - Uma densa camada de frio cobre a paisagem eleitoral. Um pleito sem grandes emoções nas ruas. Mas na esfera dos programas eleitorais, a disputa verbal é um jogo brutal. Chovem denúncias e adjetivos pesados de todos os lados. - Datafolha e Quaest, ao lado do Paraná Pesquisas, lideraram as ondas de pesquisas, que vivem uma fase áurea. - Trump cresceu uns pontinhos nos últimos dias. Minha impressão, de longa distância, é que assumiu a condição de candidato na dianteira. Um desastre anunciado. - Dançar 20 minutos no palco, interrompendo o comício, é sinal de quê? De insanidade é que não é. Trump fez isso semana passada. Servir batata frita no McDonald's é o quê? Populismo barato. Vestido com o traje dos jogadores de futebol americano é jogada para rejuvenescer a imagem. Não quer parecer velho. A nossa educação Fecho a coluna com algumas preciosidades dos alunos em provas realizadas pelo Ministério da Educação: - O calor é a quantidade de calorias armazenadas numa unidade de tempo. - Antes de ser criada a Justiça, todo mundo era injusto. - Caráter sexual secundário são as modificações morfológicas sofridas por um indivíduo após manter relações sexuais. - Lavoisier foi guilhotinado por ter inventado o oxigênio. - A harpa é uma asa que toca. - O vento é uma imensa quantidade de ar. - O terremoto é um pequeno movimento de terras não cultivadas. - Os egípcios antigos desenvolveram a arte funerária para que os mortos pudessem viver melhor. - Péricles foi o principal ditador da democracia grega. - O problema fundamental do terceiro mundo é a superabundância de necessidades. - A unidade de força é o Newton, que significa a força que se tem que realizar em um metro da unidade de tempo, no sentido contrário. - Lenda é toda narração em prosa de um tema confuso. - O nervo ótico transmite ideias luminosas ao cérebro. - A febre amarela foi trazida da China por Marco Polo. - O pobrema da amazônia tem uma percussão mundial. Várias Ongs já se estalaram na floresta.
quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Porandubas nº 863

Abro com uma historinha de Leonardo Mota. Idôneo, o comandante Em certa cidade fluminense, o chefe local era um monumento de ignorância. A política era feita de batalhas diárias. Um dia, o chefe político recebeu um telegrama de Feliciano Sodré, que presidia o Estado: - Conforme seu pedido, segue força comandada por oficial idôneo. O coronelão relaxou e gritou para a galera que o ouvia: - Agora, sim, quero ver a oposição não pagar imposto: a força que eu pedi vem aí. E quem vem com ela é o comandante Idôneo. (Historinha contada por Leonardo Mota, em seu livro Sertão Alegre) Parte I O "Pai Nosso" de Lula Assustado com os poucos votos obtidos pelo PT no primeiro turno, Lula pegou Janja e correu até a Catedral de Brasília, onde rezou como nunca tinha rezado. Fez um apelo aos céus com uma prece inspirada no Pai Nosso. Pelo que se sabe e foi ouvido de muitas bocas, foi mais ou menos assim. "Pai Nosso, que estais no céu, santificado seja o vosso nome. Proteja o PT, meu Pai, por ter sido muito castigado pelos votos no primeiro turno, com derrotas severas em São Paulo, no berço onde nasceu, o ABC paulista, e até em Araraquara, onde a candidata petista, a enfermeira Eliana Honain, apoiada por meu amigo Edinho Silva, perdeu a eleição para o doutor Lapena, do PL". Por que, meu Deus Por que, meu Deus, meu PT conseguiu sustentar sua fortaleza eleitoral apenas no meu Nordeste? Ali, elegemos prefeitos em 168 municípios, contra 91 em 2020. Não fosse os bons resultados no Piauí, Ceará e Bahia, teríamos amargado uma grande derrota. Fico aqui pensando, pensando, pensando, por que fizemos apenas 248 prefeitos este ano, pouco mais dos 183 que elegemos em 2020. Será que minha popularidade está escasseando, meu Senhor? Não mudei, será isso? Sabe como é que é, só os imbecis são incapazes de mudar, como lembrava um tal de Ortega Y Gasset. Mas eu não mudei. Faço minha terceira gestão com os mesmos instrumentos e com o mesmo pensamento da primeira. Será isso, Senhor, que está puxando os votos para o buraco? Sei que não sou santo, mas a minha fé é a mesma. E tenho a consciência de que tenho feito muito bem ao país. Foi o que conclui de meu exame de consciência durante as quatro horas que fiquei rodando sobre a cidade do México quando meu aerolula ficou capenga de uma turbina. Venham a mim todos Venha a nós o Vosso Reino, seja feita a Vossa Vontade, assim na terra como no céu. Venham a mim, meu Pai, todos os políticos, principalmente os do Centrão, mais profissionais, aqueles que desenham horizontes diferentes dos meus. São eles os que me dão mais motivos de alegria, na forma de votos e apoio. Mais votos que eles, eu não tenho, mas tenho a faca para cortar o bolo, sou dono do cofre do Tio Patinhas, donde despacho uns trocados para uns e outros partidos. Nunca gostei mesmo de tucano. Por isso, com certa alegria, estou vendo o ninho dos tucanos, o tal do PSDB, cair da árvore. A ave que confesso admirar é o condor, que gosta dos pontos mais altos do poder, perdão, das montanhas. Estou me vendo em 2026 Começo a achar que no fundo do coração, adoro me sentar na cadeira principal do país. Agrada-me o poder, atrai-me a ideia de ser o centro das coisas. Pelo meu Reino, perdão, pela minha reeleição em 2026, sou capaz de fazer a vontade dos outros, mesmo que os feitos sejam contra a minha vontade. Mesmo que meu PT não concorde, tenho de distribuir alguns presentes, alguns retalhos do orçamento, entre os que começam a se manifestar a favor de minha reeleição em 2026. Por isso, a administração caminha aos trancos e barrancos. Quem se queixa muito dos solavancos é o cabeleira, quero dizer, o Haddad, um mão-fechada. Minhas bolsas Bem sei, Senhor, que os interesses de meus aliados congestionam o balcão de trocas. E até prejudicam meus pacotes sociais, o Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida. Eu quero botar mais grana nessas áreas, mas aí vem o Haddad choramingar na minha mesa. Mas acredito que elas, minhas bolsas sociais, vão ter fôlego para chegar às eleições de 2026, apesar de certos economistas acharem que vem mais adiante uma crise econômica profunda, que pode beneficiar um tal capitão Jair ou um palhaço que me recuso a citar o nome. Que essa crise, meu Pai, não aconteça, nem aqui no Brasil nem em outras plagas governadas por amigos. Famintos, que exagero - O pão nosso de cada dia nos dai hoje. Ajude-me, Senhor, a manter o pãozinho francês e o frango na boca dos milhões dos despossuídos (não deve ser 35 milhões, como inventam as pesquisas). Enquanto estiverem mastigando, terei a certeza de que as elites vão recuar em suas críticas contra meu governo. Não vai ter gente de barriga vazia. Quanto aos críticos, rezo para que eles comam o pão que o diabo amassou, pois assim fazendo estarão devorando o prestígio de prefeitos e governadores. Quanto ao meu desgaste, vou me recuperar. Tenho certeza. Um palanque? - Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos aqueles que nos têm ofendido e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Sei que falo demais, dizem que transformo o Planalto num palanque. Ora, é porque tenho saudades do estádio de Vila Euclides, onde eu reunia a galera e falava, falava, falava, até mesmo mais que Fidel Castro, que não sabia a hora de parar em seus quilométricos discursos. Gosto de dizer o que sei. Uso minha boca como instrumento de poder. Sou respeitado mundialmente. Até Barack Obama já me chamou de "o cara". O "cara" do momento mundial. Aerolula novo Meu Pai, cometo pecadilhos. Xingo, digo e até desdigo. Sei que prometo, na intimidade, muitas coisas a aliados. Às vezes, esqueço. Perdoe-me as mentirinhas, e eu vou perdoar todas as promessas de apoios feitas por eles. Por tudo que é sagrado, tampe a boca dos destemperados que querem tirar pelo de ovo. Meu governo está indo bem. Pode ser um governo de gastança. Vou ter de comprar um super Boeing. Não quero mais sofrer a ameaça de despencar das nuvens como no velho aerolula que rodopiou nos céus do México. Me ajude, Senhor. Amém. Fiz bem Quer ver uma coisa, meu pai? Fiz bem em tirar o Silvio, aquele ministro que andou fazendo assédio sexual e importunando até uma ministra do meu governo. Fui elogiado pela forma rápida como decidi. Como já se viu tanta descompostura? Um ministro de Direitos Humanos cometendo esse tipo de infração? Parte II Raspando o tacho - Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, tem um olho voltado para o Palácio dos Bandeirantes e outro para o Palácio do Planalto. Qual olho mais aceso? - O apagão em São Paulo impacta a campanha do prefeito Ricardo Nunes. Mesmo que o prefeito tenha sido um dos primeiros a pregar o afastamento da Enel, concessionária, vai ser cobrado pela poda das árvores, que não teria sido bem-feita. - O apoio de Lula a Guilherme Boulos, em São Paulo, não agregará muito. O presidente perdeu muito de sua popularidade. - Os Tribunais Eleitorais precisam passar um pente fino na miríade de institutos de pesquisam que infestam o terreno eleitoral. - O segundo turno nas capitais retomou o clima eleitoral, que está morno. Sem engajamento de eleitores. - Eduardo Paes deixará o cargo de prefeito para se candidatar a governador em 2026. O mesmo se espera de João Campos, prefeito do Recife. Fecho com citações. Pão e circo "Os povos gostam do espetáculo; através dele, dominamos seu espírito e seu coração". Luís XIV. - Maquiavel já aconselhava ao Príncipe "divertir e reter o povo em festas e jogos". Os tiranos que surgiam nas cidades gregas entre os séculos VII e VI A.C. já utilizavam intensamente as festas populares em benefício de sua propaganda. O luxo do funeral "O luxo do funeral e a suntuosidade do túmulo não melhoram as condições do morto; satisfazem apenas a vaidade dos vivos". Dante Veoléci Mineirinhas Frases de Augusto Zenun, de Campestre, sul de Minas - político, industrial, filósofo e, antes de tudo, udenista ortodoxo da linha bilaqueana (Bilac Pinto, o Bilacão, seu dileto amigo). Sempre infernou a vida de seus adversários, com as suas atitudes destemidas e sua natural mineirice. "Quando estamos no governo, todo adversário que quer se encaixar, diz ser técnico". "O preço do voto de um eleitor mentiroso é sempre o mais caro". "Há um fato na política que a torna bastante interessante: o choque dos falsos políticos com os políticos falsos". "Político é dividido em duas partes. Uma trabalha para ser eleito. A outra trabalha para conseguir um cargo público se for derrotado". "Muita campanha eleitoral se parece com sauna: depois do calorão vem uma ducha fria". (Pinçadas de A Mineirice, de José Flávio Abelha)
quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Porandubas nº 862

Comecemos com um caso hilário, da verve do mestre Leonardo Mota. I.N.R.I. - Iesus Nazarenus Rex Iudaeorum O mestre Henrique era reputado marceneiro nos sertões de Sergipe. Sua especialidade estava nas camas francesas à Luís Quinze. Quando o freguês achava que o leito era baixo, recebia a explicação de que a cama era francesa, mas era à Luís Quatorze; se a queixa era da excessiva altura, ficava sabendo que aquilo era cama francesa à Luís Dezesseis... O mestre Henrique pôs toda a sua ciência no Cruzeiro do patamar da igreja de Aquidabã. No topo do sagrado madeiro, o vigário da freguesia fizera o mestre Henrique colocar uma tabuinha com as letras I.N.R.I., iniciais de Jesus Nazareno Rei dos Judeus, a irônica inscrição latina de que a ruindade de Pilatos se lembrara na ignominiosa sentença de morte do filho de Deus. Decorrido algum tempo, um sertanejo sergipano, intrigado com a significação daquelas quatro letras, perguntou a um seu conhecido: - Que é que quererá dizer aquele negócio de INRI, que tem escrito em riba do Cruzeiro? - Você não sabe não? Ali falta é o Q-U-E. Esse QUE não cabeu na tabuinha: aquilo é a assinatura de quem fez, que foi o mestre INRIque... Parte I A democracia avançou A batalha ocorreu, sem acidentes trágicos, registrando apenas escaramuças ligeiras e leves escoriações. O Brasil sai do primeiro turno das eleições com a democracia ecoando um hino de vitória. O eleitor foi às urnas mais consciente de sua responsabilidade do que em anos anteriores. A abstenção alta ocorreu em uma ou outra capital, sendo, na média, menor do que a de 2020. O perigo de um "amalucado" ganhar a cena foi afastado. O eleitorado deu importantes recados. Analisemos. Micropolítica A política das questões locais emergiu com força. O asfalto, os buracos nas ruas, o posto de saúde, a segurança pública (mesmo se sabendo que esta área é de competência dos Estados), a educação de qualidade, ganharam fôlego e balizaram as pautas dos candidatos. O debate ideológico se restringiu a um ou a outro território, não tendo força para empanar a pauta local. O eleitor demonstrou maturidade e pragmatismo. Os partidos vencedores Os partidos do Centrão levaram a melhor. O PSD do Kassab fez o maior número de prefeitos. Superou o MDB, cuja liderança como maior partido, desde a era Sarney, em 1986, mostrava seu poderio no interiorzão do país. Ainda assim, o MDB continua grande. O PL avançou em sua trajetória de crescimento. O mesmo pode se dizer de outros como o União Brasil. Brasil à direita Com a força dos partidos de centro e centro-direita, pode-se ver o país em forte inclinação à direita e um refluxo no trajeto à esquerda. Esse fenômeno carece de uma explicação. Há décadas que o país caminhava na trajetória da esquerda, embalado pelo lulopetismo e por ajuda de núcleos progressistas, como os do PSDB. O partido tucano quase vira pó. Diminuiu de tamanho. Brasil progressista Como se viu, esses núcleos refluíram, com exceção de enclaves do PSB, garantidos pela estrondosa vitória de João Campos, em Recife, e da resiliência do eleitorado de Tábata Amaral, em São Paulo, que saiu maior do que entrou. Seus quase 10% dos eleitores, mesmo sabendo de sua derrota no cômputo geral, votaram nela com convicção. Alckmin, nosso vice presidenta da República, deve envidar esforços para adensar a sigla. PT, acautele-se Um duro recado foi dado ao PT. Com exceção de São Paulo, onde Guilherme Boulos, do PSOL, teve o apoio petista, o partido dos Trabalhadores amargou pífios resultados em outros espaços. Pode-se também colocar com um caso de vitória a chegada da deputada Natália Benevides, ao segundo turno, para disputar com Paulinho Freire, deputado do União Brasil, a prefeitura de Natal. Lula, por seu lado, não agregou muito ao ingresso de Boulos ao segundo turno em São Paulo. A alta rejeição de Pablo Marçal (mais de 50%) foi um fator determinante para a entrada de Boulos no jogo do segundo turno. Um veto ao lulopetismo Quem vê a influência de Lula na alavancagem de Boulos precisa enxergar o outro lado. O PT não conseguiu limpar a pecha de entidade exclusivista, que se acha o suprassumo da ética e da honradez. Tanto que o slogan, Nós e Eles, ainda caracteriza atos do partido. Nós, os bons, Eles, os maus. O PT perde inclusive suas bases no ABC paulista, seu berço. Portando, existe um sentimento negativo em relação ao lulopetismo. O recado foi dado. Falta de sangue novo Ademais, faltam ao PT novos líderes. O sangue é velho. Quem são as novas lideranças? Sob a sombra de Lula, o mandachuva, não brotaram lideranças novas. O presidente até passa a impressão de querer se perpetuar no mandonismo petista. Fernando Haddad pode ser o candidato em 2026? Há uma ala do partido que não endossaria sua candidatura. Tarcísio, o vencedor Quem sai brandindo a espada de vencedor é o governador Tarcísio de Freitas, do Republicanos, que, desde a primeira hora, esteve ao lado de Ricardo Nunes, do MDB. O governador contará com a lealdade de Nunes, segundo se pode sentir, para voos mais altos em 2026. Se o cavalo passar na porta do palácio dos Bandeirantes em direção ao palácio do Planalto, Tarcísio montará. Se não passar, ele vai pegar a montaria da reeleição. Conta com um fiel escudeiro, o vencedor da eleição, Gilberto Kassab. Centrão dando as cartas No Congresso, veremos um Centrão revigorado com sua boa votação para as prefeituras, o que tornará Lula refém das posições e interesses de partidos e federações. Portando, teremos um futuro amarrado nas árvores centrais do território. O baralho estará nas mãos do conglomerado, que não deixará por menos se não obtiver recompensas à suas demandas. Dinheiro não entregou vitórias O dinheiro flagrado para "comprar" votos ultrapassou os recursos de campanhas passadas. Mais de R$ 20 milhões. Mas a grana não conseguiu entregar vitórias. O empresário João Pinheiro (PRTB) perdeu as eleições na cidade de Marília, em São Paulo. Pinheiro - que declarou R$ 2,8 bilhões de patrimônio, rendendo o título de candidato mais rico do país - obteve somente 3% dos votos, ficando em quinto lugar na disputa. O candidato Vinicius Camarinha, do PSDB, foi eleito com 54,73%. Parte II Raspando o tacho - João Campos tem futuro promissor, que passa pelo governo de Pernambuco, já governado por seu avô, Miguel Arraes, e por seu pai, Eduardo Campos. - Tábata Amaral, namorada de João Campos, também terá amplos horizontes para conquistar. Vai longe... - Pablo Marçal terá vida política prolongada. Quer se posicionar para 2026. - Jair Bolsonaro deve entrar de sola no segundo turno de São Paulo. No primeiro turno, ficou na corda bamba. - Os Tatto, que dominavam a cena política na Zona Sul da cidade de São Paulo, se deram mal na campanha. - Milton Leite, o mandachuva da Câmara Municipal Paulistana, sai do cargo de presidente da Casa, não quis mais se candidatar, mas elegeu seus candidatos. Continuará mandando. - Lula analisa vantagens e desvantagens de sua entrada no segundo turno de São Paulo. Teme que eventual derrota de Boulos caia em seu colo. - Cena patética - eleitores de Marçal chorando na avenida Paulista. - Afinal, a governadora Fátima Bezerra, do PT do RN, ajudou ou não a deputada Natália Benevides, do seu partido, a chegar ao segundo turno? O que impulsionou a subida de Benevides e a descida de Carlos Eduardo Alves? Fecho com minha frase predileta. O mundo gira e a Lusitana roda...
quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Porandubas nº 861

Parte I Abro com uma historinha. "Leu os livros errados" Brasília, Congresso Nacional, 11 de abril de 1964. Castelo Branco não teve o voto de Tancredo Neves, seu amigo pessoal de longa data, companheiro na Escola Superior de Guerra, em 1956. Tancredo bateu o pé. Comunicou ao PSD que votaria em branco, apesar dos méritos e credenciais do general Castelo Branco. Questão de princípio: era contra o golpe. Não queria nem um minuto de regime militar, não abria mão da democracia. Conta-se que, esgotados todos os argumentos dos pessedistas para convencê-lo, o amigo e ex-chefe JK, então senador por Goiás, fez um apelo: "Mas, Tancredo, o Castelo é um sorbonniano, estudou na França. É militar diferente, um intelectual como você. Já leu centenas de livros!". Tancredo: "É verdade, Juscelino. Só que ele leu os livros errados".Dois meses depois o governo cassou o mandato e os direitos políticos de JK, que partiu para o exílio e o sofrimento sem fim. (Caso narrado por Ronaldo Costa Couto). Vestiu a camisa do desenvolvimento e seu slogan "50 anos em 5" foi um sucesso. Colou. Seu sorriso era a estampa de um país feliz. (História narrada por Isabel Lustosa) Fim de linha Daqui a poucas horas, veremos o eleitor depositando seu voto nas urnas. Desta feita, ainda cheio de dúvidas. Mais de 50% do eleitorado diz que só decidiu em quem votar nos últimos dias. E qual foi o meio que o ajudou a tomar a decisão? Programas de TV e rádio ou o corpo a corpo? Numa campanha, todos os projetos e ações têm seu devido peso, uns somando-se aos outros e tendo sua parcela de influência. Nas capitais e cidades maiores, os meios eletrônicos assumiram maior importância, pela dificuldade de um candidato se relacionar diretamente com grandes contingentes eleitorais. Na campanha deste ano, porém, o corpo a corpo ganhou espaço maior que na anterior. Desconfiança, ceticismo O eleitor, mais desconfiado e atento, quis sentir de perto o candidato, conferir a naturalidade/artificialidade de seu discurso, o clima que envolveu a candidatura. A comunicação foi o meio que transportou o programa do candidato até o eleitor. Mas não esgotou a necessidade de outros meios: a presença física do candidato, acentuada pelo sentido de organização social no Brasil. As entidades organizadas da sociedade civil - que se multiplicam por toda a parte - fecharam posições com candidatos, e este fato determinou o estabelecimento de compromissos por parte de candidatos, obrigando-os a sair de suas tocas burocráticas. A mobilização de massa Os eventos de mobilização das massas - que energizam as campanhas - foram mais direcionados, restritos a grupos de eleitores, multidões menos grandiosas. As campanhas foram pontuadas por eventos grupais, menos suntuosas, mais densas de conteúdo e menos retumbantes nas formas. Ou seja, os conteúdos passaram a ganhar da estética. As campanhas trabalharam com temáticas próximas do eleitor, deixando vez para a interpretação de que a federalização só ocorreu nos grandes centros. Temas gerais Mas certas temáticas mexeram nas esferas Federal, estadual e municipal, ao mesmo tempo. Por exemplo: a questão do desemprego, da segurança, problemas Federal e estadual, mas o município, por meio de seus programas de geração de postos de trabalho e fortalecimento das guardas municipais também tiveram sua parcela de responsabilidade. Segurança A segurança, nessa esteira, é um problema que mexe com o dia a dia do cidadão. Nesse caso, o candidato não pode simplesmente dizer que vai acabar com a insegurança, sob pena de ser considerado demagogo. Por isso, proposta nessa área foi muito vaga, sem muita criatividade. O xingamento A contundência, o xingamento, a denúncia deram o tom da campanha, principalmente em São Paulo. Tiraram votos, não acrescentaram. Viu-se uma linguagem desabrida. A contundência, no estilo de virar a mesa, acabou dando medo. O equilíbrio esteve longe. E quem tinha roupa suja para lavar, tentou jogar no colo do adversário. Mesmo aqueles que são exemplos de vida ilibada entraram nas baixarias. Autoelogio Elogio em boca própria é vitupério, diz o ditado. Isso teve de sobra. A lengalenga sobre honestidade esteve presente no cardápio televisivo. O eleitorado vai às urnas sem a certeza de votar em perfis sérios, honestos, experientes, inovadores e com a bandeira da autoridade. Autoridade, é bom lembrar, é contraponto à desorganização, ao caos, ao loteamento de cargos, à corrupção. Tais atributos não foram reconhecidos pelo eleitor. Alguns projetos foram colocados na cesta da factibilidade, mera promessa marqueteira. Dinheiro foi importante? É claro que foi. Banners encheram as avenidas. Nessa área, o prefeito de SP, Ricardo Nunes, mostrou seu sorriso por quilômetros a fio. E tome dinheiro. Foi um esbanjamento. Em cidades pequenas do interior do país, campanha política também foi festa, cerveja e churrasco. A crise não fechou os estômagos. Parte II Raspando o tacho - Lula aprecia muito viajar. Foi à ONU, em NY, voltou, foi ao México para a posse da presidente, está voltando, deve emprestar a voz para apoiar candidatos amigos nos Estados. - O fato é que Lula foge dos ares poluídos de Brasília, cujo clima ultra seco faz mal à saúde. Escapa, também, das pressões do Congresso. Faz muito bem em viajar. - PT teme não encher a bacia de prefeitos. Tem candidatos nas capitais que estão longe da praia. - Uma curiosidade: quais uísques, afora os comuns e rasteiros (porém, bons), John Label 12 anos, Old Parr, também 12 anos, são servidos no avião presidencial? Será que servem também um Macalan ou um Blue Label? Uma viagem longa daria para tomar um porre... até o papa Francisco cometeria esse pecadilho, rsrsrs. - Tenho um amigo que passaria ao largo desse anzol... o imortal José Paulo Cavalcanti, jurista de alto coturno, ex-ministro da Justiça, cm cuja garganta jamais desceu uma gota de álcool. E é porque ele é proprietário de uma vinícola em Portugal, que faz ótimos vinhos... - Em São Paulo, campanha está indefinida. Disputa no 2º turno deve ser entre o prefeito Ricardo Nunes, do MDB, e Guilherme Boulos, do PT. E Pablo Marçal? Não acredito em sua chegada ao pódio. - João Campos (PSB-PE), prefeito do Recife, pavimenta sua caminhada política com uma vitória no 1º turno. O filho de Eduardo Campos tem futuro venturoso. - Uma derrota de Boulos, em São Paulo, capital, cairá no colo de Lula. - O relógio do juízo final andou um pouco nesses dias. Irã entra na guerra contra Israel. O oriente médio, em chamas, é o prenúncio de uma guerra alastrada e sem prazo para terminar. - Rússia e Ucrânia se afastam da mesa de negociação. - O Brasil perde sua posição de intermediário entre países em guerra. Fecho com estas historinhas. Getúlio, eu fico Getúlio Vargas sempre conservou intenções continuístas. Um dia, foram procurá-lo para saber se era verdade. E ele: - Não, meu candidato é o Eurico (marechal Eurico Gaspar Dutra); mas se houver oportunidade, eu mudo uma letra: Eu Fico. (Isabel Lustosa) O ciclo Kubitschek Figura carismática, Juscelino Kubitschek era jovial, alegre. Encarnava o Brasil moderno. Em 1959, o palhaço Carequinha popularizou uma batucada de Miguel Gustavo - Dá um jeito nele, Nonô ("Meu dinheiro não tem mais valor/Meu cruzeiro não vale nada/Já não dá nem pra cocada/Já não compra mais banana/Já não bebe mais café/Já não pode andar de bonde/Nem chupar picolé/Afinal, esse cruzeiro é dinheiro ou não é?"). O clima ambiental era de descontração, como demonstra a historieta gráfica da revista Careta: - Juscelino: - Preciso de divisas, ouro, seu Alkmim, para as realizações do meu governo. O ministro: - Ouro, seu Juscelino?! Eu sou Alkmim, não sou alquimista.
quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Porandubas nº 860

Abro com uma historinha, em homenagem ao meu amigo Sebastião Nery, que nos deu adeus nesta semana. Conversa de jardim Manuel Ribas, interventor no Paraná (1932/1935), depois governador (1935/1937), despachava no palácio, mas gostava de morar em sua casa. Bem cedinho, chega um rapaz e encontra o jardineiro regando o jardim: - Seu Ribas está? Sou filho de um grande amigo dele. Meu pai me mandou pedir um emprego a ele. Eu podia falar com ele? - Poder, pode. Mas, e se ele não lhe arrumar o emprego? - Bem, meu pai me disse que, se ele não arranjasse o emprego, eu mandasse ele à merda. - Olhe, rapaz, passe às 4 da tarde lá no palácio, que é a hora das audiências, e você fala com ele. Às 4 horas, o rapaz estava lá. Deu o nome, esperou, esperou. No salão comprido, sentado atrás da mesa, o jardineiro. Ou seja, o governador. O rapaz ficou branco de surpresa. - O que é que você quer mesmo? Repetiu a história. "Meu pai me mandou pedir um emprego ao senhor". - E se eu não arranjar o emprego? - Então, seu Ribas, fica valendo aquela nossa conversa de hoje de manhã, lá no jardim. Parte I A síndrome do touro Atentem para uma síndrome da contemporaneidade: a síndrome do touro, o animal que pensa com o coração e arremete com a cabeça. Tentem enxergar o modus operandi dos homens públicos. A observação aparece logo: os gestores estão agindo com o coração e arremetendo com a cabeça. Será que os protagonistas do Poder Executivo, nas três instâncias federativas não extrapolam suas funções? Será que os ministros da mais alta Corte do Judiciário, o STF, não são movidos pelo sangue do coração? E o Poder Legislativo tem legislado pela régua do bom senso? O espírito do tempo O espírito do nosso tempo está sendo empurrado pela ventania da raiva, do ódio, da vingança. Vejam a guerra que se alastra no Oriente Médio. Perto de 400 mortos em um dia de bombardeio de Israel no Líbano. Olhem para o conflito Rússia versus Ucrânia. Sem previsão de fim. O planeta arde em chamas. E os gestores, ao que parece, estão distantes do fogo. Os paradoxos Não deixa de impressionar a escalada de paradoxos da modernidade: nunca se gastou tanto em segurança pública e privada, mas os cidadãos nunca se sentiram tão inseguros; investem-se bilhões e bilhões em biotecnologia e nas mais diversas áreas da medicina para prolongar o tempo de existência do ser humano, mas o percurso de uma pessoa sobre a terra é cada vez mais um fio tênue e fragilizado pela ciclópica cadeia de problemas das cidades. A alienação Por momentos, ondas de civismo banham Nações, fortalecendo a consciência da cidadania, mas cresce também a letargia da alienação, decorrente do stress, dos medos, da insegurança, da falta de governos, da ausência de políticas públicas capazes de acender o entusiasmo das populações. A direita ideológica dá sinais de revigoramento. A esquerda fenece. O centro não consegue adensar seus espaços. O mundo está sem bússola. A banalização da morte Se no estágio civilizatório a mortandade das guerras já não causa comoção e as nações são castigadas por toda sorte de inclemência (violência, narcotráfico, desgovernos, corrupção, precária institucionalização política, montanha de impostos e tributos, perversa distribuição de renda, gente sem terra, sem teto e sem trabalho), as mortes de ricos e pobres, em pequenas quantidades ou em chacinas de final de semana, se avolumam na escalada da banalização. O país queimando São tão banais as chacinas que o fato de deixarem de ocorrer - isso sim - poderia gerar sensação. Por aqui, fumaça das queimadas das florestas asfixia o povo em cidades de todas as regiões, com exceção, talvez do Rio Grande do Sul, que se recupera das inundações. Lula está em Nova Iorque deitando fala sobre o "fracasso coletivo" na preservação do meio ambiente. Mas o Brasil se mostra despreparado para enfrentar a catástrofe ambiental. De braços cruzados E o que estão fazendo os governos? Atacando os problemas? Não, cruzando os braços à espera do governo Federal. Fala-se da infiltração do PCC na gestão pública do país e até se calculam os recursos em bilhões por ele arrecadados. Seus braços entram nos buracos das administrações. Vender o medo passou a ser um grande negócio. Descobre-se que o território está inundado pelo narcotráfico, passando da posição de corredor de drogas para o ranking dos consumidores. Pobre país. A venda de armas O governo quer diminuir a venda de armas, algo como tirar o sofá da sala para evitar a traição da mulher infiel. A população, como se vê, está diante de situações-limite e os governos parecem fugir à realidade. Fazem vista grossa às agressões contra o povo. E tomem imposto. A meta? Aumentar a arrecadação. A arte de governar Há 225 anos, o segundo presidente dos Estados Unidos, John Adams, fazendo uma reflexão sobre os governos, dizia que "todas as ciências progrediram, menos a de governar, que não avançou, sendo praticada apenas um pouco melhor que há quatro mil anos". O conceito se amolda a alguns dos nossos governantes. São daltônicos, confundindo cores. São insensíveis, invertendo prioridades. Agem como touros, decidindo com o coração e arremetendo com a cabeça contra as multidões. Parte II Raspando o tacho - Lula, em nome do Brasil, conforme a tradição, abriu a Assembleia Geral da ONU. Cobrou investimentos na área ambiental, pregou a necessidade de reformas na entidade, condenou as guerras em curso. - Mas a fala de Lula não teve a repercussão de outros tempos. - Bolsonaro corre o país, dando vazão à polarização em que figura como o rolo compressor da extrema direita. Acredita que será anistiado. E poderá se candidatar em 2026. - Quase 600 mortos no Líbano em dois dias de bombardeio israelense. - Assessor de Marçal dá murro em marqueteiro de Nunes. A baixaria sobe aos ringues. - O Brasil continua a pegar fogo. Os riscos à saúde se avolumam. - Haddad se recolheu. Sua visibilidade é menor. Qual a razão para esse low-profile? - Lula se calou ante a elevação da Selic pelo Banco Central. Cada tempo com sua expressão. - Kamala Harris, até o momento, é a favorita nas eleições de novembro nos EUA. Trump recuou uns pontinhos. - Ricardo Nunes deve ir ao segundo turno em São Paulo. - Guilherme Boulos aliviou sua imagem de invasor. Deve ir também ao segundo turno em São Paulo. - Luiz Datena perde fôlego. Imagem não é boa. Um vacilante. - Mulheres nas prefeituras - Apenas 32 mulheres são pré-candidatas à prefeitura nas capitais do Brasil. - Entre os partidos, a Federação PSOL-Rede, a Federação PT-PCdoB-PV, União Brasil e Novo têm o maior número de pré-candidatas. - Já nas capitais, o destaque fica com Aracaju/SE, que tem cinco mulheres na disputa. Frases Getúlio Vargas caprichava nas frases. Eis algumas que passaram a fazer parte do folclore político: - Eu não sou um oportunista. Sou um homem das oportunidades. Se um cavalo passar encilhado na minha frente, eu monto. - Quem não aguenta o trote, não monta o burro. - Inimigos não sei se os tenho. Mas se os tiver, não serão jamais tão inimigos que não possam vir a ser amigos. - A metade dos meus homens de governo não é capaz de nada e a outra metade é capaz de tudo. - Quase sempre é fácil encontrar a verdade. Difícil é, uma vez encontrada, não fugir dela. - Eu sempre desconfiei muito daqueles que nunca me pediram nada. Geralmente os que sentam à mesa sem apetite são os que mais comem. - Os políticos olham muito o passado, se esquecem do presente e, principalmente, do futuro. Mas é perigoso este cacoete, pois quem muito olha para trás acaba torcendo o pescoço. Raspo o tacho com a lembrança. - O mundo gira e a Lusitana roda.
quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Porandubas nº 859

Parte I A velha era do "novo" Lideranças políticas e organizações são porta-vozes da era que o planeta vive: a "era pós" - pós-liberal, pós-marxista, pós-social-democrata, pós-qualquer coisa - tempo em que os governos buscam incessantemente o conceito de "novo". Os rótulos perdem sentido em um mundo em que o poder político está a reboque do poder econômico. Tecnodemocracia Na verdade, estamos mergulhados nas águas da tecnodemocracia, a democracia das vastas organizações econômicas, do gerenciamento burocrático dos técnicos, dos negócios globalizados, dos capitais voláteis, das unidades interdependentes. Sobre essa vertente, procura-se impor o conceito de "novo". E que "novo" é esse? Fazer arranjos nas bases partidárias com o objetivo de garantir aprovação de emendas constitucionais? Abrir o cofre aos políticos para conseguir apoios? Piscar um olho para o correligionário e tomar café com um possível concorrente? O dinheiro A política na era do "pós-qualquer coisa" coloca o interesse geral como salvaguarda de certos interesses privados. Como sempre, o dinheiro puxa a decisão política. O "novo" tão festejado é aquilo que Maurice Duverger chama de "simbiose inter-burocrática", a política e a economia se imbricam, fazendo a geleia partidária. Os partidos deveriam representar partes da sociedade. Respirar doutrina, ideologia. Basta perguntar: qual o oxigênio que os alimenta? Até o velho PT de guerra, de antigas nítidas feições, é um Frankenstein desconjuntado. A banalização da atividade partidária sonoriza os palanques na era do "novo". Redistribuir riquezas? Qual a receita para a redistribuição de riquezas? Lula responde: usar programas populistas, tipo Bolsa Família. Estourar os cofres do Tesouro Nacional. Em ano eleitoral, egocentrismo e desunião dão chabu. Para um governante que procura compor a maior base de apoios, o discurso da intermediação, da unidade, do amor e da fraternidade vem a calhar. Nenhum líder (existe isso?) usa expressões no sentido litúrgico, inspirado no civismo e no fervor pelo social. Cadeirada é o "novo"? Na minha infância, corria atrás do palhaço, em sua chegada à cidade. Ele saia às ruas, empoleirado numa perna de pau, cadenciando os passos, à direita e à esquerda, e puxando a galera de crianças, que respondiam aos gritos do palhaço no alto-falante: - Hoje, tem espetáculo? - Tem, sim senhor... - Às 8 horas da noite...? - Tem, sim senhor. - E o que é que o circo tem? - Muita festa e muito riso. Pois é, ganhávamos o ingresso, caso acompanhássemos a caminhada do palhaço pela cidade. Minha mãe acabava rasgando o ingresso. Hoje, o circo entra nas nossas casas às 8h30 da noite. E o que podemos ver? - Arranque do Datena. Cadeirada no Marçal. A política é espetáculo. Mambembe. O Estado Espetáculo A sobrecarga das demandas sociais aumenta as frustrações com o desempenho dos protagonistas, levando grupos a procurar mecanismos de recompensa psicológica. Não necessariamente por isso, mas certamente tendo alguma coisa a ver com essa abordagem, imensos contingentes nacionais são atraídos por conteúdos diversionistas que funcionam como contrapontos compensatórios nesses momentos de crise. E quanto maior a crise, maior é o sucesso dos atores. Criticam-se seus atos e gestos, mas há muita curiosidade sobre suas extravagâncias. As massas querem ver sangue e fogo. Pirotecnia À fragilidade do Estado-provedor do bem-estar contrapõe-se o Estado Espetáculo, com seu teatro de formas lúdicas e elementos ficcionais. Trata-se de um território deteriorado, com instituições frágeis, conteúdos sociais amorfos, descrença geral na política, carência de cidadania, pirotecnia. O que se vê é o Estado dos Pablos Marçais, das cadeiradas datenianas, dos arroubos planejados para criar manchetes midiáticas. Deterioração São bastante visíveis os sintomas da crise, expressa pela deterioração de programas sociais, principalmente nos capítulos da segurança, educação, saúde e habitação. Só em São Paulo, contabiliza-se um efetivo de milhares de policiais militares desviados das funções constitucionais de efetuar o policiamento ostensivo e preservar a ordem. Ficam recolhidos nas repartições públicas, exercendo funções burocráticas. A sociedade passa a cumprir missão do Estado, arcando com o alto custo de uma segurança privada. Os "exércitos" privados se multiplicam empurrando as forças públicas para um segundo plano. A marginália se expande A marginália se expande e o medo se espraia, entrando nos horizontes de todos os segmentos. O desfile de caras e bocas nos programas eleitorais, além de mecanismos catárticos para diversionismo das massas, expressam a agonia da política. Não há como deixar de se constatar a disfunção narcotizante do efeito teatral sobre o psiquismo de grupos. Quem faz o melhor espetáculo? Sem segurança, sem saúde, com educação precária, sem serviços essenciais básicos eficientes, o cidadão fragiliza-se e perde autonomia. E se perde autonomia, atenua o sentido crítico e a vontade de fazer valer direitos. Os gastos sociais do Estado tendem a ser direcionados mais para os setores com poder de pressão do que para os segmentos menos favorecidos. Só vejo o beco As massas procuram encontrar equilíbrio nas manifestações coletivas e no ludismo, seja nos esportes, seja na programação grotesca da TV. Os líderes não são mais perfis proeminentes portando valores essenciais, como decência, respeitabilidade, honra, ética e civismo. São figurantes televisivos com porretes na mão, banquetas nas mãos, personagens exóticas, outsiders, elementos canhestros, gente que faz do drama a comédia, da dor o escárnio e da escatologia o alimento rotineiro. Manuel Bandeira, o poeta, exclama: "que adianta a glória, a poesia, a beleza, a linha do horizonte? Eu só vejo o beco". Parte II Raspando o tacho - A Rede TV fez o seu debate. Um esculacho. Acusações recíprocas e gritaria. Fixou cadeiras com parafusos no chão. A brigalhada não cedeu. - A política chega ao fundo do poço. Que triste Brasil. - Nos EUA, a política também é palco de violência. Mais uma tentativa de atentado contra a vida de Donald Trump, que ganha as manchetes. - O Brasil é um fumaceiro de norte a sul, de leste a oeste. E ainda se fala numa tal Autoridade Climática. É pra rir. Ou chorar... - A guerra Rússia versus Ucrânia não dá sinais de arrefecimento. - A guerra Israel versus Palestina continua com carnificina. O planeta ensanguentado. - A crise climática desorganiza as leis da natureza. O mundo em destroços. Secas aqui, chuvas acolá. - São Paulo respirando o pior ar do planeta. Um troféu indesejado. - Um dia de frio - 14ºC. Dias de extremo calor - 36ºC. Os dias se sucedem em pulos estratosféricos. - O ministro Flávio Dino, do STF, determina a pauta do Executivo. É o Brasil do samba do crioulo doido. - O mundo gira e a Lusitana roda...
quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Porandubas nº 858

Voltando Porandubas, minha coluna de notas sobre a conjuntura, volta depois de um recesso. Tive que enfrentar problemas com a mecânica e a funilaria do meu possante caminhão, que demandaram instantes de paciência e dor. Lubrificado, engrenagem ajustada, estou pronto para subir com ele a ladeira de esperanças renovadas. O que começo a fazer com o empurrão de vocês, ao ler essas notas. As perspectivas Abro com uma engraçada historinha. Perspectivas Quais as perspectivas que se apresentam ao Brasil em um contexto de crise? Confesso que não sei responder. Uma historinha do Sebastião Nery sobre perspectivas pode ajudar a responder. Luís Pereira, pintor de parede, dormiu com 200 votos e acordou como deputado Federal. Era suplente de Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, em Pernambuco, cassado pela ditadura. Chegou a Brasília de roupa nova e coração vibrando de alegria. Murilo Melo Filho melou o jogo, logo no aeroporto, com a pergunta abrupta: - Deputado, como vai a situação? Confuso, nervoso, surpreso, sem saber o que dizer, tascou: - As perspectivas são piores do que as características. Pois é, a esta altura, tem muito Luís Pereira perorando por aí... Almeida e a crise Pelo que se lê, aqui e ali, o ex-ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, vinha perpetrando suas peripécias de assédio sexual há tempos. O governo, ou melhor, o presidente Lula já sabia das denúncias e más referências sobre o figurante. A imagem do ex-ministro desmorona. Não será fácil recompor a moldura ética que desabou sobre a cabeça de Almeida. O que causa assombro: trata-se de um homem público que carregava o facho dos Direitos Humanos. Inacreditável. O pleito é um teste Lula aposta na sua indicação para a prefeitura de algumas capitais. O pleito de outubro será um teste. São Paulo será o Rubicão do lulismo. Vim, vi e venci. Será que o presidente vai poder dizer o refrão de Júlio César, quando este enviou uma carta ao Senado Romano, em 47 a.C., descrevendo a sua vitória sobre Fárnaces II, rei do Ponto, durante a Batalha de Zela? Guilherme Boulos, do PSOL, tem o apoio de Lula. Mas as urnas endossarão este apoio? Este analista tem dúvidas. Fez e faz Campanha obsoleta, clone do passado. Nos tempos idos de 1990, Duda Mendonça bolava a campanha de Paulo Maluf para o governo de São Paulo. O jingle era São Paulo porque Paulo é trabalhador. Uma identidade sonora cantada por todos os lados. Noutras vezes e outras campanhas, Duda usou o "Paulo fez, Paulo faz". Jingle que foi usado por muitas campanhas pelo país e até na Argentina. E o que vê hoje? Ricardo fez, Ricardo faz. O prefeito Ricardo Nunes, do MDB, 15, monta no cavalo de Duda Mendonça. A prefeitada Os prefeitos acordaram. Passaram um bom tempo dormindo; abriram os olhos para cuidar da reeleição. A prefeitada recebeu o aviso: só terão passaporte para voltar à prefeitura quem cumpriu o dever e entregou o pacote de promessas. O olhar duro do eleitor é cada vez mais crítico e exigente. O fisiologismo histórico que tem alimentado os currais eleitorais não foi embora de todo, mas está sendo paulatinamente substituído pela cooptação ancorada em ações substantivas, obras e projetos de interesse das comunidades. Os tempos do eleitor "maria-vai-com-as-outras" estão passando. Os prefeitos sabem muito bem que já não é mais possível governar com o lema: "para os amigos pão, para os inimigos pau". Adeus ao coronelismo Parece paradoxal dizer que os prefeitos continuam a enfeixar grandes fatias de poder. Não se trata daquele tipo de poder que Victor Nunes Leal tão bem descreveu em Coronelismo, Enxada e Voto, um clássico sobre o mandonismo municipal: "exerce o coronel uma ampla jurisdição sobre seus dependentes, compondo rixas e desavenças e proferindo, às vezes, verdadeiros arbitramentos, que os interessados respeitam. Também enfeixam em suas mãos, com ou sem caráter oficial, extensas funções policiais, de que frequentemente se desincumbe com sua pura ascendência social, mas que eventualmente pode tornar efetivas com o auxílio de empregados, agregados ou capangas".Os coronéis morreram, mas deixaram herdeiros, entre os quais centenas de prefeitos espalhados principalmente nas regiões Nordeste e Norte. Micropolítica As demandas sociais se abrigam no terreno estreito da micropolítica - a escola perto da casa, o transporte fácil e barato, a iluminação e o asfaltamento da rua, o sistema de esgoto, o alimento barato, a assistência social. Prefeito ineficaz não se reelege e não fará o sucessor. Dinheiro até pode mudar o sentido de uma eleição, mas não tem o mesmo peso do passado. Vida limpa, passado e presente decentes, obras focadas para o interesse coletivo, transparência administrativa, enxugamento de estruturas, racionalização de processos, circulação no meio do povo, desburocratização e simplificação de serviços constituem os parâmetros modernos para a conquista do eleitorado. Entidades intermediárias A maior taxa de responsabilidade que incide sobre os 5.570 prefeitos do país recebe, ainda, o endosso de uma malha de conscientização e controle, inserida nas organizações intermediárias da sociedade. Se há um fenômeno que merece estudo, por sua importância no balizamento do pensamento brasileiro, é o da base da organização social. Milhares de entidades se formam e se adensam em todas as regiões, juntando grupos de interesse e de opinião, promovendo mobilização e desenvolvendo uma ampla articulação entre os eixos da grande roda social. Essa malha funciona como paredão de pressão sobre os poderes legislativo e executivo. Maior cobrança E por falar em pressão, a comunidade municipal exerce maior pressão sobre os prefeitos que a comunidade estadual sobre a figura do governador. Trata-se da dimensão do sistema político; quanto menor, maior é a pressão, em função da proximidade entre os agentes políticos e as bases. Isso explica, por exemplo, que governadores reeleitos, cansados e saturados, não são tão cobrados quanto prefeitos reeleitos. Há governadores que transmitem a impressão de que perderam a vontade, estão saturados, afogando o entusiasmo no silêncio de uma depressão escancarada nas faces maceradas. Flor de lótus No meio do pântano, pode-se ver uma magnífica filha da mãe Natureza: a flor de lótus. É uma belíssima flor que nasce no meio da água lodosa, fétida, em razão de plantas decompostas. A imagem da flor foi usada, faz bom tempo, para expressar minha crença de que no meio do caos há uma réstia de esperança. A frase de tempos idos era: "A política chegou ao fundo do poço em matéria de moral. Mas não morreu a esperança de nascer uma flor no pântano". Este escriba, um idealista O saudoso Saulo Ramos, jurista e sábio, e também um incréu, pinçou a alegoria em seu livro Código da Vida para atribuí-la aos "puros, os poetas, os idealistas", referindo-se a este escriba, não sem fazer votos para que "eles tenham razão" na pregação. Ainda conservo essa imagem da política; é possível distinguir no turbilhão de negócios escusos, interesses vis, emboscadas, balcão de recompensas, enfim, de coisas escabrosas, uma majestosa flor de lótus. Parte II Raspando o tacho - O Brasil está pegando fogo. Focos de incêndio infestam o território. A fuligem inunda as cidades. Mais um pedaço da crise climática. - São Paulo respira o pior ar do planeta. - Macaé Evaristo, a nova ministra dos Direitos Humanos, é mais um pé do PT na máquina governamental. - Tem muita gente apostando em Pablo Marçal. Este analista não acredita na eleição de um ícone da desrazão. - O clima das ruas é de muita tranquilidade. Sem agitação de bandeiras de candidatos. Eleitor mais circunspecto. - Chama a atenção o número de militares aposentados. De generais a coronéis. Fecho com o brigadeiro Eduardo Gomes. Precisamos trabalhar O brigadeiro Eduardo Gomes fazia, no largo da Carioca (Rio de Janeiro), seu primeiro comício da campanha presidencial de 1945. A multidão o ouvia em silêncio: - Brasileiros, precisamos trabalhar! Do meio do povo, uma voz poderosa gritou: - Já começou a perseguição! Bagunça geral. O comício quase acabou.
quarta-feira, 31 de julho de 2024

Porandubas nº 858

Abro a coluna com a fala do candidato a prefeito, em tempos idos, em uma cidade do Ceará. Meu povo e minha pova Parece absurda, mas é verdadeira. Deixamos de dar os nomes para evitar constrangimentos às famílias. Um ex-prefeito de Aracati, cidade litorânea do Ceará, em comício animado, gritou no palanque: "Meu povo e minha pova. Vou ser reeleito prefeito de Aracati com minha fé e as fezes de vocês". E foi. Parte I A primeira parte da coluna procura mostrar os dribles da política. Valho-me de dois livros. Manual dos inquisidores e breviário dos políticos O livro "Manual dos Inquisidores" é um relato da crueldade da igreja nos tempos da Inquisição. Um pesadelo. Foi escrito pelo dominicano Nicolau Eymerich, que nasceu em 1320, em Gerona, reino de Catalunha e Aragão. Trata-se de um dos primeiros livros a serem impressos, em 1503, em Barcelona. Mas o livro foi escrito em 1376, em Avinhão, quando o frei estava no exílio. Foi revisto e ampliado por outro frade, Francisco de La Pena, em 1578. Trata-se de minuciosa coletânea a respeito de heresias, a lógica inquisitorial, os truques, a pressão dos inquisidores, os indícios para reconhecimento dos hereges. Dez truques Os dez truques dos hereges para responder sem confessar (Explico: a escolha desse roteiro tem o propósito de mostrar como alguns políticos usam artifícios semelhantes em sua fala cotidiana. 1. A primeira consiste em responder de maneira ambígua. 2. O segundo truque consiste em responder acrescentando uma condição. 3. O terceiro truque consiste em inverter a pergunta. 4. O quarto truque consiste em se fingir surpreso. 5. O quinto truque consiste em mudar as palavras da pergunta. 6. O sexto truque consiste em clara deturpação das palavras. 7. O sétimo truque consiste numa autojustificação. 8. O oitavo truque consiste em fingir uma súbita debilidade física. 9. O nono truque consiste em simular idiotice ou demência. 10. O décimo truque consiste em se dar ares de santidade. Com esses truques, os hereges tentavam driblar respostas ao inquisidor. Matreirice Alguns políticos brasileiros são conhecidos por sua matreirice na técnica da entrevista. Respondem apenas aquilo que querem. O modelo mais citado para este caso é o ex-governador e ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf. É conhecido pela arte de dizer o que não foi perguntado e não dizer o que todos querem ouvir. Embasbacado No início de minha carreira profissional, em Recife, na Sudene, perguntei a Roberto Campos, ministro do Planejamento do presidente Castelo Branco, se sua estratégia não era o de pulverizar as verbas que, na época, em 1965, o governo tinha para aplicar na região Nordeste. O conceito de pulverização era a distribuição das verbas, de maneira franciscana, um pouquinho a cada Estado, uma migalha, o que poderia não gerar os resultados desejados. Contestador, dialético, Bob Fields (como era conhecido), pegou o foca (eu mesmo) de surpresa: "o que senhor entende por pulverização"? O inquisidor era eu, mas o herege mudou o curso da inquisição. Exemplos prontos do segundo e terceiro truques dos hereges. A resposta que ele daria estava amarrada à condição de que eu soubesse explicar para uma plateia atenta e mais velha o sentido da pergunta. Dependendo do meu conceito sobre pulverização, ele seguramente devolveria a pergunta com alguma gozação. Lembre-se que naqueles tempos de chumbo, o medo imperava nas redações. Poderia ele, por exemplo, responder qualquer coisa, e até fazer uma nova provocação: "e você, o que faria com as verbas?" Engasguei-me, fiquei calado e o ministro avançou na peroração erudita. Jânio Jânio Quadros, por sua vez, era perito na arte de se fazer de surpreso. Perguntado por Leon Eliachar se o oval da Esso é mesmo oval ou aval, Jânio se toma de surpresa e arremete: "sugiro-lhe, amistosamente, uma consulta a qualquer psicanalista. O Brasil é tão mencionado nesse seu questionário, quanto a Esso". Foi uma tremenda gozação. E diante da pergunta: "qual será seu slogan, 50 anos em 5 ou 5 anos em 60"? Jânio não hesita: "50 anos em 5, mais o pagamento dos atrasados". Mudar o sentido das perguntas O truque de dar uma condição é matreirice das boas. "O senhor acredita em Deus" . Resposta: "se for provado que ele existe, acredito, sim." O truque de mudar as palavras das perguntas é muito comum no meio político. Ao político, é perguntado algo assim: "o senhor vai dizer tudo que sabe aos procuradores"? E ele responde: "quem diz a verdade, tem tudo a seu favor. Quem não deve, não teme". O truque de deturpar as palavras é usual. Exemplo: "o sr. acredita que o relatório do Banco Central não vai condená-lo?" Resposta: "o relatório pode ser uma peça de condenação ou de inocência. Se não comprova nada sobre minha pessoa, sou inocente. Quem me condena não é o banco. É a imprensa". Começa a falar de sua vida e a discorrer da sofrida trajetória. O truque da autojustificação, na área política, é uma espécie de artimanha que procura encobrir a verdade: "o senhor favoreceu fulano de tal, que tem uma grande folha corrida no campo da corrupção". E o político responde: "sou uma pessoa que acredita nos outros; sou de boa-fé, sempre procurei ajudar. Se alguém utilizou de minha boa-fé, certamente não foi com minha aprovação. Se soubesse que fulano era corrupto, não teria lhe dado ajuda". Debilitação física Em inquéritos midiáticos, como CPIs de impacto, depoentes conseguem se amparar no recurso da súbita debilidade física. Lembro, no passado, juízes envolvidos no escândalo do prédio do Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo, que apelaram para a debilitação física para obter regalias. Simular idiotice ou demência não é comum na cultura política, apesar de alguns políticos, sadios e inteligentes, demonstrarem, frequentemente, sintomas de demência. E, no capítulo da santificação, a regra é comum: políticos brasileiros não costumam reconhecer o erro, o pecado. Dizem-se inocentes e santos. Orgulhosos, luxuriosos, invejosos, vaidosos apresentam-se como franciscanos, beneditinos, lazaristas, integrantes de uma solidária comunidade ética e cristã. É assim a política. O cardeal Mazzarino Já o livro do cardeal Mazzarino é um manual da enganação. Eis seus preceitos: Simula e dissimula Mostra-te amigo de todo mundo, conversa com todo mundo, inclusive com aqueles que odeias; eles te ensinarão a circunspeção. De qualquer modo, esconde tuas cóleras, pois um só acesso prejudicará o teu renome em proporções muito maiores do que a capacidade de te embelezar de todas as tuas virtudes reunidas. Prefere os empreendimentos fáceis por seres mais facilmente obedecido e, quando tiveres que escolher entre duas vias de ação, prefere a facilidade à grandeza com todos os aborrecimentos que ela comporta. Age de modo que ninguém saiba tua opinião sobre um assunto, a extensão de tua informação, nem sobre o que queres, com o que te ocupas ou o que temes. Mas não convém esconder em demasia tuas virtudes nem te encolerizar com a demora das cerimônias religiosas, sem no entanto fazer-se de devoto. Mesmo que um pouco de brutalidade te permita obter alguma coisa, não faças uso dela. Não confies em ninguém Quando alguém fala bem de ti, podes estar certo de que ele te escarnece. Não confies segredos a ninguém. Mesmo se frequentemente teu valor é ignorado, não te faças valer a ti mesmo, nem tampouco te desvalorizes. Os outros te espreitam e esperam teu primeiro momento de relaxamento para te julgar. Se alguém te interpela e te insulta, pensa que está pondo à prova tua virtude. Os amigos não existem, há apenas pessoas que fingem amizade. Fala bem de todo mundo Fala bem de todos, jamais fales mal de alguém, temendo que um terceiro te escuta e vá relatar tudo à pessoa mencionada. Dos superiores só fala bem e louva especialmente aqueles de quem precisas. Uma veste presenteada, um repasto oferecido, serão sempre, a te ouvir, os mais belos do mundo. Prevê antes de agir E antes de falar. Se poucas são as chances de que se deforme para melhor o que fazes, o que dizes, podes estar certo de que, em compensação, tuas palavras e gestos serão deformados para pior. Atenção! Pode ser que neste exato momento haja alguém por perto que te observa ou te escuta, alguém que não podes ver". Um coronel dos coronéis O cardeal Mazzarino, convenhamos, não é nenhum ideal de santidade e nem mesmo um exemplo de orgulho na galeria do cardinalato. Até porque recebeu o título de monsenhor sem nunca ter se ordenado padre. Ganhou o título do papa, em 1632, para realizar missões diplomáticas. Como se pode concluir, Mazzarino foi um político de mão-cheia. Entre nós, seria um "coronel dos coronéis". Trata-se de um político que faz sua cartilha de valores a partir do cinismo, da falta de escrúpulos, da emboscada, do embuste, da falsidade e da dissimulação, entre outros conceitos negativos. Trata-se de um cultor do pragmatismo ou, numa visão mais brasileira, um legítimo representante do preceito franciscano "é dando que se recebe". Uma base amoral Mazzarino constrói seu discurso sobre uma base amoral, onde a meta de atingir o poder absoluto ocupa o espaço central. Não deixa de ser uma confissão sobre a descrença nos valores do homem. Nesse sentido, os preceitos do cardeal podem se constituir em ferramenta afiada para políticos inescrupulosos que colocam a ambição desvairada pelo poder acima de tudo e de todos. Tudo vale, tudo pode ser empregado na política. Diferentemente de O Príncipe, de Maquiavel, o livro do cardeal Mazzarino é uma sequência de máximas assistemáticas e anárquicas. Parte II Raspando o tacho - Nicolas Maduro fez mais uma das suas. Garantiu que Deus pôs a mão nas urnas e abençoou seu nome. Deu uma de herege com direito a seguir o cardeal Mazzarino. - A posição do Brasil sobre a Venezuela e o resultado do pleito fica em compasso de espera. Entre a cruz e a espada. - O discurso de Lula, fazendo prestação de contas de 18 meses de governo, teve baixa repercussão. - O ministro Fernando Haddad enfrenta uma ala do PT, que defende muita gastança. O partido vive fase de querelas internas. - Bolsonaro entra de corpo e alma nas campanhas municipais, sob a meta de adensar e fortalecer o PL, a partir das bases. - Valdemar da Costa Neto, quem diria, está vestindo o manto de dirigente do maior partido nacional. Com direito a dar as cartas do jogo. Fecho a coluna com um conselho aos candidatos. Princípios orientadores na busca do voto 1. Procurem expressar a característica mais importante de sua identidade - o foco. 2. Não esqueçam que o eleitor deseja travar conhecimento com o personagem. Circular no meio do povo é importante. Façam um esforço para multiplicar presença em vários locais - a onipresença é um valor insuperável. Planejar eventos rápidos em lugares e bairros diferentes em um mesmo dia. O mundo gira e a Lusitana roda.
quarta-feira, 24 de julho de 2024

Porandubas nº 857

Parte I - Refrescando a memória Tempos de recordar. Lembrar um pouco o passado Pinço os últimos momentos de Getúlio Vargas, pela expressão da historiadora Isabel Lustosa: - "na última reunião ministerial, a amarga e triste indiferença. A drástica decisão talvez já tomada. O olhar da distância para o companheiro de tantos anos: Oswaldo Aranha; para o fiel ministro Tancredo Neves; para a diligente e querida filha Alzira. A farsa da licença armada pelos ministros militares, em que nem ele mesmo acredita. Silenciosamente assina um papel que guarda no bolso. Dá a caneta a Tancredo, como lembrança daqueles dias. É inútil. O tiro - O dia amanhece. Os primeiros raios de sol brincam nos cristais da sala de banquetes, iluminando rostos cansados. Concede, por fim, a licença. Mais para desfazer-se das companhias do que por crer que fará uso dela. Retiram-se todos. - O passo cansado o carrega, escada acima, rumo aos aposentos. Já de pijama - o pijama de listras - atende a Beijo (Beijo era o irmão de Vargas que cuidava da segurança): - Getúlio, querem que vá depor no Galeão. Diz aos oficiais: - Beijo não vai agora, só amanhã. - Vai ao gabinete, apanha o revólver. Volta ao quarto, senta-se e atira. Justo no lugar que o filho Lutero ensinara. Um tiro no coração. Cai de mansinho sobre o travesseiro. Agora, descansa." O desencanto A deposição e o suicídio de Vargas, em 24 de agosto de 1954, significaram, de certa forma, a vitória da corrente internacionalista, sendo a carta-testamento um testemunho do desencanto do presidente. Portanto, a avaliação da comunicação política do ciclo Vargas está atrelada ao movimento populista que ele criou e que deixou de herança para o sucessor. Uma herança em que ele, de forma trágica, celebrizou na carta-documento que deixou. A carta Lá se podia sentir o pulsar da política populista que inspirou sua trajetória: "se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto minha vida... Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência... Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história". JK O governo seguinte, de Juscelino Kubitschek, mineiro de Diamantina, médico, Nonô para os íntimos, eleito pela coligação de forças populistas PSD-PTB, cuja campanha será analisada mais adiante, no capítulo do marketing político, deu, de certa forma, continuidade na política de massa getulista, com a diferença de que foi este presidente simpático e carismático o responsável por uma base desenvolvimentista amparada na internacionalização da economia. O modelo getulista era centrado no desenvolvimento econômico em bases nacionalistas. Juscelino imprimiu ao desenvolvimento o selo internacional. O Plano de Metas foi uma tentativa de recuperar a dimensão econômica garantida por Getúlio, indo mais além. O Brasil moderno No que se refere ao aparato de comunicação política, pode-se dizer que, no ciclo Kubitschek, o estilo foi o homem. Juscelino sabia se comunicar com as massas, trabalhando muito bem as estratégias de mobilização. Figura das mais simpáticas da política brasileira, era jovial, alegre, encarnando o Brasil moderno. Em 1959, o palhaço carequinha popularizou uma batucada de Miguel Gustavo - Dá um jeito nele, Nonô ("meu dinheiro não tem mais valor. Meu cruzeiro não vale nada. Já não dá nem pra cocada. Já não compra mais banana. Já não bebe mais café. Já não pode andar de bonde. Nem chupar picolé. Afinal, esse cruzeiro, é dinheiro ou não é?"). Brasília O clima ambiental era de descontração, como demonstra esta historieta gráfica da revista Careta: "Juscelino: Preciso de divisas, ouro, seu Alkimin, para as realizações do meu governo. O ministro: Ouro, seu Juscelino?! Eu sou Alkimin, não sou alquimista". JK, o peixe vivo da modinha mineira, usava muito a Voz do Brasil para difundir seu Plano de Metas guiado pelo lema 50 anos em 5. Mas a consagração de Juscelino veio com Brasília, cuja ideia ele confessa ter tido como "resposta a um pedido feito num comício em uma cidadezinha do sertão de Goiás". Em 21 de abril de 1961, o sonho era realizado, com ampla cobertura, incluindo retransmissão da inauguração pela Rádio Vaticano. O papa João XXIII parabenizou os brasileiros, segundo registra Lílian Maria F. de Lima Perosa, em sua dissertação de mestrado "A Hora do Clique", uma análise do programa de Rádio Voz do Brasil. JQ O breve período Jânio Quadros está inserido em uma moldura que tem como centro a própria figura presidencial, ele mesmo considerado um perito intuitivo do marketing político contemporâneo. A renúncia de Jânio, considerada traição aos seis milhões de eleitores que confiaram nele, deu lugar ao vice, João Goulart, ensejando o adensamento da política de massas e as grandes mobilizações sociais, pano de fundo para o aprofundamento de rupturas estruturais, consideradas, na época, indispensáveis para a execução de uma política internacionalista de esquerda. Jango Jango recebeu um governo de poderes limitados, por meio da implantação do sistema parlamentarista, negociado e aprovado pelos dois grandes partidos da época, o PSD e a UDN. Mas João Goulart, identificado com o petebismo, decidiu implantar um conjunto apreciável de reformas, que tinham como vértice o adensamento do populismo e o fortalecimento do capitalismo nacional. Suas reformas abrangiam as áreas agrária, bancária, administrativa, fiscal, tributária etc. Mas as reformas sofriam oposição do Conselho de Ministros. Em 23 de janeiro de 1963, caiu a emenda parlamentarista e Jango assumiu o governo com a força do presidencialismo. Apresentou ao país um Plano Trienal. 1964 A mobilização do povo para o comício do dia 13 de março de 1964 - pelas chamadas reformas de base e em oposição às tendências conservadoras do Congresso Nacional - significou o clímax da política de massas como estratégia de sustentação do poder político. A mobilização das classes médias, a partir de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, com o apoio e o incentivo das Forças Armadas, contra o comunismo e a corrupção, convergiu para a Marcha da Família com Deus, pela Liberdade, esteio do golpe de 31 de março de 1964. Os militares, que já haviam participado dos golpes de 1937, 1945, 1955, apareceram mais uma vez em cena, desta feita para comandar um ciclo que foi de 1964 ao princípio da década de 80. Parte II Raspando o tacho - Os democratas, nos EUA, voltaram ao palco das boas expectativas ante a possibilidade da vice-presidente Kamala Harris assumir o lugar do presidente Joe Biden como candidata. E haja doação para a campanha. - Que Lula atente bem para as falas de improviso. Qualquer gafe ou deslize verbal irá para a conta da idade. Terá 81 anos em 2026, mesma idade de Biden, hoje. Janja faz bem em alertá-lo. Deve seguir o script. - O PL de Valdemar da Costa Neto quer fazer a maior baciada de prefeitos e vereadores no pleito de outubro. Bolsonaro é o pano de fundo. E São Paulo, capital, a joia preciosa. - Rosana Valle, deputada Federal do PL, lidera a corrida em Santos, com 40,65% das intenções de voto, segundo o Paraná Pesquisas. Rogério Santos, atual prefeito, do partido Republicanos, vem em segundo lugar, com 26,5%, e em terceiro, a ex-prefeita, do PT, Telma de Souza, com 15,8%. - Anotem: se Eduardo Paes for reeleito este ano (seria o quarto mandato), deverá ficar no cargo até 2026, quando deixará a cadeira para o vice. Mira a cadeira de governador. Ainda não tem o candidato a vice (Pedro Paulo, o deputado amigo de Paes, parece não querer a vice). - João Campos, do PSB, é candidato à reeleição em Recife, onde tem mais de 70% de aprovação. Mas seu olho se volta para o governo de Pernambuco, que sonha disputar mais adiante, seguindo os passos do falecido pai, Eduardo Campos e do bisavô, Miguel Arraes (1916-2005), eleito governador de Pernambuco por três vezes (1962-1964/1987-1990/1995-1998). - A campanha de São Paulo está embolada. José Luiz Datena, do PSDB, renunciará, se perceber "sacanagem" dos tucanos contra ele. - Descoberta a maior reserva de petróleo do mundo: 511 bilhões de barris. Na Antártica, numa área disputada entre Argentina e Chile. 32 vezes a reserva brasileira, mais que o dobro da reserva da Arábia Saudita, 10 vezes maior do que a reserva do mar do Norte. Fecho a coluna com o marechal Eurico Gaspar Dutra. O C pelo X Vamos lembrar a conversa cheia de x do marechal Eurico Gaspar Dutra (1945/1951). O marechal trocava o c pelo x. Ganhou uma marcha carnavalesca no carnaval de 51: Voxê qué xabêVoxê qué xabêNão pixija sabêPra que voxê qué xabê? O ex-secretário de Planejamento e Gestão do Estado da Paraíba, Osman Cartaxo, pinça do arquivo de seus engraçados "causos" uma historinha do marechal. De manhã, bem cedo, o marechal saiu do hotel e começou a passear na parede do açude de Pilões, nos confins da Paraíba. O matuto viu aquela figura fardada e tascou: - Bom dia, coronel. O velho marechal respondeu de pronto: - Não xô coronel. Xô o presidente da República. O matuto emendou: - Mas não é coronel porque não quer.
quarta-feira, 17 de julho de 2024

Porandubas nº 856

A coluna de hoje analisa aspectos e impactos que cercam o atentado contra o ex-presidente Donald Trump. 1. Polarização - O atentado ocorreu na moldura de polarização que cerca a campanha norte-americana. Mesmo não se sabendo ainda os reais motivos que provocaram o feito cometido por um jovem de 20 anos, aliás, inscrito na lista de votantes do partido republicano, o acirramento de ânimos é um fator por trás do acontecimento. 2. Armas - A facilidade para a compra de armas também é um elemento a se considerar. O pai do jovem teria adquirido o rifle AR-15, 6 meses antes. E, de maneira legal. 3. Bullying na escola - O jovem teria problemas mentais, fruto de bullying sofrido na escola. 4. Aura de herói e mártir - O atentado gera uma aura de simpatia na imagem de Donald Trump. Aparece como vítima. Trump, que enfrenta uma bateria de acusações, atenua, a partir desse atentado contra sua vida, a imagem de radical, intempestivo, frívolo, desembestado, ameaça à democracia. Torna-se vítima. 5. Solidariedade - Os eleitores tendem a se solidarizar com a vítima e a abominar o agressor. Dessa forma, Trump consolida sua posição de favorito na campanha eleitoral, aumentando a margem de intenção de voto sobre o presidente Joe Biden. 6. Purgação de pecados - A situação de vitimado, alvo do radicalismo, beneficia Trump, que acaba "purgando seus pecados", e deixando Biden como o principal responsável pelo "sistema", o status quo, o establishment que propiciou as condições para a ocorrência criminosa. 7. Foto icônica - Esperto e ágil, Trump produziu a foto icônica, nos primeiros minutos pós-atentado: sangue na orelha direita e na bochecha, punhos cerrados e o grito: lutem, lutem, lutem. Pátria unida. Desse modo, identifica-se com o sentimento da unidade nacional. A foto entra no registro das imagens fortes da história. 8. A força dos símbolos - Trump, com sua face borrada de sangue, inscreve-se no hall da fama. Sob a aura de um forte símbolo. O emprego de símbolos é um dos estratagemas mais eficazes preferidos pelos líderes para dirigir as massas, para aspirar e inspirar as emoções das multidões (to siphon emotion), segundo a expressão de Walter Lippmann, que escreveu o clássico livro sobre Opinião Pública. "Um truque para criar o sentimento da solidariedade e, ao mesmo tempo, explorar a excitação das massas". 9. O símbolo segundo Tchakhotine - "O símbolo pode desempenhar, na formação de reflexos condicionados (como decorre de todo nosso raciocínio) o papel de fator condicionante, que, enxertando-se sobre um reflexo preexistente, absoluto, ou sob um reflexo condicionado constituído anteriormente, adquire, por sua vez, a possibilidade de tornar-se um excitante, determinando essa ou aquela reação desejada por quem faz esse símbolo sobre a afetividade de outros indivíduos. A palavra, falada ou escrita, pode ser utilizada para representar um fato concreto, único e simples, ou um conjunto de fatos, mais ou menos complexos, assim como uma abstração ou todo um feixe de ideias abstratas, científicas ou filosóficas." (Serge Tchakhotine In Mistificação das Massas pela Propaganda Política). 10. Arquivamento de processo - A decisão de uma juíza de arquivar um processo contra Trump, aquele que trata de documentos secretos, já pode se inscrever na lista de impactos gerados pelo atentado. 11. Um vice de 39 anos - J.D Vance, senador pelo Estado de Ohio, foi o escolhido por Trump para compor sua chapa como vice-presidente. O senador culpou "retórica" da campanha de reeleição de Biden pelo atentado contra Trump, que aconteceu no último sábado, 13. Vance escreveu no X que a tentativa de assassinato não foi um incidente isolado. "A premissa central da campanha de Biden é que o presidente Donald Trump é um fascista autoritário que deve ser parado a qualquer custo. Essa retórica levou diretamente à tentativa de assassinato do Presidente Trump". O senador destaca-se, ainda, por sua capacidade de arrecadar grandes somas de dinheiro para o partido. 12. Mobilização - O atentado puxará contingentes para as ruas, criando maior engajamento das massas. Teremos mais vibração nas ruas e esse clima tende a favorecer o candidato que lidera a corrida. 13. Biden pressionado - Biden está entre a cruz e a espada. Pressionado por forças do partido democrata e por fortes influenciadores, parece aturdido. Fez uma defesa da democracia, combatendo o uso da violência, mas o quadro não lhe é favorável. 14. Democratas divididos - A divisão entre o entorno do presidente, simpatizantes, ainda que em menor escala, e grupos que pedem seu afastamento, deixam Biden muito vulnerável. 15. O homem e suas circunstâncias - Nesse momento, é oportuna a expressão de Ortega y Gasset, filósofo espanhol (1883-1955). Do começo ao fim da vida, o homem navega por um oceano de aprendizado. Está sempre em mudança. A verdade depende de cada um. Nunca esse axioma foi tão recorrente. O ritmo de mudanças vivenciado no planeta é acelerado. Nos campos tecnológico, biogenético e de sondagem sobre a natureza do universo, os avanços são extraordinários. 16. Os figurantes - Usam a linguagem da oportunidade. Cobertor social, cestas básicas, auxílio emergencial, eleição de personagens identificados com o selo de mártir, herói, vítima, Salvadores da Pátria. Pais da União Nacional. 17. Vingança e ódio - O ódio passa a ser destilado nas fontes de apoio - bases e simpatizantes - e distribuído em imensos jorros pelas redes sociais e nos contatos entre interlocutores, em nome da defesa de seus "heróis-patrocinadores". Pessoas de quem se imaginava terem uma cota mínima de racionalidade embarcam com as caravanas da bajulação. A convivialidade, que se apresenta como um grau elevado do estágio civilizatório, vai para o buraco. As correntes do ódio assumem posicionamentos que mais se assemelham à invasão da barbárie sobre o planeta. 18. Contra a imigração - O mundo, até pouco, era carimbado como aldeia global. Todos por um, um por todos. Vimos, maravilhados, a quebra de fronteiras físicas e espirituais, com a ascensão de pobres e necessitados ao banquete dos ricos. Grandes Nações acolhiam imigrantes. Davam-lhes um teto e comida. E o que temos visto nos quadrantes do planeta? Trump diz que foi salvo por ter voltado sua cabeça para um gráfico sobre imigração nos EUA. Ele levanta a bandeira: imigrantes, não. Make America great again. 19. O consumo de informação - A pressa, a rapidez, a competição desvairada em um mundo de carências crescentes impedem que a natureza seletiva do homem exerça sua função de enxergar conceitos de certo e errado, viável e inviável, justo e injusto. A abundância informativa acaba entupindo os filtros que purificam as águas. As pessoas acabam misturando coisas, sorvendo misturas maléficas. O eleitor americano consome uma gigantesca cascata de mensagens de tom emotivo. 20. O imponderável Já narrei este ca(u)so. Mas pela oportunidade do assunto, volto com ele. O imponderável costuma mudar o rumo da história. Um exemplo. 1986. Comício de encerramento da campanha de Freitas Neto (PFL) ao governo do Piauí. Os carros de som anunciavam, desde cedo, o grande comício de fechamento da campanha. Um espetáculo com o showmício da grande cantora Elba Ramalho. Na época, as carretas com imensos aparelhos de som saíram do Rio de Janeiro, dez dias antes da data. Mas as fortes chuvas na região atrapalharam o transporte. A lama nas estradas atrasou a chegada. O som chegou quase em cima da hora do comício na Praça do Marquês. Coordenador da campanha do candidato, cheguei ao local um pouco antes para ver o ambiente. O toró... Os técnicos se esforçavam para instalar os aparelhos e arrumar os grossos cabos. 18 horas. Um toró (como se diz no Nordeste) começa a cair. A chuva torrencial fez a grande festa na praça lotada. Três mil piauienses pulavam entusiasmados sob a água que caia. As garrafas de cachaça corriam de mão a mão. De repente, um estrondo, seguido de outros. Fogo e fumaça nos cabos. Corre-corre dos técnicos e o aviso: "Acabou o som. Não há condição." Não havia aquele tipo de cabo. Elba Ramalho foi logo dizendo: - Está aqui meu contrato. Sem som, não canto. Conversa daqui, conversa dali, aflição por todos os lados. Depois de muita insistência, ela admite: - Cantarei uma música, só, e me arranjem um acompanhamento. Saiu não sei de onde um cara com um banjo. O povão gritava: - Elba, Elba, Elba, cadê a Elba ? Bate, bate, bate, coração... A cantora saiu de trás. A multidão explodiu. E lá vem a música: - Bate, bate, bate, coração! Nem bem terminava a estrofe, Elba parou. Presenciei, ali, uma das maiores aflições de minha vida, um esculacho na massa: - Seus imbecis, seus loucos, covardes, miseráveis. Como podem fazer uma coisa dessas? O que era aquilo? Por que aquele carão? Olhei para o meio da multidão. E vi a cena: um sujeito abrindo a boca de um jumento, enquanto outro despejava nela uma garrafa de cachaça. Foi o toque que faltava para o anticlímax. Quanto mais Elba xingava a multidão, mais apupos, mais vaias. No dia seguinte, Teresina respirava um ar de gozação. O showmício de Freitas Neto foi um desastre. Senti o ar pesado. Pesquisas nos davam 3% de maioria sobre Alberto Silva, candidato do PMDB. Perdemos a campanha por 1%. O desastre virou o clima. Quando faço palestras sobre Marketing Político, costumam me perguntar: - Professor, qual é o fator imponderável em campanha eleitoral? Na bucha, respondo: - Um jumento bêbado no Piauí. 21. O mundo gira e a Lusitana roda
quarta-feira, 10 de julho de 2024

Porandubas nº 855

I Parte Abro a coluna com os puxa-sacos e a farta de feição. Tempos eleitorais. Tempos de fidelidade e infidelidade. Guararé era cabo eleitoral do governador Sebastião Archer, do Maranhão. Convenção do PSD, alguém acusou Guararé de puxa-saco. Guararé argumentou: - Cada um puxa quem pode. Eu puxo o senhor, governador Archer. O senhor já puxa o senador Vitorino Freire. E o senador puxa o general Dutra. É a lei da fidelidade partidária. Farta feição José Aparecido chegou à sua Conceição do Mato Dentro/MG, começou a romaria dos amigos. Entrou um coronel, mansos passos e chapéu na mão: - Bom dia, doutor. Boa viagem? - Boa. Como vão as coisas? - Tudo correndo como de costume. Novidade aqui nunca tem e lá pra fora não sei, porque minha televisão está defeituada. - O que é que aconteceu com ela? - Não sei não. Às vez, farta prosa, às vez farta feição. (José Aparecido foi deputado federal, ministro da Cultura, governador de Brasília e embaixador em Portugal. Excepcional figura, amigo de meu irmão, Ivonildo Torquato, médico-cirurgião, que o operou no HSE, RJ). A grandeza de uma nação A grandeza de uma Nação não é apenas a soma de suas riquezas materiais, o produto nacional bruto. É o conjunto de seus valores, o sentimento de pátria, a fé e a crença do povo, o sentido de família, o culto às tradições e aos costumes, o respeito aos velhos, o amor às crianças, o respeito às leis, a visão de liberdade, a chama cívica que faz correr nas veias dos cidadãos o orgulho pela terra onde nasceram. A anulação de alguns desses elementos espirituais faz das Nações uma terra selvagem. E isso se deve em grande parte à incúria dos políticos, cujo olhar se descola da realidade social para mirar o espelho narcisista das ambições pessoais. A mesmice A observação acima parte da análise dos sentimentos de nosso povo, a partir do descrédito nas instituições, revelado por pesquisas de opinião nesses tempos de tomada de pulso no ânimo da comunidade. A sensação é de mesmice. De falta de novidade. Não são apenas as gritantes estatísticas de violência das metrópoles que assustam. Os assassinatos tornam-se eventos banais. O desânimo ronda as famílias e deflagra ondas de medo, corroendo energias e esperança. Os serviços públicos caem de qualidade, não passando de retórica ficcionista dos Governos apontar melhorias. As cenas de queimadas de tão recorrentes, não mais provocam compaixão. Pertencem a uma cosmética de destruição que coloniza nossas mentes. Deterioração Os bilhões que o governo anuncia para as áreas sociais não conseguem melhorar a saúde, a educação, o saneamento básico, os transportes urbanos, a segurança pública. Em alguns Estados, fabulosas cifras desaparecem como por encanto. E o que faz a maioria de nossos governantes? Ou não faz a lição de casa ou trava uma queda de braços com o Governo Federal. A polarização se espraia pelas redes sociais. Bolsonaro e Lula correm o país na busca de multidões. Lula, mais nos gabinetes; Jair Messias, mais nas ruas. Tem faltado grandeza aos nossos políticos. A crise social continua tocando as entranhas de todos os setores da vida nacional. O escárnio de certos representantes chega às raias do absurdo. Uma luta se instala na Praça dos Três Poderes, em Brasília, escancarando atritos entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. É triste, muito triste. A vida no país não está sendo nem um pouco bela. Adeus aos sonhos Os sonhos dourados dão adeus. Um povo sem esperança é como uma árvore desfolhada, sem viço e com a cor das coisas mortas. O povo brasileiro pena suas amarguras no deserto frio das desesperanças. Um povo sem sonhos é uma entidade sem espírito e sem direção. Tiraram-lhe a vontade, a admiração pelos ritos da Pátria e o respeito às instituições. Os dois Brasis se mostram por inteiro. Um, grande e periférico, abriga estômagos famintos e bocas sedentas; outro, pequeno e central, ocupado por bocas gananciosas e mentes matreiras, ciosas de seu raio de ação, de seu poder e de sua capacidade de fazer amigos e influenciar pessoas. A ilha da fantasia O Brasil do centro conta com instrumentos poderosos. Seu pensamento penetra em vasos capilares e chega ao último dos pequenos mortais. Sua voz é tonitruante e multiplicada. O Brasil distante fala por meio de onomatopeias. As falas do grande silêncio jamais são ouvidas por ouvidos acostumados ao barulho dos grandes negócios. Por isso mesmo, as massas mais ouvem que dizem. Com um porém: há um momento em que, de tanto ouvir a mesmice e sentir a presença das mesmas pessoas, as massas chegam a um limite de saturação. Um bumerangue pode explodir na cara dos alto-falantes de plantão. Na Ilha da Fantasia, Brasília. O grande festival continua. Desfiles de siglas e pessoas se sucedem, no anfiteatro que junta gladiadores romanos, com espadas cortantes; filhotes de Maquiavel, com suas táticas sorrateiras; crentes de prontidão, dispostos a jogar sua alma ao (des) serviço da Pátria; e comerciantes de plantão, que jogam suas decisões na bolsa das trocas de ocasião. II Parte Raspando o tacho Perfis em relevo - Lula da Silva- Acredita, mesmo, que fez e faz o melhor governo de todos os tempos. Convencido que é o Salvador da Pátria. - Messias Bolsonaro - Farto da cantilena: não vi as joias, não ouvi nada sobre suas vendas, não recebi grana nenhuma. Um inocente, que se esforça para ser o porta-voz dos desvalidos. Um "mito" no meio do mato.... - Fernando Haddad - Entre a cruz e a espada. Se gastar demais, o bicho pega; se gastar de menos, o bicho come. - Simone Tebet - O grito preso na garganta é o esforço das circunstâncias. Olhando o futuro. - Marina Silva - Um olho nas reservas de petróleo na foz do Amazonas, outro olho no cargo de ministra. Dois olhos perplexos e fixos na devastação do pantanal. - O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, suspeito de corrupção, com um pé fora da Esplanada dos Ministérios. - Geraldo Alckmin, o vice - Elogiado pela discrição. Um monumento ao bom senso. - Michele Bolsonaro, ensaiando entrada no palco senatorial do DF, de 2026. Piscando para o palco presidencial, no lugar do marido. - Flávio Bolsonaro, ensaiando entrada no palco senatorial do RJ, de 2026. Quer ser reeleito. - Eduardo Bolsonaro, ensaiando entrada no palco senatorial de SP, de 2026. - Carlos Bolsonaro, olhando para palcos senatoriais em Mato Grosso e Santa Catarina, de 2026. - Tarcísio de Freitas, tentando avaliar se o cavalo passará em frente do Palácio dos Bandeirantes, em 2026, e se teria condições de montar no animal. - Ronaldo Caiado - Botando a mão na testa para vencer os raios de sol e correr o país na tentativa de se fazer conhecer pelo eleitorado brasileiro. Em 2026, o país poderá ter uns 160 milhões de eleitores. Ou mais. - Marcio Macedo, ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência, provavelmente voltando para Sergipe, de olho nas eleições municipais de outubro próximo. O mundo gira e a Lusitana roda.
quarta-feira, 3 de julho de 2024

Porandubas nº 854

Abro a coluna com a sensação de que o planeta roda velozmente e a gente estancou de repente...Chico, em Paris, deve estar sentindo isso...  Tem dias que a gente se senteComo quem partiu ou morreuA gente estancou de repenteOu foi o mundo então que cresceuA gente quer ter voz ativaNo nosso destino mandarMas eis que chega a roda-vivaE carrega o destino pra láRoda mundo, roda-giganteRoda-moinho, roda piãoO tempo rodou num instanteNas voltas do meu coração  I Parte Na primeira parte, volto a comentar sobre a índole do eleitor brasileiro, um ente cheio de incertezas.  O eleitor duvidoso  Quem é o eleitor brasileiro? Esta pergunta, que é objeto central de interesse das campanhas eleitorais, merece uma reflexão diferente da que fazem os pesquisadores, que concentram sua atenção sobre aspectos de sexo, idade, renda e classe social. A melhor resposta pode ser dada pela leitura de alguns ensaios clássicos de antropologia e sociologia, entre os quais os produzidos por Darcy Ribeiro, em O Povo Brasileiro, J.O. de Meira Penna, em seu vigoroso Em Berço Esplêndido ou Roberto DaMatta, em Carnavais, Malandros e Heróis e O que faz o Brasil, Brasil?, para citar apenas três contemporâneos analistas da alma brasileira. Mais emoção, menos razão Um corte diagonal sobre o caráter nacional pode ser a pista para se desvendar os traços psicológicos do brasileiro que tomará a decisão de eleger cerca de 5570 prefeitos e um contingente de 58 mil vereadores em 6 de outubro próximo.  Antes, há de se fazer a ressalva de que milhares de eleitores estarão fora do traçado sociopsicológico aqui descrito, porque incorporam heranças culturais de outros povos. A racionalidade dominante na cultura anglo-saxã, por exemplo, contrapõe-se à emotividade e ao arcabouço criativo-festivo que influencia comportamentos, ações e decisões do homem dos Trópicos. Driblando a pergunta A tipologia humana essencialmente brasileira se rege por um alfabeto nítido que começa com a parte mais visível, que é a cor da pele. Os morenos e os pardos, que carregam a mistura do sangue do branco colonizador, do negro e do indígena, são a própria expressão da cultura do mais ou menos que sua pele exibe. "Quantas horas trabalha por semana? Mais ou menos 40 horas. É religioso? Sou católico, mas não praticante. Ou, ainda: sou ateu, graças a Deus". Ora, a tendência de querer ficar no meio termo ainda é reforçada pela condição de contemporizador, que transparece nas frequentes locuções "deixar estar para ver como fica", "deixa pra lá", "fulano, empurra com a barriga". Não por acaso, é assim empurrando que o presidente Lula costuma driblar muitas perguntas. A reforma tributária vem sendo empurrada com a barriga anos e anos. Mudança de voto Também não por acaso, milhões de eleitores ainda não escolheram seu candidato a prefeito, muito menos a vereador, o que farão nas últimas semanas antes do pleito de outubro. Há quem vá ao encontro das urnas sem candidatos a tiracolo. A indicação de mudança de voto recebe um alto índice de intenção, reforçando os traços de incerteza e dubiedade que caracterizam o perfil do eleitor, fruto, aliás, dos elementos de improvisação que se fazem presentes no caráter nacional. Há nisso alguma indicação de displicência? Sem dúvida e este é outro matiz do nosso perfil. Protelação  As decisões, que identificam uma forte cultura de protelação, são deixadas para a última hora na esteira de um comportamento que se identifica com um misto de lerdeza e negligência, despreocupação e negação de critérios de prioridade. Quem não tem na ponta da língua exemplos de obras mal construídas, trabalhos malfeitos, acabamentos defeituosos, sujeiras nos lugares públicos? Imediatismo O brasileiro é imediatista. Tem prazer pelas coisas que lhe trazem conforto ou benefício imediato. Daí não se interessar pela macro-política, a política dos grandes projetos, das grandes obras que gerarão efeitos benéficos no longo prazo. Mas é exigente em relação às coisas de seu cotidiano: a escola perto da casa, o transporte fácil, a segurança na rua, a comida barata, o emprego perto de casa. Sob tal aspecto, os candidatos terão de contemplar esses contingentes eleitorais - que constituem a grande maioria - com propostas de fácil compreensão e alto impacto para o bolso. Simpatia/antipatia A incerteza, traço cultural do caráter nacional, é visível nas mudanças de voto que o eleitor é capaz de fazer até o momento de chegar à urna. Argumentos fortes acabam derrubando convicções não estruturadas. Percebe-se que frequentemente o eleitor se motiva pela simpatia e empatia que o candidato irradia. Trata-se, assim, de cooptação passível de verificação. Nesse sentido, as pesquisas de intenção de voto aferem muito mais a visibilidade do candidato do que a efetiva decisão de voto. É como se o eleitor dissesse: eu vi o candidato, está bem na televisão, fala bem etc. Improvisar Deus carimbou alguns povos com tintas muito acentuadas. Diz-se que aos gregos concedeu o amor à ciência; aos povos asiáticos, o espírito combativo; aos egípcios e fenícios (sendo estes últimos os atuais libaneses), imprimiu a marca do amor ao dinheiro. Aos brasileiros, Deus deu a capacidade de improvisar mais que outras gentes. Não é de todo arriscada a inferência de que, no pleito de outubro, o eleitor usará muito a habilidade para improvisar, mudando de candidato até se fixar naquele que melhor proposta fizer para seu conforto.   Infidelidade Diz-se que os franceses amam a liberdade, como a amante, a quem se ligam apaixonadamente ou de quem se separam depois de uma violenta briga; que os ingleses amam a liberdade como a uma esposa fiel, em quem confiam e com quem mantém uma sólida relação, mesmo sem volúpia e atração; e que os alemães amam a liberdade como a uma abençoada avó, para a qual reservam o melhor cantinho perto da lareira, onde costumam esquecê-la. Já os brasileiros amam a liberdade como amam as muitas namoradas que costumam dispor, no vigor dos 18 anos, quando dedicam a cada uma o espaço de uma noite por semana.  A infidelidade do eleitor tem a ver com a incultura política que semeia florestas de desinteresse pelos espaços nacionais. II Parte Raspando o tacho - Lula diz que há uma conspiração contra nossa moeda. E ataca especuladores. Mas as seguidas falas do presidente contra o "mercado" ajudam a "conspiração". - O vaivém das pesquisas em São Paulo, capital, traz nuvens plúmbeas, deixando opaco o quadro do vencedor. Decisão a ser tomada pelo senhor eleitor nas bordas do pleito. - O Rio Grande do Sul continua castigado por enchentes. - O Pantanal continua castigado por incêndios. O Brasil dos contrastes. - Os incêndios florestais, provocados pela mão humana, batem recorde no país. - Chico Buarque, aos 80 anos, mostra-se disposto a continuar nos palcos. - Gilberto Gil, também aos 80 anos, fala em encerrar a carreira após giro internacional com a última performance. - O mundo gira e a Lusitana roda. Dito de uma transportadora paulista em tempos idos. - Muita gente prometendo ir a Paris por ocasião das olimpíadas. - A democracia parece entrar em recesso nesses dias de truculência do radicalismo político. - Jean Paul Prates, ex-presidente da Petrobras, sinaliza insatisfação com o PT, ameaça deixar o partido, e habilitar uma candidatura ao governo do RN em 2026. - Tenho visto muitos filmes nas telinhas da TV e nas telonas dos cinemas. Expressão mais presente nas cenas: tudo vai dar certo. Calma, vai dar tudo certo. Sugiro atentar por este sinal de esperança. - Donald Trump chega mais perto de uma vitória ante o desastre que foi a performance de Joe Biden no debate promovido pela CNN. - Marine Le Pen olhando os horizontes à espera da extrema direita na mesa do poder na França. O mundo gira.... - Roda mundo, roda-gigante- roda-moinho, roda pião- o tempo rodou num instante- nas voltas do meu coração. - Quiçá eu esteja errado. Sob o credo de Chico Buarque. Quiçá e cuíca Benedito Valadares, governador de MG, foi a Uberaba para abrir a Expozebu. E passou a ler o discurso preparado pela assessoria. A certa altura, mandou ver: "cuíca daqui saia o melhor gado do Brasil". Ali estava escrito: "quiçá daqui saia o melhor gado". A imprensa caiu de gozação. Passou-se o tempo. Tempos depois, em um baile na Pampulha, o maestro, lembrando-se do famoso discurso na terra do zebu, começou a apresentar ao governador os instrumentos da orquestra. Até chegar na fatídica cuíca. E assim falou: "e esta, senhor governador, é a célebre cuíca". Ao que Benedito, querendo dar o troco, redarguiu com inteira convicção: - Não caio mais nessa não. Isto é quiçá! (Historinha enviada por J. Geraldo).
quarta-feira, 26 de junho de 2024

Porandubas nº 853

Como sempre, abro com um hilário "causo". O milagre José Maria Alkmin, a raposa mineira, mestre da arte política, chegava da Europa com cinco garrafas enroladas na pasta. A alfândega quis saber o que era. - Água milagrosa de Fátima. - Mas tudo isso? - Lá em Minas o pessoal acredita muito nos milagres da água de Fátima. Não dá para quem quer. - O senhor pode desenrolar? - Pois não, meu filho. - Mas, deputado, isso é uísque. - Ué, não é que já se deu o milagre? Parte I O marketing de Aluízio Alves Descrevo, na primeira parte da coluna, a contribuição dada por Aluízio Alves, ex-governador do RN, para a fixação dos eixos do marketing político no país. Modesta contribuição para aclarar os primórdios da comunicação eleitoral no Brasil. Década de 60 O marketing político, no início da década de 60, ganhou um colorido todo especial com a campanha de Aluízio Alves, no Rio Grande do Norte. Jornalista, companheiro de Carlos Lacerda, na Tribuna da Imprensa, onde foi redator-chefe, deputado Federal aos 23 anos, cargo que ocupou quatro vezes, Aluízio, natural de Angicos/RN, fez a mais vibrante campanha de governo estadual de 1960, desenvolvendo uma trajetória que abriria espaços para a criação e consolidação da maior estrutura política do Rio Grande do Norte, nos últimos 40 anos. As vigílias da esperança Pela criatividade de seu estilo de fazer política e importância de suas campanhas para o marketing político, selecionei passagens de sua vida, algumas contadas por ele mesmo em conversas pessoais com este autor. Organizou, como deputado, a campanha "Um amigo em cada rua - 160 comícios em 16 dias e as Vigílias da Esperança". E, na campanha de 60, de certa forma, iniciava-se a profissionalização das atividades de marketing. Aluízio já carregava boa experiência das lides eleitorais. Com Lacerda, participou ativamente da campanha udenista contra Getúlio Vargas. Aluízio Alves, portanto, deputado Federal, não era jejuno. Arrumou um eficiente discurso e criou um dos mais eficazes sistemas de mobilização popular de que se tem notícia. Contratou a primeira pesquisa do Ibope a um precursor do marketing político, Albano, que orientara, em Pernambuco, a campanha vitoriosa de Cid Sampaio. Não gostou do plano que Albano apresentou. Ficou apenas com as pesquisas. Intuição Preferia guiar-se pelo feeling. Agia com apurada intuição. Se o adversário, Dinarte Mariz, o chamava de tuberculoso, respondia, para gáudio das massas: "é melhor ter tuberculose no pulmão do que ser tuberculoso das ideias". Transformava aparentes qualificações depreciativas feitas pelos adversários em aspectos positivos. Ganhou um apelido "cigano", que fez sucesso. O próprio Aluízio Alves conta: "Em Pau dos Ferros, o adversário (Djalma Marinho, apoiado por Dinarte Mariz) fez comício na véspera da minha chegada. E salientou que tinha uma vida organizada, com escritório de advogado em Natal etc., enquanto eu andava pelo Estado, de dia e de noite, sem almoçar ou jantar na casa dos líderes que me apoiavam, se dormia era nas estradas. Os amigos ficaram revoltados. E foram me esperar a dois quilômetros da cidade, para contar o episódio e dizerem que o povo todo estava aguardando a minha resposta no mesmo tom". O cigano - Ouvi as recomendações e fui para a cidade. Lá, a multidão ansiosa. Peguei o microfone e disse: "Pau dos Ferros, o cigano chegou". Sob aplausos constantes e cada vez mais entusiastas, comecei a ler as mãos do povo, como se fosse "cigano": a mão do agricultor, da dona de casa, do comerciante, do estudante. Foi um sucesso, que passei a repetir em outros lugares, sobretudo depois que dona Guiomar Morais fez a música do "Cigano", que logo se espalhou por todo o Estado e passou a ser "Cigano feiticeiro", porque na letra falava que o cigano a enfeitiçara. "Minha gentinha" À medida que meus comícios cresciam, em Natal, os adversários começaram a se impressionar e tratarem de desvalorizar aquelas multidões, dizendo que o povo não se assombrasse com aquelas multidões, pois a grande maioria era de "gentinha" analfabeta e de "crianças", que iam se divertir, mas não votavam. - A partir daí, adotei posições: me dirigia à "minha querida gentinha" e anunciava que tinha um segredo para dizer às crianças: elas podiam votar, mas eu só ensinava perto das eleições. E, assim, elas continuavam a ir aos comícios e a me procurar, com centenas de "lenços verdes". O povo gostou a tal ponto que, quando não dispúnhamos mais de lenços verdes para dar a multidão, esgotados os tecidos no comércio da capital, do interior, de João Pessoa, Campina Grande, na PB, explicávamos: "A minha gentinha não precisa de lenços, que são caros. Cada um, na sua pobreza, faz o seu lenço: arranca um galho de árvore e ele será lenço e bandeira". E aí, no exagero do entusiasmo, havia correligionários que levavam galhos de mamoeiro, cachos de bananas, cocos verdes, que levantavam nos braços na hora de aplaudir. E durante a noite inteira. Ainda não existia o Ibama. Nas madrugadas - Os comícios e passeatas atravessavam a noite e a madrugada. No começo, de 20h até 6 da manhã. Depois, do sábado à noite, dia e noite de feriados. Por quê? Porque, em 1958, eu fazia 10 comícios em Natal (160 em 16 dias) e o interior reclamava. Fiz a experiência em Parelhas. Saí de Natal às 23h, estrada de barro e buracos, cheguei às 4h da manhã, apenas para acordar os líderes e pedir desculpas. O povo estava todo na praça, cantando os hinos da campanha". A caravana verde da esperança A cor verde, ampliada, massificada, a ponto de chegar nas cumeeiras das casas mais distantes, por meio de bandeiras e bandeirolas que tremulavam ao vento, transformou-se num grande laço de integração do eleitorado. O verde era a metáfora da esperança. Até hoje, no Rio Grande do Norte, casas modestas, em recantos bucólicos, ainda se encontram, aqui e ali, vestígios esverdeados da famosa caravana da esperança. Nos comícios, o povo portava galhos verdes, que substituíam os lenços verdes, simbolizando a pobreza, o despojamento, a espontaneidade popular e o culto à natureza. Era uma campanha estruturada na voz, na força, na mobilização do povo. A campanha do pobre contra o rico, do opressor contra o oprimido. Aluízio cercava-se de símbolos, cores e músicas. Uma delas, de letra enorme, chegou a inserir, de maneira melódica, a palavra (palavrão para um compositor) "industrialização". Era uma espécie de hino-programa, descrevendo compromissos nas áreas da agricultura, energia (da hidrelétrica de Paulo Afonso), educação, melhores salários para o trabalhador. Desenvolvimento, em suma, era o eixo que unia os temas. Música até hoje recitada. A massa pobre Nos comícios, o discurso de Aluízio, expresso em voz muito rouca, produto de noites não dormidas, caminhadas por estradas poeirentas, muito calor e má alimentação, carregava nas imagens fortes. Os personagens recorrentes eram as famílias pobres, mães raquíticas que carregavam os filhos seminus nos braços, agricultores de enxada no ombro, biscateiros, empregadas domésticas, pescadores, enfim, "a gentinha", uma ferramenta de mobilização (revoltada, a gentinha se avolumava cada vez mais nos comícios) e mais um canhão para destroçar as baterias adversárias. As crianças constituíam outro braço importante da campanha. Aluízio chegou a fazer comício só para crianças. E pedia a elas que, no dia da eleição, acordassem às 6h, batessem na porta dos quartos dos pais para acordá-los: "papai, mamãe, vovô, vovó, todos, está na hora de acordar para votar em Aluízio". Depois de seu famoso Comício das Crianças, o juiz de menores proibiu outros comícios semelhantes. Aluízio mandou imprimir 10 mil cartões com seu retrato e, no verso, escreveu uma "carta à criança proibida". E ele mesmo, nas ruas, passou a distribuir a carta. Andarilho A simbologia foi usada com eficácia. De sua própria voz, ouvi algumas histórias, dentre as quais selecionei duas, para caracterizar seu estilo. A primeira foi sobre as caravanas de andarilhos que corriam as cidades. Aluízio saiu da capital, Natal, para Mossoró, a maior cidade, no meio do Estado, num arrastão político que mais se assemelhava a uma peregrinação religiosa. Tinha muita mística. No meio da andança, contou ele, viu uma mulher esquálida, na beira da estrada, com a filha esquelética nos braços. A mulher se aproximou, sem falar palavra, e a filha, olhos mortíferos, abriu lentamente a mão, onde estava uma pequena moeda de 10 centavos, a única coisa que aquela família podia dar para a campanha do tostão contra o milhão. Aluízio recebeu a ajuda, passou a relatar esse caso em todos os comícios, com o adendo de que, depois da realização do primeiro grande compromisso, estaria ao lado daquela menina. Vitorioso, Aluízio cumpriu o compromisso. Na inauguração da energia de Paulo Afonso, foi a menina que acionou o botão das máquinas. Um caso clássico Ele sempre foi perito na arte de transformar o negativo em positivo, em dar brilho a coisas foscas ou, como diz o vulgo, a tirar leite de pedra. Na campanha para prefeito de Mossoró, em 1968, foi chamado para ajudar o correligionário Antônio Rodrigues, identificado com as causas dos pobres, contra o intelectual Vingt-Un Rosado, agrônomo e escritor de muitos livros, e integrante da famosa família Rosado, cujos nomes masculinos eram grafados com o alfabeto numeral francês (as mulheres recebiam a designação feminina ème - Trezième era uma delas). Era a campanha do "touro" - Vingt - Un - contra o "capim", Toinho. Mas este tinha um grave problema: era alcoólatra. Aluízio chegou para encerrar a campanha, viu uma pesquisa que dava derrota para seu candidato, e percebeu que a fama de beberrão de seu candidato era o problema, principalmente para as mulheres e jovens. Chamou Antônio Rodrigues e a mulher, mostrou a situação e disse que iria tocar no assunto no comício. Foi um deus-nos-acuda: "pelo amor de Deus, não toque nisso, pois só vai complicar". Virou o voto E Aluízio: "deixem comigo, vai dar tudo certo". Começou assim o discurso para a multidão atenta: "tenho aqui, uma pesquisa que diz: se forem apurados 20 mil votos, meu candidato aqui presente perderá a eleição por quatro mil votos". Ouviu-se um sussurro de estupefação e contrariedade. Aluízio foi em frente: "passei no açougue e perguntei o preço da carne. Não dá para pobre nenhum comprar. Passei na farmácia e vi os preços. Os remédios custam os olhos da cara. Passei na padaria. A mesma coisa". Aluízio desfilou histórias de compadres e comadres que se queixavam da carestia. Mostrava intimidade com pessoas das cidades, citando seus nomes, descrevendo suas casas e filhos. E foi arrumando o final do discurso: "desse jeito, ninguém aguenta. E não há outro jeito. O negócio é deixar as dores, as amarguras, as angústias na bodega". O pobre é quem bebe cachaça - O pobre, que não tem dinheiro para pagar meio quilo de carne, pede um oito de cachaça, e vai dando sua bicadinha. Pobre mata suas mágoas na velha cachaça. Rico, esse, sim, pode beber uísque. Vocês sabem quanto custa uma garrafa de uísque? O preço dá para comprar 30 garrafas de cachaça. Pois Vignt-Un só toma uísque. Agora, imaginem o dr. Vingt-Un, prefeito eleito, no seu gabinete. Chega um pobre, fedendo à cachaça, e diz que precisa falar com o senhor prefeito. O assessor vai logo dizendo que o prefeito está em reunião. E assim, cada um vai chegando e recebendo a mesma negativa. Pobre, com dr. Vingt-Un, não tem vez. Imaginem, agora, Toinho como prefeito. Chega lá Zé Peixeiro, com aquele bafo de cachaça, para falar com ele. O assessor, um sujeito simples, pede um minutinho e avisa: Toinho, Zé Peixeiro tá lá fora querendo falar com você. Só que está com aquele bafo. E Toinho, mais que depressa, pede: "mande, já, o colega entrar". Aplausos A multidão, a essa altura, irrompia em aplausos e gritos. As mulheres que faziam restrições a Antônio Rodrigues passaram a levantar os braços em apoio a Aluízio, que arrematou: "Toinho bebe a bebida do povo. Toinho bebe para afogar as mágoas, como faz o povo. Toinho é povo, Toinho é a cara de todos vocês. Podemos ganhar esta campanha. Basta que cada se torne um grande cabo eleitoral, buscando mais votos. Vamos sair daqui com uma missão: ganhar a luta". A multidão saiu acesa. Cada participante partiu com vontade. Antônio Rodrigues ganhou a campanha por 98 votos. Foi a consagração da metáfora do beberrão, que bebe cachaça para afugentar as mágoas. A cachaça, como o gole mais barato da ilusão nacional, não travou na garganta dos eleitores. Ficou amaciada pelo fermento da retórica aluizista, que, naquela noite, falou por 2h50 minutos, com a voz rouca. Na campanha de Mossoró, em 72 horas, ele falou 138 vezes. Aluízio Alves fez uma biografia usando apenas a memória. Exerceu sete mandatos de deputado Federal, governou o RN por cinco anos, foi ministro de Estado em dois governos, foi secretário-Geral da UDN, membro da Comissão Executiva do PMDB. Se alguém lhe pergunta quem orientou sua campanha de 60, ele responde: o povo. Em seu livro, "Aluízio Alves, O que Não Esqueci", falando de seus êxitos, confessa: "o meu mérito terá sido o de viver e fazer da vida uma campanha, uma luta, um trabalho e alguns sonhos. Uns realizados, outros não". Parte II Raspando o tacho - Ao visitar Fernando Henrique, que fez 93 anos, Lula dá ideia de querer capturar estratos dos tucanos desgarrados. - Quinta-feira, teremos o primeiro debate entre Donald Trump e Joe Biden, nos EUA. A aflição já escorre dos olhos assombrados das torcidas sob a expectativa de gafes e perda de memória, de um ou de outro, ou de ambos. - Arthur Lira deve eleger o sucessor na presidência da Câmara. Rodrigo Pacheco patrocinará, no Senado, o senador Davi Alcolumbre. - Tarcísio de Freitas já entrou com meio sapato no clima de 2026. Eleição presidencial à vista. O cavalo selado passará em frente a sua calçada. - O governo Lula III não vai bem. Em ritmo de desesperança. - O RS, assolado por enchentes, é o Estado-símbolo da reconstrução. Força, gaúchos. - Rússia entra de cabeça na nova Guerra Fria. Com os aplausos da China, parceira. - A limusine que o ditador da Coréia do Norte, Kim Jong-un, ganhou de Putin, é um brinquedinho que aproximará os dedos do dirigente do arsenal nuclear. - O Brasil comeu muito milho nesses dias de festas juninas. Mais gordas que as anteriores. Pança cheia.
quarta-feira, 19 de junho de 2024

Porandubas nº 852

Parte I Fragmentos de tempos idos Volto, nesta coluna, a pinçar ecos do passado. Coluna Prestes A Coluna Prestes invadiu Luis Gomes, minha cidade, na fronteira do RN com a Paraíba e o Ceará, em 5 de fevereiro de 1926, às 8h10, uma sexta-feira. O Estado-Maior Revolucionário era composto por Luis Carlos Prestes, Miguel Costa, Cordeiro de Farias, Siqueira Campos, Djalma Dutra, João Alberto e Ari Salgado. Só não estava Juarez Távora, que havia sido preso, em 31 de dezembro de 1925, nas proximidades de Teresina, ficando incomunicável no quartel do 25º B.C. da capital piauiense. O saque na loja do meu pai Muitos fugiram da cidade. O tenente coronel Djalma Dutra requisitou por escrito da loja de meu pai grande quantidade de tecidos e cereais. Lembra Adolfo Paulino, o biógrafo, ex-prefeito e meu padrinho, que ouvira isso do próprio Gaudêncio, meu pai, de quem herdei nome e sobrenome (Francisco Gaudêncio Torquato do Rego). - Principalmente brim caqui para fardamento, chapéus, sapatos, além de peças de tecido vermelho para a confecção de lenços para os revoltosos. Djalma Dutra, em nome de Prestes, fez a requisição em um pedaço de papel, prometendo ressarcir o prejuízo, após a vitória da Revolução. O documento era guardado em um velho cofre verde na loja e se perdeu por ocasião da morte do meu genitor. Segundo Câmara Cascudo, em seu livro "História do Rio Grande do Norte", os prejuízos em Luis Gomes foram de 23 036$096, mas os de São Miguel (outra cidade da região) somaram 307 330$000. O pai preso Gaudêncio chegou a ser preso por Siqueira Campos, que exigiu uma soma em dinheiro para soltá-lo. Atendendo a apelos, Campos o soltou com o pagamento de cinquenta mil réis e muita "diplomacia". Pedido feito com bons modos. Em certo momento, curioso, meu pai queria saber o que iria acontecer. Ele mesmo contava, com graça, o episódio em que se aproximou do Estado Maior, cujos componentes se preparavam para almoçar na repartição da Agência Postal Telegráfica, dirigida pelo telegrafista baiano Vilas-Boas. O grupo conversava e meu pai, de fininho, se aproximou. De repente, Prestes olhou para o intruso e perguntou: "O jovem quer alguma coisa"? Ao ouvir isso, Gaudêncio se afastou, apressadinho. Cordeiro de Farias Travei contato com uma figura que, na ditadura, foi ministro do Interior de Castello Branco, o Marechal Cordeiro de Farias, um dos líderes da Coluna Prestes. Foi a Recife como ministro do Interior, onde estava localizada a SUDENE, sob sua alçada. Oportunidade em que o conheci, iniciante em minha carreira jornalística no Jornal do Brasil. Acompanhei a comitiva, que saiu de Recife para a fronteira do Maranhão com o Piauí, onde seria construída a barragem da Boa Esperança. O evento constou da explosão de uma rocha para desvio de águas do Rio Parnaíba. Os jornalistas pregaram um Douglas DC-3, atrás do avião do ministro e outras autoridades. Nas margens do rio, receoso, aproximei-me de Cordeiro de Farias, logo após a explosão da pedra. Lembrei o episódio. "Luís Gomes? Na fronteira com a Paraíba? Ah, sim, me lembro". Ele recordava-se da cidade/região, não do episódio. Riu muito. A Coluna Prestes caminhou 647 dias, percorrendo cerca de 24 mil quilômetros (média de 38 km/dia), utilizando mais de 100.000 cavalos e consumindo mais de 30.000 reses na alimentação da tropa. Morreram 600 soldados e 70 oficiais. Dispararam cerca de 350.000 tiros e travaram 53 combates. Saiu do Nordeste, atravessou todo o país e após o centro-oeste, Luís Carlos Prestes, em 1927, entrou na Bolívia e, a seguir, foi para a Argentina. A divergência ideológica, em 1930, separou os companheiros. Getúlio Vargas Getúlio Vargas sempre conservou intenções continuístas. Um dia, foram procurá-lo para saber se isso era verdade. E ele: - Não, meu candidato é o Eurico (marechal Eurico Gaspar Dutra); mas se houver oportunidade, eu mudo uma letra: Eu Fico. (Relato da historiadora Isabel Lustosa) Jânio Quadros JQ exercia autoridade com muita competência. Sabia exercê-la. Certa feita, na subida da rua Bela Cintra, em São Paulo, numa sexta-feira, de carros parados nos Jardins, começou uma zoeira infernal. Buzinadas prolongadas. Eu mesmo buzinava. Até o momento em que os motoristas viram sair de um carro preto o prefeito Jânio, que fazia "incertas" e visitas de surpresa aos ambientes. Mandava multar os donos de lojas, com calçadas sujas. Vi que o motorista do então prefeito Jânio anotava placas de todos os carros que buzinavam. O silêncio foi se refazendo, à medida que os motoristas descobriam quem era a pessoa estranha que ordenava as multas. Jânio impunha respeito. Bebericava bem Apreciava a bebida. Bebia de tudo, mas nos últimos anos de vida, contentava-se em sorver garrafas de vinho do porto. Quando disputou o governo do Estado contra Ademar de Barros, na eleição de outubro de 1954, Ademar contratou alguém para pegar Jânio na pergunta capciosa: "por que o senhor bebe tanto?" De pronto, Jânio deu o troco: "bebo porque é líquido. Se fosse sólido, comê-lo-ia". O entrevistador, sem graça, saiu de fininho. Jânio fazia gama com suas próclises, mesóclises e ênclises. Foi professor de português. Os despachos de Jânio constituem um capítulo à parte no folclore político que construiu. O professor Nelson Valente, quem mais conhece a história de JQ, tem um grande repertório de casos e "causos". E livros. As historinhas são hilárias. De uma feita, respondendo a uma senhora que interferia em favor das sociedades protetoras dos animais, sugerindo criar um setor de defesa dos irracionais, o presidente respondeu: "minha amiga, seu apelo em favor dos irracionais encontra-se às voltas com terríveis problemas de amparo e proteção a outra raça tão digna, entre nós, de cuidado, a dos racionais". JK Conheci Juscelino Kubitschek em 6 de janeiro de 1961, por ocasião da inauguração do açude de Orós, que tinha capacidade para armazenar quatro bilhões de metros cúbicos de água. Tinha eu 15 anos e viajei com minha mãe, Chiquita, cujo pai morava em Orós (também cidade de Fagner, o cantor). Impressionou-me o sorriso aberto e simpático de JK. O presidente com charme e carismático. JQ x FHC Lembro Jânio Quadros. Tempos de campanha eleitoral em São Paulo, capital. As eleições municipais ocorreram em 15 de novembro, como parte das eleições em 201 municípios nos 23 Estados brasileiros e nos territórios Federais do Amapá e Roraima. Foi a primeira eleição da Nova República e a primeira vez que os paulistanos escolheram seu alcaide pelo voto direto desde José Vicente Faria Lima em 1965. Nessa época, este consultor presenciou alguns erros cometidos por Fernando Henrique, que disputava com Jânio a prefeitura da capital. Jânio, sem grana e sem recursos, refugiou-se em um dos estúdios da então TV Record, na avenida Miruna, em Moema, de onde fazia perorações duras (e sem efeitos televisivos) contra a bandidagem e a violência que assolavam a capital. Dona Eloá, ao seu lado, com o olhar para chão, doente e vestida de maneira simples, não dizia um pio. Fazia o papel de esposa silenciosa. FHC na cadeira de prefeito Ao lado de um perfil que emanava autoridade, respeito, dignidade, Fernando Henrique Cardoso, vestido em seu blazer xadrez, corria a periferia, gravando para o programa eleitoral entre os trilhos do metrô que deveria chegar à Zona Leste. Simplicidade e austeridade, de um lado; fausto e opulência, de outro. Algo era incongruente. Um scholar na periferia? Um popularesco escondido na TV? O sociólogo perdeu a eleição, depois de ter sentado na cadeira de prefeito, atendendo a pedidos de fotógrafos. FHC chega ao trono FCH, depois dessa curva, assumiu a presidência da República em 1º de janeiro de 1995, após derrotar Luiz Inácio Lula da Silva, seu principal concorrente, no primeiro turno, com mais de 30 milhões de votos. FHC havia fundamentado sua primeira campanha presidencial no então recém-lançado Plano Real e na promessa de estabilizar a economia do país. O plano surtiu efeito, conseguindo debelar os exorbitantes índices de inflação, estabilizando o câmbio e aumentando o poder aquisitivo da população, sem choques nem congelamento de preços. Em 1998 A eleição presidencial de 1998 no Brasil foi realizada em um domingo, 4 de outubro de 1998. Foi a terceira eleição presidencial do país após a promulgação Constituição Federal de 1988. Pouco antes desse pleito foi aprovado um projeto de emenda constitucional permitindo a reeleição aos ocupantes de cargos no Poder Executivo. Em segundo lugar ficou Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores (PT) com quase 32% dos votos. Ciro Gomes, então membro do Partido Popular Socialista (PPS, atual Cidadania), veio em terceiro lugar, com mais de sete milhões de votos (quase 11% do total). Esta eleição trouxe o uso das urnas eletrônicas, que seriam utilizadas em todos os municípios no pleito seguinte. A disputa pela presidência em 1998 contou com 12 candidatos, o maior número da história do país desde a eleição de 1989, quando mais do que o dobro de candidaturas foram lançadas. Fofoca que "puniu" Heleno Torres As conversas com o ex-presidente Michel Temer geralmente ocorrem em almoços: ele, o amigo em comum José Yunes e este escriba. (Esses encontros costumam ocorrer às sextas-feiras e, às vezes, contavam com a participação com Delfim Netto, com sua verve apurada, o advogado Antônio Claudio Mariz de Oliveira e outros que integram um "clubinho" de advogados amigos). Em um desses almoços, em um restaurante nos Jardins, deparamo-nos com o advogado e professor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, o pernambucano Heleno Torres, um dos maiores tributaristas do país, que se fazia acompanhar em sua mesa do então Advogado-Geral da União, Luis Inácio Adams. Ao nos ver chegar, Heleno e Adams dirigiram-se à nossa mesa para cumprimentar Michel. O mesmo ocorreu na saída. Heleno despediu-se de nós. Perguntei a Heleno: "E aí, já é ministro?". O advogado respondeu: "Não, mas se for convidado, você receberá convite para minha posse". Ao chegar ao meu escritório, vi estampada no UOL a manchete: "Heleno Torres escolhido para o STF". Jornalista, não pude resistir à ideia de confirmar a informação. Disse o que Heleno teria me dito; "não fui convidado, mas se for, você será convidado para a posse". Coloquei-a no Twitter. Instantes depois, recebo um telefonema de Thomas Traumann, então ministro da Secretaria de Comunicação, em tom de recriminação, dizendo que a informação não era verdadeira e que estava sabendo de nossa confraternização em um restaurante. Confraternização? Que maluquice era essa? Indaguei. Segundo a fofoca, estávamos todos, Michel à frente, brindando o convite a Heleno Torres... Azucrinavam os ouvidos da presidente Dilma, que não acreditou estarmos em mesas separadas, não havendo almoço conjunto nem comemoração. Insisti para que ele, Traumann, lesse a manchete nas redes sociais. Hoje, mantenho a informação: vi estampada na rede de um jornal a informação sobre a escolha do tributarista. Resumo da história: se estava prestes a ser convidado, o amigo Heleno teria perdido a vaga por causa desse lamentável episódio, que mostra a índole da então presidente Dilma: "castigar" o professor por uma informação errada que recebera de sua assessoria. Luis Inácio Adams estava presente. Não seria o caso de ser ouvido pela presidente? Parte II Raspando o tacho - Parece que Lula está assustado com a infidelidade de sua base de apoio. - Parece que a bancada evangélica está assustada com a reação da sociedade contra o PL do antiaborto, o da gravidez infantil. - Parece que Arthur Lira perde força no comando da Câmara baixa. - Parece que Putin quer levar adiante sua incursão invasora na Ucrânia. - Parece que Vladimir Zelensky perde as esperanças de continuar a receber ajuda dos países da EU. - Parece que Biden está assustado com as provocações de seu adversário, Donald Trump, em sua reiterada insinuação de que o andar claudicante do mandatário norte-americano sinaliza estado senil. - Parece que Trump está receoso de continuar a fustigar o juiz que, no próximo mês de julho, ditará a sentença para as 34 penalidades que pairam sobre sua cabeça.
quarta-feira, 12 de junho de 2024

Porandubas nº 851

A coluna, hoje, é uma colcha de retalhos com situações vividas em minha vida profissional. Registro momentos hilários de tempos idos. Franco Montoro No universo político, que frequento desde os idos de 1980, são muitas as passagens interessantes. Pinço, aqui, uma historinha que envolve o saudoso ex-governador, ex-senador e paladino de nossa democracia, Franco Montoro. E o Agrário? Depois de deixar a esfera governativa e parlamentar, Franco Montoro passou a se dedicar ao Instituto Latino-Americano - ILAM. Na condição de presidente desta entidade, foi a um almoço que organizei com um pequeno grupo de professores da USP no restaurante do campus. O ex-governador, como se sabe, registrava passagens de dislexia, momentos em que confundia nomes, alhos com bugalhos, motivando risos em cerimônias. A conversa fluía bem, versando sobre os mais diferentes problemas do país. A certa altura, ele se surpreendeu ao saber que este escriba era potiguar e parente de queridos amigos dele e de dona Lucy Montoro. De repente, lá vem a pergunta: - Gaudêncio, como está o Agrário? - Agrário, Agrário? Não sei quem é, governador. Passo a lupa na mente e lamento ignorar a identidade da figura. Mudamos de assunto. Mas o Agrário continuava a me coçar a cabeça. De repente, Eureka! Agrário? Não seria o Urbano? Indago: - Governador, voltando ao Agrário, será que o senhor não confundiu o Agrário com o Urbano? - Ah, sim, é claro, é claro. Desculpe. Como vai o Urbano? Francisco Urbano era presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG. Um potiguar muito conhecido nos universos sindicalista e político. A dislexia havia intercambiado o espaço rural com a geografia urbana. Franco Montoro, exemplo de honradez, dignidade, seriedade, civismo, independência. Faz muita falta nesses tempos de lamaçal político. Ramez Tebet - O besourão A historinha me foi contada pelo ex-senador Ramez Tebet, saudoso amigo. Por ocasião da criação do Estado do MS, em 1979, a população de Campo Grande ficava assombrada com a caravana dos 17 grandes carrões pretos dos deputados estaduais que paravam diante da Assembleia Legislativa. Os carros ganharam logo o nome de "besourão" e, ao passarem pelas ruas, as pessoas logo faziam o sinal da cruz, na tentativa de afastar o medo daqueles carros que mais pareciam transporte de defunto. Tebet na direção Ninguém se atrevia a andar num carro daqueles. Até que um dia, ao comparecer ao velório de um correligionário, numa cidade do interior, dirigindo um desses carros, o então deputado Ramez Tebet teve que atender ao pedido da família do defunto. Queriam que o defunto fosse transportado naquele carro. Nessa hora, não dá para negar. E lá se vai o deputado carregando o caixão de defunto em seu "besourão". A história se espalhou por todo o Estado. Assim a fama negativa do carrão preto foi dissipada. O "besourão" passou a ser visto com outros olhos. A boa fama só veio, por incrível que pareça, depois de Ramez ter conduzido um defunto. Roberto Campos Roberto Campos era ministro do Planejamento do governo Castelo Branco. Chegando em Recife, deu uma entrevista coletiva na sede da Sudene, na avenida Dantas Barreto. Na época, os recursos que vinham para o Nordeste eram minguados. E distribuídos como migalhas aos Estados. Ainda foca (iniciante no jornalismo, como repórter do Jornal do Brasil), fui para a entrevista. Após abrangente explanação sobre os programas da administração Federal para o Nordeste, tive a ousadia de fazer a primeira pergunta: - Ministro, o senhor não acha que a pulverização de verbas para a região nordestina não acaba sendo perniciosa? Não seria mais eficaz um programa com prioridades e aplicação de recursos? Campos, ex-seminarista como eu, devolve a pergunta: - O que o jovem entende por pulverização? Embasbacado, sem esperar pela contrapergunta, tentei responder, lembrando a fragmentação de verbas; quase me engasguei. Campos era um mestre na arte de argumentar. Tasso Jereissati Cheguei em Fortaleza para ajudar na campanha de Tasso em 24 de junho de 1986, noite de São João. O candidato fora convidado pelo deputado estadual do MDB, Barros Pinho, para uma festa junina em um bairro popular da capital. Seria sua primeira experiência no meio do povo. Sua tarefa: presidir um júri para julgamento de fantasias juninas. Um peixe fora d'água Ficou completamente deslocado, um peixe fora d'água. Chega ao ambiente e sob conselho deste escriba, vai, de mesa em mesa, apresentando-se aos presentes. Começa a presidir o evento. Encabulado, não sabe o que fazer. Enrola-se. Grande dificuldade de comunicação. Um desastre. Só era conhecido no bairro de classe média alta, Aldeota. Tinha menos de 2% de intenção de voto. Depois do evento, angustiado, ele, Sérgio Machado, na época seu braço direito, e este escriba dirigem-se a um restaurante na praia para degustar uma lagosta. Sob o efeito de um uísque tranquilizante, Tasso desabafa: "desisto, amigos; se política for isso, assistir a batizado, casamento, velório, desfile infantil em festa junina, não contem comigo. Tô fora". Transtornado. Insatisfeito. No Hotel Esplanada, numa máquina Lettera 22, no dia seguinte, esbocei o planejamento de sua campanha. Fui à Brasília para a MPM produzir os canais de propaganda, a partir do briefing que fiz. Esperei pelo trabalho. Volto à Fortaleza para apresentar o material. O moderno contra o arcaico. O novo contra os coronéis. Tasso gostou da ideia, mas não dos layouts da MPM. A agência Propeg, de Fernando Barros e Rodrigo Menezes, instalada na Bahia, iria produzir a papelada da campanha. Geraldo Walter foi convidado a comandar. Tasso deu um banho nos três coronéis que comandavam a política cearense: Virgílio Távora, César Cals e Adauto Bezerra. Alberto Silva Alberto Silva dizia que a alma piauiense sofria de complexo de inferioridade. Na Sudene, em Recife, ouvi uma interpretação do então governador do MDB. Contou ele: - Um interlocutor pergunta a outro - O senhor é de onde? Resposta atravessada: sou do Piauí e daí? E já mostrava os punhos fechados para esmurrar o outro. Michel Temer Em 1986, fui convidado para fazer uma exposição sobre marketing político, com foco na eleição de deputados. O grupo que me convidou começava a organizar a campanha do professor renomado, ex-procurador do Estado de São Paulo, autor de livros consagrados de Direito Constitucional: Michel Temer. A palestra ocorreu em um prédio da av. Paulista, onde Michel tinha um escritório juntamente com outros afamados nomes da advocacia, como o prof. Celso Antônio Bandeira de Melo, o advogado especialista em Direito Eleitoral, Antônio Carlos Mendes. O grupo contava ainda com a participação do renomado professor de Direito, Ataliba Nogueira. Fiz a palestra para um grupo de 30 pessoas. Um participativo debate sobre os desafios a serem enfrentados pelo então candidato a deputado Federal. A partir da palestra, passei a prestar consultoria ao professor. Bastidores Michel Temer foi três vezes presidente da Câmara, credenciando-se como um dos mais respeitados articuladores da política e nome respeitado pelos pares. Como presidente da República, em pouco tempo, conseguiu implantar uma agenda avançada, desenvolvimentista. Dei conselhos, fui ouvido e ouvi muito. Há episódios que não posso deixar de lembrar. Lula Lula nunca foi próximo a Michel. Mantinham uma relação protocolar. Certa vez, os dois subiram ao palanque, em Natal/RN, para um comício de apoio à candidata Fátima Bezerra (PT) ao governo do Estado. Fátima não ganhou naquele ano, mas hoje é governadora em segundo mandato. Viajaram juntos de volta a São Paulo. Foi uma viagem, por assim dizer, de confraternização. Papo amigável O papo foi de aproximação, de expressões de respeito mútuo. Michel: "eu sei, presidente, que falam mal de mim para o senhor, sei que o senhor tem restrições a minha pessoa" ... patati-patatá ... Lula: "Michel, realmente temos pontos de vista diferentes sobre muita coisa, há pessoas que tentam nos afastar, mas vamos abrir um canal de comunicação para evitar nosso distanciamento"... patati-patatá. Lula se serviu de algumas doses de uísque. Michel, que não é de beber, conformando-se com uma ou outra taça de vinho, ou um licor, teve de acompanhar Lula na sequência das doses. Saíram os dois abraçados na chegada em Congonhas. Com a amizade uiscada. Os tempos mudam. Bonecos de Olinda, prazer! Certa feita, acompanhei Michel ao Recife para uma visita ao então governador de PE, Jarbas Vasconcelos. Fazia parte da liturgia do presidente do PMDB ouvir as lideranças do partido, ainda mais se tratando de Jarbas Vasconcelos, um perfil de honra, que realizou grande trabalho pelo partido, desde os tempos em que o presidiu. Chegamos já tardinha, com o sol se pondo. A casa do governador parecia um museu a céu aberto. Pela coleção de objetos, o artesanato pernambucano se fazia presente nos cômodos. Ficamos na sala de recepção, à entrada. Os raios do pôr do sol abriam claridade para uma sala contígua, onde em uma mesa de jantar, convivas pareciam se regalar com os acepipes. Fiquei curioso. Michel, muito educado, pediu licença de Jarbas, levantou-se e se dirigiu aos convivas, querendo cumprimentar cada um. Mão estendida para o primeiro, veio o susto. Eram bonecos de Olinda, em tamanho natural, sentados à mesa e diante de pratos e talheres. Não conseguimos conter o riso. Freyre com y O Americano Batista era um dos afamados colégios de Recife, dirigido por evangélicos batistas. Cursei no CAB os anos do Científico, onde fundei o Diretório Acadêmico, criei um jornal e fui o orador da turma na conclusão do curso. Escolhemos como paraninfo um ex-aluno do Colégio: Gilberto Freyre. Fomos entregar o convite a ele no solar de Apipucos, onde dona Madalena, sua esposa, nos ofereceu sucos e licores. O detalhe que alguns dos leitores devem ter notado é a grafia: Freyre com Y. Pois bem, eu havia grafado no convite Freire com I. Momento constrangedor. O professor viu que o nome dele estava com grafia errada e me devolveu o envelope com a observação: - Meu filho, faça a correção. Meu Freyre é com Y. Meu pai, Alfredo, quando recebia correspondência com seu sobrenome errado, nem abria a carta. Devolvia. De modo que terei o prazer de recebê-los quando fizerem a correção. Essa lição mexeu com minha cuca. Até hoje, confiro as grafias. Temo passar pelo puxão de orelhas do professor Gilberto Freyre com Y, que fez belíssima peça oratória no dia da formatura. Parte II Raspando o tacho 1. O Brasil político navega em águas turvas e turbulentas. 2. O Brasil econômico navega no fio da navalha. 3. O Brasil social navega nas últimas ondas da esperança, que se esvai à espera de grandes promessas. 4. O mundo se inclina levemente para a direita. 5. A conflituosidade no planeta dá sinais de revigoramento e intensidade. Tempos de ódio e guerra.
quarta-feira, 5 de junho de 2024

Porandubas nº 850

Parte I A pedidos, abro a coluna de hoje com mais uma historinha de campanha eleitoral. O encerramento da campanha Em 1986, coordenei a campanha de Freitas Neto para governo do Piauí. Na época, era filiado ao PFL. A eleição nesse ano ocorreu em 15 de novembro, não em outubro. Foi num sábado, mobilizando 166.166.810 eleitores. Disputada sob a euforia do Plano Cruzado, obra do governo José Sarney. O MDB elegeu 22 dos 22 governadores dos 23 existentes. Um único governador do PFL foi eleito: Antônio Carlos Valadares, de Sergipe. Foi o arrastão do Plano Cruzado. Volto ao Piauí Chegava o momento final da campanha, e cravávamos na massificação do "monumental" (entre as aspas, atentem) showmício de encerramento. Os carros de som anunciavam, desde cedo, o grande comício. Um espetáculo com a voz da fabulosa cantora Elba Ramalho. Na época, as carretas com imensos aparelhos de som saíram do Rio de Janeiro, 10 dias antes da data. Mas as fortes chuvas na região da Bahia atrapalharam o transporte. A lama nas estradas atrasou a chegada. Ficávamos ligando para as cidades de passagem das carretas para controlar a chegada. Não teve jeito. A aparelhagem do som chegou quase em cima da hora do comício na Praça do Marquês. Cheguei ao local com Freitas Neto um pouco antes, por volta de 18 horas, para ver o ambiente. Uma multidão nos aguardava. O toró Chegamos sob uma intensa e continuada chuva. Os técnicos se esforçavam para instalar os aparelhos e arrumar os grossos cabos. 18h30. O toró (como se diz no Nordeste) engrossava. A chuva torrencial bagunçou o coreto. Praça lotada. Milhares de piauienses pulavam e dançavam sob a chuva. Garrafas de cachaça corriam de mão em mão. De repente, um estrondo, seguido de outros. Fogo e fumaça nas tomadas dos cabos. Corre-corre dos técnicos e o aviso dos eletricistas ao nosso candidato: "Acabou o som. Não há condição." Não havia aquele tipo grosso de cabo em Teresina. Só em Fortaleza. Elba Ramalho foi logo avisando: - Está aqui meu contrato. Sem som, não canto. Conversa vai, conversa vem, aflição e perplexidade. Depois de muita insistência, ela admitiu: - Cantarei uma música, só, e me arranjem um acompanhamento. Saiu não sei de onde um sujeito com um banjo. O povão urrava sob a chuva: - Elba, Elba, Elba, queremos Elba, Elba, Elba... Bate, bate, bate, coração... A cantora saiu de trás. A multidão explodiu. E lá vem música: - Bate, bate, bate, coração! Ninguém ouvia nada. Zorra total. Nem bem terminou a estrofe, Elba parou. Presenciei, ali, uma das maiores aflições de minha vida, um esculacho na massa: - Seus imbecis, seus loucos, covardes, miseráveis. Como podem fazer uma coisa dessas? O que era aquilo? Meu Deus, por que aquele carão? Olhei para o meio da multidão. E vi a cena que ainda hoje mexe com meus pensamentos ruins: um sujeito abria a boca de um jumento, enquanto outro despejava nela uma garrafa de cachaça. Foi o toque que faltava para o anticlímax. Quanto mais Elba xingava a multidão, mais apupos, mais vaias. No dia seguinte, Teresina gargalhava em gozação. O showmício de Freitas Neto fora um desastre. Senti o ar pesado. O jumento imponderável O comentário era um só: você viu o comício de Freitas Neto? Institutos de pesquisas, às vésperas do pleito, nos davam 3% de maioria sobre Alberto Silva, candidato do PMDB. Perdemos a campanha por 1%. O desastre do comício virou o clima. Senti essa virada ao observar a conversa dos eleitores nas ruas e escritórios. Quando faço palestras sobre Marketing Político, costumam me perguntar: - Professor, qual é o fator imponderável em campanha eleitoral? Na bucha, respondo: - Um jumento embriagado no Piauí. A lição de Quinto Túlio O escopo do marketing político, ao longo da história, tem se mantido praticamente o mesmo. O que muda são as abordagens e as ferramentas tecnológicas. Atentem. No ano 64 a.C., Quinto Túlio Cícero enviava ao irmão, o grande tribuno e advogado Cícero - protagonista de episódios marcantes por ocasião do fim do sistema republicano e implantação do Império Romano - uma carta que considero o primeiro manual organizado de marketing eleitoral da história. Ali, Quinto Túlio orientava Cícero sobre comportamentos, atitudes, ações e programa de governo para o consulado, que era o pleito disputado, sem esquecer as abordagens psicológicas do discurso, como a lembrança sobre a esperança, este valor tão "marketizado" no Brasil e que se constituiu eixo central do discurso da era lulista. Dizia ele: "Três são as coisas que levam os homens a se sentir cativados e dispostos a dar o apoio eleitoral: um favor, uma esperança ou a simpatia espontânea." P.S. O maior vendedor de esperanças de tempos de descrença, relembro, foi Lula, que começa a entrar em rota de declínio. Propaganda agressiva A revolução francesa de 1789 pode ser considerada o marco da propaganda agressiva nos termos em que hoje se apresenta. Ali, os jacobinos, insuflados por Robespierre, produziram um manual de combate político, recheado de injúrias, calúnias, gracejos e pilhérias que acendiam os instintos mais primitivos das multidões. Nos Estados Unidos Na atualidade, é a Nação norte-americana que detém a referência maior da propaganda agressiva, mola da campanha negativa. Este formato, cognominado de mudslinging, apresenta efeitos positivos e negativos. No contexto dos dois grandes partidos que se revezam no poder - democrata e republicano -, diferenças entre perfis e programas são mais nítidas e a polarização sustentada por campanhas combativas ajuda a sociedade a salvaguardar os valores que a guiam, como o amor à verdade, a defesa dos direitos individuais e sociais, a liberdade de expressão, entre outros. Nem sempre a estratégia de bater no adversário gera eficácia. Tática No futebol, quando o atacante joga a bola para trás, recuando-a para seu próprio campo de defesa, parece realizar um movimento covarde. Às vezes, é apupado. Muitos acham que a jogada não tem lógica. Mas essa bola recuada pode abrir espaços, deslocar o adversário, obrigá-lo a avançar de maneira descuidada e abrir a defesa. Pois bem, tal manobra pode gerar uma sequência de ações que culminarão com um gol. Essa é uma operação também chamada de OP. O gol é uma operação OP, de caráter terminal. E é construído por jogadas intermediárias. A tática é ferramenta de vitória. Lições táticas As lições de táticas e estratégias dos clássicos da política e das guerras parecem não merecer nenhuma consideração por parte de nossos marqueteiros, que perderam prestígio. Lembremos mais alguns conselhos de Sun Tzu: a) "Quando em região difícil, não acampe. Em regiões onde se cruzam boas estradas, una-se aos seus aliados. Não se demore em posições perigosamente isoladas. Em situação de cerco, deve recorrer a estratagemas. Numa posição desesperada, deve lutar. Há estradas que não devem ser percorridas e cidades que não devem ser sitiadas". b) "Não marche, a não ser que veja alguma vantagem; não use suas tropas, a menos que haja alguma coisa a ser ganha; não lute, a menos que a posição seja crítica. Nenhum dirigente deve colocar tropas em campo apenas para satisfazer seu humor; nenhum general deve travar uma batalha apenas para se vangloriar. A ira pode, no devido tempo, transformar-se em alegria; o aborrecimento pode ser seguido de contentamento. Porém, um reino que tenha sido destruído jamais poderá tornar a existir, nem os mortos podem ser ressuscitados". Sinal de derrota "O maior sinal da derrota é quando já não se crê na vitória". (Montecuccoli) Lição de Maquiavel "Um príncipe precisa usar bem a natureza do animal; deve escolher a raposa e o leão, porque o leão não tem defesa contra os laços, nem a raposa contra os lobos. Precisa, portanto, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos." Conselho de Maquiavel, que arremata: "não é necessário ter todas as qualidades, mas é indispensável parecer tê-las." Lição de Napoleão e Sherman Vejam essas lições de Napoleão: faire som thème em deux façons (fazer as coisas de dois modos). E o general William Sherman, que comandou a campanha de devastação durante a Guerra da Secessão norte-americana, lembrava : "Ponha o inimigo nos cornos de um dilema." Nunca um político deve trabalhar com uma única hipótese. Um candidato precisa dispor de algumas alternativas. Parte II Raspando o tacho - Claudia Sheinbaum, 61 anos, bonita, ativista, dois casamentos, a mexicana tem antepassados na Bulgária, assim como Dilma Rousseff; é doutora em física ambiental e a primeira mulher a comandar o México. Integra a coligação Sigamos Haciendo Historia. - Seu mentor é Andrés Manuel López Obrador, conhecido como AMLO, que foi candidato à presidência da República pela Alianza por el Bien de Todos (integrada por PRD, PT e Convergência) a partir de janeiro de 2006. - No ano de 2012, criou o partido MORENA, oficialmente registrado para participar politicamente em 2015 no país. Eleito presidente em 2018 pela coalizão Juntos Faremos História, López Obrador assumiu o cargo em 1º de dezembro de 2018, para um mandato de seis anos. - Claudia terá condições de fazer reformas profundas no México? - Sua eleição terá impacto na eleição norte-americana de novembro próximo. A partir do eixo temático da imigração. Joe Biden começa a endurecer entrada de mexicanos na fronteira. Trump lidera nessa área. - O governo Lula carece de urgente reforma ministerial. - Quem dá pasto aos currais bolsonaristas são as roças do PT envelhecido. - Edinho Araújo, prefeito de Araraquara, não quer sair da prefeitura nesse momento, para ajudar a bússola de Lula a funcionar direito. - Magda Chambriard, presidente da Petrobras, começa a adotar o manual do presidente Luiz Inácio: baixou em 7.6% o valor de querosene de aviação. - Vá entender os americanos: após ser julgado culpado em 34 acusações, Donald Trump aumenta arrecadação de campanha. Mesmo com ações de seus negócios em queda. - 28% dos paulistanos consideram-se de direita, 21% se jogam na esfera esquerda. Depende, muito, de como foi formulada a pergunta. Cada área tinha valores, princípios, ideário? - O planeta político avança alguns passos no caminho da direita. - PIB brasileiro cresce 0,8% no trimestre. Sinal positivo. Respiro (UFA) do governo Lula 3.
quarta-feira, 29 de maio de 2024

Porandubas nº 849

Parte I Pequena leitura sobre governantes Em minhas andanças pelo país, operando como consultor nos eixos do marketing político, desde os anos 80, convivi com os mais variados e interessantes perfis de governantes. Alguns tipos merecem estudos para verificação de sua índole governativa. O mais populista Passei a enxergar sua vida cotidiana, a partir da liturgia que usavam ou inventavam. Ottomar de Sousa Pinto, que governou o Estado de Roraima por três vezes, tendo sido ele mesmo o personagem central para a transformação do então território em Estado, foi o mais instigante. O mais populista, o mais engraçado, o mais debochado e, pasmem, um dos mais preparados. Totó Totó, como era chamado, era brigadeiro, engenheiro (civil e elétrico, duas especialidades), médico, economista, bacharel em Direito, contabilista, com mestrado em pavimentação nos Estados Unidos e com diversos cursos na Escola do Estado Maior da Aeronáutica. Um dos últimos cursos que registrei foi o de Ciência Política. Diabetes Carregava uma diabetes. Pois bem. Na hora da injeção, puxava a insulina, a bomba, abria a camisa e, em segundos, se medicava. Onde estivesse, cumpria o ritual. Na rua, dirigindo mesas de eventos, recebendo autoridades. Fazia isso com simplicidade, sem gestos ou apelos emotivos. Quando tinha fome, ao atender eleitores nas filas que rodeavam quarteirões, chamava um assessor, pedia a ele uma banana nanica (tinha de ser nanica), descascava, entregava as cascas ao assessor e se alimentava. No meio da rua. Pintolândia Em Boa Vista, a capital, está lá instalada a Pintolândia, reduto habitacional criado por Ottomar Pinto. Tratava-se, não sei hoje, de um dos braços populistas do governador. Massas fiéis ao seu comando. Ao governante, como se sabe, dependendo do estágio de desenvolvimento do povo, atribuem-se qualidades e virtudes como as de grande chefe, herói, pai, salvador da pátria, escolhido do Senhor. O salvador da Pátria Para reforçar a aura de poder do governante, um grupo de fiéis soldados, uma espécie de "sociedade de corte", devota-lhe uma reverência quase sagrada, funcionando como anteparo entre o poder central e a sociedade. Totó, baixinho e barriga proeminente, era o salvador da Pátria. Conversas sobre história e política Quando vinha a São Paulo, um dos seus prazeres era conversar com este analista de política, no escritório, em Moema, sobre o universo do poder: a política, desde os tempos de Aristóteles, os passos da civilização, os grandes discursos dos estadistas (tinha preferência por esta área), o Brasil e assim por diante. Fustigava meus livros, pedindo emprestado aqueles que continham discursos clássicos de políticos e governantes. P.S. Alguns nunca foram devolvidos. Não emprestei "Mistificação das Massas pela Propaganda Política", de Sergei Tchakhotine, que insistia em levar na sua pasta. Eu dizia: este está esgotado e eu estou sempre relendo para conferir passagens e usá-las em meus artigos. O que era verdade. Minha bíblia. Pedia-me para recitar trechos em latim, de Virgílio, na Eneida. E a relembrar passagens famosas de guerras e conflitos. Ele mesmo, um poço de fluência. Totó e Mimi Para não ir longe, relato um dos episódios ocorridos numa das campanhas políticas, que coordenei em Roraima. Ficava 15 dias em Boa Vista e 15 dias em SP. Na campanha para prefeito de Boa Vista, em 1996, em uma das minhas voltas para São Paulo, ainda no aeroporto de Congonhas, atendi ao telefonema de meu diretor de campanha, Luiz Fernando Santoro, aflito, nervoso, estressado: - Torquato: (assim me chamava), volte urgente. Urgente. Nossa campanha está no despenhadeiro. Botaram o gaguinho no programa de Salomão, nosso adversário. (Salomão Cruz, médico, família tradicional no Estado). O gaguinho aparece na rodoviária, perguntando diversas vezes: - Quem...qu..em é o vi...ce, quem é o vi...ce, qu...em é o vi...ce? Explico. O gaguinho era um sujeito folclórico, muito engraçado com sua gagueira. Ottomar escolhera um empresário, Claudezir Filgueiras, do ramo de venda de automóveis para compor sua chapa. Tinha (tem) o apelido de Mimi. Certamente, pela dificuldade fonética de seu nome. A pergunta do gaguinho acionava o sistema cognitivo do eleitor, despertando suspeição e contrariedade. Ottomar queria usar a prefeitura, elegendo-se prefeito, em 1966, para voltar a ser governador dois anos depois, em 1998. E quem iria substituí-lo? Um cara chamado Claudezir. Traição ao eleitor, que teria sido enganado. Iria chegar ao assento no lugar do Totó. Santoro complementava: - Venha logo, a cidade toda está zoando, rindo, gargalhando com a pergunta marota, gaguejada: - Quem....quem...qu...em é o vice? Qu...mes...mo? Perdemos uns bons pontos no índice de intenção de voto. Não tive dúvida. No próprio aeroporto, comprei passagem para Boa Vista, no voo ao final da tarde e me despachei. Manhã seguinte, no sábado, caçamos o gaguinho pelas feiras livres de Boa Vista. Achamos o gaguinho. Levamos o "cabo eleitoral" para uma conversa cheia de promessas. Emprego para ele e família, etc. etc. etc. A muito custo, acedeu. Levamos o gaguinho para a rodoviária. Colocamos nosso festejado gago na mesma posição e no mesmo lugar onde gravara o spot do adversário. Combinei com Mimi, que ele deveria correr para o lugar de gravação na rodoviária. Gaguinho faz a pergunta: - Quem...qu...em...quem é ..o vice? Alarga os braços e vira-se para o lado e responde: - Ah, é meu.eu.... queri...do Mimi. Um..abbra...ço Mimi. Que aparece sorridente. E não diz nada. Ou seja, aproveitamos a pergunta teaser (chamativa, curiosa) do adversário e demos a resposta. Ganhamos a campanha do Totó e Mimi. À meia noite, despachamos o gago para Santa Elena de Uairén, na fronteira da Venezuela com o Brasil, onde morava uma irmã dele. Só voltou a Boa Vista, após a campanha. Perguntando quase todos os dias se já podia voltar. Voltou como vitorioso. Parte II Raspando o tacho - A reconstrução do RS não é obra de curto prazo. Coisa de uma década. Sob a solidariedade nacional. - Quem quiser tirar proveito da calamidade gaúcha vai receber o desprezo do eleitor. - O frio chegou a SP. Com suas intermitências. Oh, tempos. - A economia de Fernando Haddad começa a capengar. - Fake news batendo nas portas do Vaticano. - Benjamin ...vai para o diabo... deverá ser expulso pelos israelenses da mesa do poder. A conferir. - Sinais de deterioração do planeta nunca foram tantos em muitos e muitos espaços...! - A IA ganha adeptos, mas avoluma teia crítica. - A esquerda se fraciona, a direita se redireciona. Vamos acompanhar essas direções. - Tarcísio de Freitas aparece como eixo central do bolsonarismo. - Xi Jinping vem ao Brasil. Um bom sinal. - A guerra Ucrânia x Rússia sem previsão de trégua. Um mau sinal. - Brasileiros ficam mais pessimistas. Sensação nas ruas. - Vai ser difícil Lula eleger Boulos em SP. - Tabata Amaral, do PSB, tem cara de adolescente. Difícil mudar postura. - Datena, caro Zé Aníbal, não é perfil confiável. Mutante, que é. Que Deus o tenha! - Trump consolida suas bases nos EUA. A quantas anda a Humanidade...! Fecho a coluna com a querida Paraíba. Quanta terra! João Suassuna, velho coronel e líder político do Estado da Paraíba, pai do escritor Ariano Suassuna, perseguindo um trabalhador de seus imensos latifúndios, mandou dar um purgante de óleo de rícino, chamou dois jagunços. Sebastião Nery descreve: - Levem esse cabra até a fronteira da fazenda. Vão os três a pé. E o purgante não pode fazer efeito em minhas terras. Se fizer, podem sumir com ele. O homem saiu na frente dos dois capangas, andou, andou, apertou o passo, escureceu, e nada de chegar o fim da fazenda. O remédio começava a torturar e o homem suando frio e andando ligeiro. De repente, não aguentou mais, gemeu: - Êta coronel pra ter terra.
quarta-feira, 22 de maio de 2024

Porandubas nº 848

Abro com um "causo" de Alagoas. Um sonho com Deus Era o ano de 2006. A campanha ao governo de Alagoas estava "fervendo". Um candidato muito conhecido no Estado pelas presepadas, cujo nome, por motivos óbvios aqui se omite, liderava as pesquisas. Era considerado imbatível. Último debate eleitoral na TV Gazeta. O apresentador passa a palavra ao mais que provável vencedor: - Candidato, após esta intensa campanha eleitoral, o senhor tem 30 segundos para as considerações finais. Fique à vontade para falar. O candidato jorrou: - Povo de Alagoas, ontem eu tive um sonho. Neste sonho, Deus meu dizia: "doutor (fulano de tal), construa hospitais para o sofrido povo deste Estado." A seguir, o apresentador passou a palavra ao outro candidato, que usou a verve: - Povo de Alagoas, quem sou eu para disputar uma eleição com um homem que Deus o trata por doutor? O candidato (fulano de tal) disse há pouco que falou com Deus e Deus disse: doutor fulano de tal. Ora, se Deus chama o meu adversário de doutor, reconheço que não posso fazer melhor do que ele. Vocês não acham que o adversário (fulano de tal) já se considera nomeado por Deus? E foi assim que o candidato (fulano de tal), líder absoluto nas pesquisas, conheceu a derrota. Perdeu para a própria arrogância. (Historinha enviada por Manoel Pedrosa). Parte I - Retrato 3 X 4 A vida, um tormento Abro com o conhecido lamento do Simon Bolívar, o timoneiro, expresso há mais de 200 anos: "não há boa fé na América, nem entre os homens nem entre as nações. Os tratados são papéis, as constituições não passam de livros, as eleições são batalhas, a liberdade é anarquia e a vida um tormento". A vida nacional está se tornando cada vez mais um tormento e parcela desse sofrimento tem muita coisa a ver com a desordem institucional que nos cerca. Comento alguns desses conceitos. A política como ela é A impunidade continua generalizada, atestando a fragilidade da ação governamental e reforçando o sentimento de descumprimento de lei. O estado de anomia começa com a falta de boa-fé entre os homens. Ou de confiança. Basta verificar a política de emboscadas que inspira o relacionamento entre os partidos nacionais. Na base governista, a partir do PT, as dissensões se acentuam. Ontem, eram os tucanos que se aliavam aos parceiros de governo para isolar os emedebistas, que odiavam; hoje, são escassos e também se dividem em alas. Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário vivem às turras, apesar da tentativa de Lula de amaciar o coração de Rodrigo Pacheco e Arthur Lira. E se perde no meio de medidas provisórias, reforma tributária, catástrofe no Rio Grande do Sul, e velhos disparates de palanque. A CF, um livro A Constituição brasileira é um livro cheio de detalhes. Quando foi produzida, refletia o caldeirão de pressões da sociedade. Por ser uma Carta muito descritiva, propicia polêmica em demasia e abre espaços para uma infinidade de litígios. Hoje, é criticada pelo fato de muitos de seus artigos e incisos não serem obedecidos. E uma lei maior que deixa de ser cumprida acaba plasmando uma cultura de perniciosidade, impunidade e desorganização. Dessa forma, os tratados constitucionais perdem razoável parcela de força, transformando-se em letra morta. As eleições como batalhas As eleições, nos últimos tempos, constituem uma batalha acirrada, onde não faltam os impropérios, as denúncias contra adversários, a calúnia e a difamação, a compra de votos, a cooptação pelo empreguismo e pela distribuição de benesses, o oportunismo, o populismo. A política, exercício democrático da defesa de um ideário social, como missão para salvaguarda dos interesses coletivos, se assemelha ao empreendimento negocial, voltado para o enriquecimento de indivíduos e grupos. Este ano as batalhas abrirão arenas em cerca de 5.570 municípios brasileiros. Liberdade é baderna O conceito de liberdade confunde-se com a baderna gerada pela liberalidade extrema, tocada pela improvisação, pela irresponsabilidade, pela invasão dos espaços privados e até pelo denuncismo exacerbado da mídia. Quando o escopo libertário foi esculpido, no bojo da Revolução Francesa, carregava consigo o eixo da promoção dos valores do homem, da defesa dos direitos individuais e sociais, da dignidade e da Cidadania. O inimigo que se combatia era o Estado opressor, o absolutismo monárquico e a escravização que fazia do ser humano. Erigiu-se o altar das liberdades que, ao longo da história, tem sido conspurcado por outras formas de vilania e torpeza. As coisas materiais Na modernidade, a opressão econômica, a subordinação dos valores e princípios espirituais ao prazer das coisas materiais, a miséria absoluta que maltrata parcelas significativas da sociedade, a desigualdade de classes, o descompromisso de governos e representantes do povo para com os destinos da coletividade, entre outros elementos, contribuem para corroer o sentido da liberdade e da dignidade do homem. O império da anarquia A banalização da violência; a morte súbita a que estão sujeitas pessoas de todas as idades, em qualquer região do país; as endemias e pandemias; o descumprimento das leis; a falta de parâmetros reguladores que definam responsabilidades nas instâncias públicas; a angústia do desemprego, ainda alto; a frustração das classes médias em constatar rebaixamento em seu nível de vida; e, de outro lado, o enriquecimento escandaloso de grupos que se incrustam na administração pública - nos níveis Federal, estadual e municipal; a política incapaz de promover mudanças profundas no tecido institucional, a corrupção desenfreada e a impunidade - arrematam o sentimento de que a vida do país é um império de anarquia. Afinal, onde estamos? Estamos no meio do caos, no princípio da crise, no fim do túnel ou na rota dos horizontes de progresso? Ninguém sabe, mas todos se aventuram a garantir suas verdades. Porque o Brasil é um país de versões. Um país lúdico que ri da tragédia e se comove com a comédia. Comédia e tragédia, aqui, se fundem num amálgama que traduz a falta de essencialidade e racionalidade de um povo tropical. Isso tem imensas vantagens, mas o fato é que a improvisação, o gosto pela aventura, a alma criativa e a descontração provocam um sentimento de estágio numa cultura pré-civilizatória. Em consequência, desprezamos ou não damos o devido valor ao conceito de Nação, esse conjunto de valores, que reúne amor ao espaço físico e espiritual, solidariedade, orgulho pelo país, civismo. Onde estão as bandeiras brasileiras nas portas das casas? Onde e quando se canta o hino nacional? Quem sabe contar histórias sobre os nossos antepassados? Parte II Raspando o tacho - A campanha para governo do RS, a se realizar apenas em 2026, foi aberta por Lula, ao nomear Paulo Pimenta ministro extraordinário para a reconstrução do Estado. - Donald Trump e Joe Biden se enfrentarão em três debates antes de setembro. Fato inédito. A campanha norte-americana, com seus resultados, será uma bússola para o mundo. - O mundo sob crises e guerras: um tempo presente de barbaridade, um futuro de horizontes fechados. - Classes médias de cinto apertado. Tempos de Luiz Inácio. - Petrobras perdendo perto de 50 bilhões em preço de mercado. Tudo bem? Tudo bem, dizem uns. - Recomprar refinarias é boa coisa? Lula quer? Magda Chambriard, a nova CEO da Petrobras, vai atrás... Aceleração de projetos do governo? A CEO passará a quarta marcha. - Por que a mídia não deu tanta importância à decisão da FIFA em escolher o Brasil como sede da Copa do Mundo feminino em 2027? - Quase 12 milhões de brasileiros que não sabem ler nem escrever. - Volta o discurso religioso para fazer "a cura gay". Tempos indescritíveis... - São Paulo, capital, tem duas grandes "pontes" eleitorais a atravessar: zonas Leste e Sul, que concentram os maiores colégios de votantes. Um desafio e tanto. - A zona leste tem 3,2 milhões - sendo 255.289 registrados em seu maior colégio eleitoral, a 375ª ZE - São Mateus. A zona sul concentra o segundo maior contingente de eleitores, com 3,04 milhões. Deste total, 282.827 estão cadastrados na maior zona eleitoral da cidade, a 372ª ZE - Piraporinha. - A IA está se aproximando da alma dos humanos: compreende as informações que chegam, não importa o que seja, conversa com os jeitos e trejeitos humanos, lida, ao mesmo tempo, com texto, som e imagem, sendo multimodal. Ou seja, enxerga tudo com a câmera e descreve imediatamente o que vê com voz. É o que explica Pedro Dória, em O Globo. - A teocracia iraniana deverá escolher mais um conservador para a presidência do Irã, em eleições "consentidas" e "monitoradas" em 28 de junho próximo. - Tempos horripilantes: adolescente de 16 anos, suspeito de ter matado pais e irmã no oeste da capital paulista. Motivo: pais recolheram seu celular. - Procurador do Tribunal Penal Internacional pede punição com prisão de Benjamin Netanyahu. Fecho com a querida Campina Grande, na Paraíba. Em diagonal Severino Cabral foi prefeito de Campina Grande/PB, vice-governador, chefe político de muitos votos. E conhecido pelas tiradas engraçadas. Uma tarde, no Rio, andava pela avenida Rio Branco. Resolvendo passar para o outro lado, meteu-se na frente dos carros, fora do sinal. O guarda gritou: - Cidadão, não pode ir por aí. É proibido atravessar em diagonal. Severino Cabral voltou: - Você não conhece roupa não, ignorante? Isto não é "diagonal". É "tropical maracanã". Atravessou em diagonal e tropical.
quarta-feira, 15 de maio de 2024

Porandubas nº 847

Cláudio Lembo, professor de Direito, ex-vice-governador e governador de São Paulo, ex-secretário municipal na gestão Jânio Quadros, sobrancelhas mais decorativas do país, tem a verve na ponta da língua. Um dia, telefona para um amigo de Araçatuba para sondá-lo sobre o ingresso em seu partido. - "Já se inscreveu em algum partido?" - "Não. Esperava as suas ordens." Lembo pede, então, que ele entre no PP. E lá vem a pergunta: - "No PT do Lula?" O ex-vice-governador de São Paulo replica: - "No PP." Matreiro, o amigo diz que ouve mal. O arremate, contado por Sebastião Nery, é uma chamada sobre a nossa cultura política: "Vou soletrar alto e devagar: PP. P de partido e P de banco." Na época, Olavo Setúbal, o todo poderoso dono do banco Itaú e um dos fundadores do PP (então partido popular), ao lado de Tancredo Neves, era prefeito de São Paulo. E Lembo era seu articulador político. O amigo entendeu a mensagem. A historinha retrata a identidade de quadros e partidos e serve para ilustrar a nossa cultura política. Aristóteles e a vida da polis Costuma-se lembrar que, na visão aristotélica, o Judiciário cumpre uma função política. Trata-se da tentativa de enxergar no Poder Judiciário a cota de política que Aristóteles atribuía ao homem, cujo dever é participar da vida de uma cidade, sob pena de se transformar em ser vil. Nessa tarefa, emprega os dons naturais do entendimento e do instinto para exercer funções de senhor e magistrado. Interesses escusos Se o ensinamento do filósofo grego fosse bem interpretado, não haveria restrição para ver na missão dos juízes uma faceta política. A questão, porém, é outra. É comum confundir o ente político, que se põe a serviço da coletividade, com o ator que usa a política para operar interesses escusos. Naquele habita a grandeza, neste reside a vilania. Sob essa diferença, alguns membros do Poder Judiciário, entre muitos que orgulham a Nação, possivelmente lendo de maneira enviesada o conceito aristotélico, parecem confundir Política com P maiúsculo com politicagem de p minúsculo. As duas bandas A politização, portanto, tem duas bandas. Já faz algum tempo que o Judiciário vê a imagem refletida no espelho da descrença. Nunca sua imagem foi tão banhada no lodo da política. As razões devem-se tanto ao comportamento de alguns quadros quanto à própria jurisprudência produzida nos tribunais. Sob o aspecto atitudinal, particularmente na esfera de instituições de alta visibilidade, como é o caso das Cortes Superiores, constata-se uma verbalização fecunda, quando não contundente, e intensa articulação com representantes de outros Poderes, donde emerge a impressão de que os ministros descem do altar onde se cultua o Judiciário para a liça da banalização política. Negociação de bastidores Causa estranheza a desenvoltura com que algumas autoridades se relacionam com o mundo da política partidária. É elogiável o esforço de uns para abrir fluxos de comunicação com a sociedade. Quando, porém, a expressão da alta administração da Justiça se transforma em negociação de bastidores ou no verbo pouco contido do balcão das barganhas, a imagem do Judiciário mais estilhaçada fica. O Brasil não pode se transformar no país do SOS (pedido de socorro) ao STF. E este não pode ganhar a pecha de poder ideológico. O maior patrimônio de um juiz é a independência. Pressão da mídia Ademais, o STF não pode se curvar às pressões midiáticas nem à correntes de opinião. Infelizmente, estruturas do Judiciário e do Ministério Público parecem se inebriar com sua imagem refletida no espelho de Narciso, inebriando-se ante os holofotes da mídia. Como diria Rui Barbosa, "a ninguém importa mais que à magistratura fugir do medo, esquivar humilhações e não conhecer covardia". As virtudes da Justiça Não se defende aqui a tese de que o juiz precisa vestir o figurino da neutralidade. Juízes insípidos, inodoros e insossos tendem a ser os piores. O que a sociedade quer é voltar a encontrar no Judiciário as virtudes que tanto enobrecem a magistratura e outros serventuários da Justiça: independência, saber jurídico, honestidade, coragem e capacidade de enxergar o ideal coletivo. O filósofo Bacon já pregava: "Os juízes devem ser mais instruídos que sutis, mais reverendos que aclamados, mais circunspetos que audaciosos. Acima de todas as coisas, a integridade é a virtude que na função os caracteriza". E os magistrados devem evitar passeios e eventos no exterior, sob o patrocínio de empresas que pagam suas despesas. A ingerência do Executivo A ingerência do Executivo sobre o Judiciário é um desvio de rota, alterando a independência e a autonomia dos Poderes. Ingerência que se liga ao patrocínio de nomeações. A mão que nomeou um magistrado parece permanecer suspensa sobre a cabeça do escolhido, gerando retribuição. O Executivo acaba quase sempre levando a melhor quando se vale do STF, o que levou o jurista cearense Paulo Bonavides à pontuar: "A Suprema Corte correrá breve o risco de se transformar em cartório do Poder Executivo". As promoções na carreira costumam passar por cima de critérios de qualidade. Uma liturgia de herança de poder se instala, com muita docilidade junto às cúpulas dos tribunais. Nivelamento por baixo Milhares de juízes, por sua vez, carecem de condições técnicas para exercer com dignidade as funções. O nivelamento por baixo ocorre na esteira da massificação de cursos de Direito e da juvenilização dos quadros. Certos concursos não se regram por padrões de excelência. Sob o estigma da politização e do despreparo de quadros, caminha o Poder Judiciário. A deusa Têmis Têmis, a deusa, tem uma venda nos olhos para representar a Justiça que, cega, concede a cada um o que é seu, sem olhar para o litigante. No Brasil, é generalizada a impressão de que, vez ou outra, a deusa afasta a venda para dar uma espiada na clientela. Parte II Raspando o tacho - Para pensar: quando teremos um Estado como o RS, 5ª maior economia do país, recuperando toda a sua força? - E os cidadãos que perderam seu patrimônio? Começar de novo? E aqueles, acima de 60 anos, como terão ânimo para recomeçar? - As medidas-tampão, do governo Federal, não equacionarão a quebra da infraestrutura gaúcha. - A desinformação - com o uso e abuso de fake-news - é uma praga semeada por malandros, covardes, oportunistas, políticos de perfil sujo, pessoas que pretendem disseminar o ódio e as rixas entre grupos. - O Brasil pós-desastre no RS será outro? Cuidará melhor do meio-ambiente? - A propósito: onde se meteu a ministra Marina Silva? Sumiu no meio das águas? - Comovente o caso da bebê gêmea, levada pela enxurrada...Triste. Muito triste. - A última pesquisa Quaest coloca Michelle Bolsonaro como a opção número 1 para substituir o ex-presidente Jair. Que o Senhor nos proteja... - Lula não seria opção em 2026 para a maioria dos brasileiros, segundo a mesma pesquisa. Horizonte muito distante. - A comunicação do governo Lula não entra na cachola das classes médias. - Tarcísio de Freitas, governador de SP, se firmando bem como perfil técnico. - Ronaldo Caiado, à direita do espectro ideológico, é o governador com melhor avaliação pela população goiana. - Trump, nos EUA, na frente de Biden em cinco de seis Estados-chave nas eleições. Mas sua eventual condenação pode baixar o ânimo dos contingentes eleitorais. - Ucrânia em rota de queda. Rússia em rota de avanços. O planeta em fúria. - O Nordeste crescerá mais que outras regiões, segundo projeção de nossas instituições econômicas. Fecho a coluna com a seca no Nordeste, em tempos idos. E o apelo do prefeito cancelando chuvas. Seca medonha A seca era devastadora. A Paraíba em desespero, o governador aflito. Um dia, caiu uma chuva fininha no município de Monteiro. Inácio Feitosa, o prefeito, correu ao telégrafo: "Governador José Américo: chuvas torrenciais cobriram todo município de Monteiro. População exultante: Saudações, Feitosa". Os comerciantes da cidade, quando souberam do telegrama, ficaram desesperados. O município não ia mais receber ajuda. Ainda mais porque a mensagem era falsa e apressada. Feitosa correu de novo ao telégrafo: "Governador José Américo: cancelo chuvas. População continua aflita. Feitosa, prefeito".
quarta-feira, 8 de maio de 2024

Porandubas nº 846

Abro com uma historinha da política. Não sei por onde começar Foi no século passado. O desembargador Deoclides Mourão, tio do poeta Gerardo Mello Mourão, fez acordo com Urbano Santos, candidato ao governo do Maranhão. Eleito, Urbano não cumpriu nada. Deoclides Mourão mandou-lhe uma carta: - Senhor governador, diz o povo que o homem se pega pela palavra, o boi pelo chifre e a vaca pelo rabo. Supondo não ter V. Exa. nenhum desses acessórios, não sei por onde começar. A força da natureza A força da natureza é a maior do universo. Os homens até conseguem, com obras monumentais de engenharia e arquitetura, driblar as forças naturais, porque sua força é extraordinária. Estão aí os diques, os túneis debaixo dos rios e dos mares, ícones da grandeza criativa do homem. Mas os furacões, os terremotos e as inundações que devastam espaços, não fazem concessões aos mais avançados bastiões da tecnologia. Porque a natureza não pode ser enganada todo tempo. A catástrofe no RS O Rio Grande do Sul é um dos Estados mais desenvolvidos da Federação. Está debaixo d'água. Padece da maior tragédia natural de sua história. Por mais que possa ser apontada como a fonte de todos os desastres, a natureza está apenas cobrando sua fatura. Uma fatura que cai no colo dos homens públicos, que foram omissos no planejamento de ações com vistas à atenuação da catástrofe. Homens públicos de todas as esferas, Federal, estadual e municipal. Que não enxergaram os riscos na ponta do nariz, um Estado recortado por rios, uma lagoa que virou lago e cujas águas relutam em desembocar no mar. Inundam a capital. Desconfiança Para nossa desgraça, os homens públicos só se mobilizam ante os fatos consumados. E agarram-se ao populismo para se elevar no patamar da política. Por isso mesmo, os gaúchos estão desconfiados, sob os destroços da devastação que deixa 500 mil habitantes sem água e luz. O RS é a luz que passa a iluminar o imenso túnel escuro de nossas inações, da irresponsabilidade dos homens públicos. A tragédia deixará marcas fortes na paisagem de um dos territórios mais charmosos do país. E tem gente querendo se aproveitar do caos que se instalou no Estado para fazer baixa política. Basta Os gaúchos não querem se entregar às ilusões e, aflitos, clamam por socorro. A perplexidade é geral. Em um ano eleitoral, é bom lembrar, a tragédia impactará as urnas. Um sentimento de revolta começa a oxigenar o pulmão cívico. John Stuart Mill, em Considerações sobre o Governo Representativo, diz que há duas espécies de cidadãos: os ativos e os passivos. Os governantes preferem os segundos - pois é mais fácil dominar súditos dóceis ou indiferentes - mas a democracia necessita dos primeiros. Este ano, a democracia brasileira ganhará uma recauchutagem. Com cidadãos ativos. A catarse Em outra ponta do arco da vida nacional, o Rio de Janeiro, sob os braços do Cristo no Corcovado, deu lugar ao maior palco aberto da música. Madonna, o maior ícone da música pop internacional, proporcionou um show catártico, reunindo - dizem - 1,6 milhão de pessoas, fazendo a multidão dançar ao som de músicas vibrantes e de um espetáculo impressionante de performances de dançarinos. O Brasil dos contrastes. Inundações no Sul, inundação da massa humana na praia de Copacabana. Tristeza, de um lado, alegria, de outro. Duas bandas de um mesmo corpo social. Fracionadas. E unidas com uma compressa para tapar as feridas e os dissabores. Compressa feita por Madonna para tapar os restos do sangue derramado pelos brasileiros nos últimos anos. De graça? Ah, ah, ah... Um show de graça foi o termo recorrente, ouvido em todas as esquinas do Brasil. Nada disso. Os anunciantes pagaram uma grana para ter por aqui Madona encerrando seu tour pelo mundo. A artista embolsou uns US$ 10 milhões. Basta ler a entrevista do empresário que a trouxe. (P.S. Luiz Oscar Niemeyer, sobrinho de Oscar Niemeyer, é o responsável pela vinda de Madonna para fazer show sábado no Rio de Janeiro, depois de dois anos de negociações. Ele já trouxe para o Brasil apresentações de Bob Dylan, Elton John, Eric Clapton, Paul McCartney e Stevie Wonder). Com pressa Embolsou um caminhão de dólares, que fique bem claro. Uma montanha de dinheiro. Domingo, já pela madrugada, correu com a filharada para o seu jatinho, e horas depois, repousava em sua mansão de 26 quartos, 3 andares, uma infinidade de banheiros, na parte mais chique de Manhattan, Nova Iorque. Madonna, após aplicar a compressa, voltou com pressa ao seu habitat. E argh...de jogo de palavra.... São João caro Quanta extravagância. Em Mata de São João, na vizinhança de Salvador, a prefeitura vai pagar R$ 450 mil ao artista Bell Marques por show na cidade. Festas juninas. Já a prefeitura de Santa Rita, na Paraíba, vai gastar cerca de R$ 1 milhão em cinco shows nas festividades do São João. É o Brasil mostrando a sua cara. Lula pedindo voto Foi proposital. No dia 1º de maio, em São Paulo, em um evento esvaziado de público, Lula pediu votos para o "jovem" Guilherme Boulos, candidato do PSOL à prefeitura de SP. Sabia ser o gesto proibido. Mas uma multinha de 15 mil não vai fazer mal a ninguém. E Lula, o descumpridor número 1 da lei, vai reinando. O PT quer voltar a ter hegemonia na política. E tem boas condições. P.S. Boulos está 5 pontos abaixo de Ricardo Nunes, segundo última pesquisa do Instituto Paraná Pesquisas. Dirceu, a força José Dirceu recupera a força de tempos idos. Tem amigos em todas as rodas. É uma espécie de conselheiro-mor da política. O perfil mais articulado do PT. Leite O governador do RS, Eduardo Leite, tem sido um eficiente administrador da crise que assola o Estado. Com seu discurso de pedido de socorro e apelo a todas as forças do país. Acima da discurseira oportunista. Raspando os conceitos Reformar o Estado não é tarefa para uma só legislatura. Maquiavel já lembrava que nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de obter êxito ou mais perigoso de manejar do que iniciar uma nova ordem de coisas. O reformador tem inimigos na velha ordem, que se sentem ameaçados pela perda de privilégios, e defensores tímidos na nova ordem, temerosos que as coisas não deem certo. Chimpanzé, Maquiavel e Gandhi - Carlos Matus, em seu ensaio Estratégias Políticas, fala dos estilos de fazer política. Primeiro, o estilo chimpanzé - baseado no projeto do poder pessoal, da rivalidade permanente, da hierarquização da força - supera até mesmo o modelo Maquiavel, onde o personalismo do Príncipe, eixo do sistema, se subordina a um projeto de Estado. Na verdade, o que presenciamos é uma luta entre dois estilos. De um lado, o setor político, inspirado no lema "o poder pelo poder", trabalhando com capricho, usa a arma do voto para atingir o objetivo de preservar e ampliar territórios e influência. - Para tanto, adota a tática de disparar processos de tensão, ameaçar o Governo com retiradas de apoio, buscar coalizões de um lado e de outro. A natureza política é como o instinto do chimpanzé, para quem o ideal de vida é a conservação da própria espécie ("o fim sou eu mesmo"). A representação popular fica em segundo plano. - Por último, o estilo Gandhi, onde o líder representa o consenso, a austeridade e a modéstia. Ele não carece de força física, porquanto repousa seu poder na espiritualidade. Trata-se de um estágio superior de cultura, mas não é necessário alguém se transformar em Papa ou Madre Tereza de Calcutá para alcançar tal grandeza. Espiando um pouco de lado, acha-se alguém de cara honesta. Esse é o estilo que o Brasil precisa incorporar no modelo político. - Nunca precisamos tanto como agora do diálogo, da elevação dos espíritos, da negociação, da convivência, de um pacto por causas coletivas. A campanha eleitoral - Razões para votar O escopo do marketing político, ao longo da história, tem se mantido praticamente o mesmo. O que muda são as abordagens e as ferramentas tecnológicas. Atentem. No ano 64 a.C., Quinto Túlio Cícero enviava ao irmão, o grande tribuno e advogado Cícero - protagonista de episódios marcantes por ocasião do fim do sistema republicano e implantação do Império Romano - uma carta que considero o primeiro manual organizado de marketing eleitoral da história. Ali, Quinto Túlio orientava Cícero sobre comportamentos, atitudes, ações e programa de governo para o consulado, que era o pleito disputado, sem esquecer as abordagens psicológicas do discurso, como a lembrança sobre a esperança, este valor tão "marketizado" no Brasil e que se constituiu eixo central do discurso da era lulista. Dizia ele: "Três são as coisas que levam os homens a se sentir cativados e dispostos a dar o apoio eleitoral: um favor, uma esperança ou a simpatia espontânea".
quarta-feira, 24 de abril de 2024

Porandubas nº 845

Abro esta parte com duas historinhas, uma, de hoje, outra, de ontem. É de chorar... "Tio Paulo" tem sede No Rio de Janeiro, no bairro de Bangu, uma cena que traduz a miséria humana. Uma senhora, Erika de Souza, 42 anos, leva seu tio, Paulo Roberto Braga, 68 anos, a uma agência bancária, numa cadeira de rodas. Pegam um táxi. O tio morre no trajeto. Mas a mulher não se incomoda. Quer por quê quer ir ao banco com o "tio Paulo", com o fito de sacar R$ 17 mil de um empréstimo. Na cadeira de rodas, "tio Paulo", de cabeça pendendo para um lado, é posto ereto. A "sobrinha" chega a dar água ao tio. Não só: pega a mão do morto, tentando fazer com que seus dedos assinassem o documento do empréstimo. P.S. A mulher tem problemas psiquiátricos, segundo laudos. Cena brasileira de hoje. Para rir Você quer saber mais do que o doutor? O caso deu-se em São Bento do Una/PE, nos idos de 60. O caminhão, entupido de gente, voltava de um jogo de futebol, corria muito, virou na curva da estrada. Foram todos para o hospital. Uma dúzia de mortos. Lívio Valença, médico e deputado estadual do MDB, foi chamado às pressas. Pegou a carona de um cabo eleitoral, entrou na sala de emergência do hospital e foi examinando os corpos: - Este está morto. Examinava outro: - Este também está morto. O cabo eleitoral se empolgava: - Já está até frio. De um em um, passaram de 10. Lá para o fim, Dr. Lívio examinou, reexaminou, decretou: - Mais um morto. O morto gritou: - Não estou morto não, doutor, estou só arrebentado. O cabo eleitoral botou a mão na cabeça dele: - Cala a boca, rapaz. Quer saber mais do que o dr. Lívio? Cena brasileira de ontem. Parte I - O Brasil visto de cima - Observações à distância O Judiciário sai de órbita O Judiciário vive uma crise de identidade. O STF tem adentrado na seara legislativa. Sai de sua órbita. O prestígio da Alta Corte despenca. Ministros têm agido de maneira monocrática. Vanitas vanitatum et omnia vanitas (vaidade das vaidades, tudo é vaidade). A bússola judiciária está com os pêndulos girando loucamente. Cada magistrado é uma ilha de poderes. Desajustados. Legislativo, cadê o eixo? O Poder Legislativo, por sua vez, também parece estar à procura de um eixo. Os representantes agem ao sabor das pautas organizadas pelos presidentes das duas casas legislativas, vencendo ondas e tormentas, correndo ao balcão de recompensas e deixando de olhar para as prioridades. O Legislativo quer se livrar da influência do Executivo, mas acaba se rendendo ao poder do dinheiro. As emendas abocanham recursos e mais recursos. Executivo no meio da tempestade O Poder Executivo é um transatlântico no meio da tempestade. O piloto-mor, Luis Inácio, tenta sair da tormenta. Pede mais empenho de seus ajudantes, ministros e assessores. Chega a puxar a orelha até do seu vice-piloto-mor, Geraldo Alckmin, de quem cobra mais agilidade. Do ministro Fernando Haddad, pivô da economia, pede que em vez de ler mais um livro se dedique a conversar com deputados e senadores. Pasmem! É o Brasil, onde a autoridade máxima recomenda fechar livros. E substituí-los por tatibitate. E como está a temperatura do governo? P.S. E o que aconteceria se Haddad pedisse para Lula ler um livro...? Orquestra cansada A temperatura política beira os 40º C. O governo III de Lula nem chegou ao meio do mandato e dá sinais de cansaço. Pernas compridas e pesadas. Cabeça de elefante. Afinal, são 38 ministérios. Não é uma orquestra que exiba harmonia nos tambores, instrumentos de corda e metais. Os trombones e bumbos, ministérios maiores, fazem ruídos, mas parecem descontrolados. As flautas? Entupidas. Os violinos, com performances desajustadas. Toda hora, o maestro suspende os ensaios e tenta eternos recomeços. Ouvem-se resmungos dos músicos da frente, do meio e da ala de trás cobrando maior presença do maestro nos palcos do Legislativo. Classe média Lula quer atrair a classe média, a mais poderosa da pirâmide social. Vai propiciar acesso a recursos aos microempreendedores e pequenas e médias empresas. Foco: ajudar o empreendimento com faturamento de até R$ 400 mil, outros, de até R$ 4 milhões. Se conquistar esse rolo compressor, subirá no ranking da avaliação. Os contingentes médios estão na espia do governo. Desconfiados. As classes médias são a maior barreira na trajetória do Lula III. Economia e emprego No tabuleiro da economia, o governo tem boas coisas para entregar. A pobreza diminui, as margens contam com algum dinheiro no bolso e o desemprego cai. Renda e emprego vão bem. Mas os ruídos no campo político e a Torre de Babel em que se tornou o planeta governamental canibalizam os feitos. As coisas ruins empanam as coisas boas. E a comunicação do governo é destrambelhada. Apesar dos esforços do ministro Paulo Pimenta. Segurança Na área da segurança, a coisa pega mal. O ministro Lewandowski, da Justiça, prega a adoção do SUS da Segurança, um sistema de articulação e intercâmbio de informações entre União, Estados e municípios. Boa proposta, mas leva tempo para se implantar. Mais de 2.200 casos de violência no campo. O abril vermelho do MST registra invasões em 18 Estados. A mobilização envolve cerca de 30 mil famílias. O Brasil se assemelha a uma gigantesca delegacia de polícia. A conflituosidade campeia intra e extra muros de cárceres abarrotados. Saúde Na área da saúde, a defasagem de dados e ações começa com a falta de vacinas. Há desarticulação entre União, Estados e municípios. Milhões de vacinas são incineradas. Tempo vencido de aplicação. Um caos. Queixam-se da falta, queimam-se as sobras. Só mesmo no Brasil. Os equipamentos dos estabelecimentos hospitalares precisam de remendos. As filas para cirurgias no SUS ultrapassam a casa dos milhões. Socorro! Educação O ensino de base procura um caminho. Os exames exibem descontroles e falta de adequada informação. O ministro Camilo Santana, ex-governador do CE, ainda não conseguiu inserir a educação no pódio da qualidade, como tem sido considerada a educação no Estado do Ceará, terra do ministro. As universidades Federais, quase em sua totalidade, estão em greve. Relações com o Congresso As relações com o Congresso estão bagunçadas. Muitos articuladores, dispersão e linguagem da Torre de Babel. Plano pessoal Lula parece mais maduro (duplo sentido...rs). Considera-se um governante que passou pelos mais difíceis vestibulares. Quer ser admirado mundo a fora. Mas o humor continua a aparecer na forma de cobrança a ministros. Quer pressa. As eleições estão à vista. E luta para exibir resultados. Outubro, eleições municipais. 2025, ano do tudo ou nada. 2026, reeleição. Ou indicação de Fernando Haddad, se a economia der certo. A grandeza de uma Nação O que faz a grandeza de uma Nação? O historiador Edward Gibbon, em Declínio e Queda do Império Romano, sintetiza respostas, quando aponta a tríade de fatores responsáveis pelo progresso da sociedade: a imaginação dos pensadores; os benefícios das leis, da política, do comércio, das manufaturas, das artes e das ciências; e a capacidade operativa de homens comuns, famílias, e cidades dedicadas aos ofícios mecânicos, ao cultivo da terra, ao uso do fogo e dos metais, enfim, à prática dos mais variados e utilitários serviços cotidianos. Parte II A campanha eleitoral Não é difícil antecipar o que os candidatos geralmente expressam em uma campanha. Alguns tipos de discursos: Miséria e fome - Aqui, os candidatos procurarão despejar mensagens sobre as condições sociais das regiões. Ética e bons costumes - A corrupção ainda campeia. Será necessário resgatar a base ética da política. Renovação - As caras novas que desejam se consagrar jogam sujeira nas caras velhas, pintando-as com as tintas da maldade e do atraso. Aparecem como bons moços, figuras exemplares, de vida ilibada e comprometidas com os ideais de renovação política. Acusação - Candidatos de oposição estragarão a festa dos situacionistas, exibindo mazelas da administração, a desestrutura das prefeituras, a falência de programas de saúde, habitação, educação. Pedirão aos eleitores atirar pedras nos candidatos situacionistas. Vitimização - Muitos se refugiarão no discurso da vitimização. Mulheres candidatas dirão ser discriminadas, pois a sociedade machista não aceita sua condição de igualdade. Glorificação - Outros olharão para espelhos e se verão como um Narciso glorioso, belo, grande e forte. Fazem boas administrações e exigem que seus correligionários reconheçam seus méritos. Abraçarão, comovidos, plateias acostumadas com seus trejeitos. Diferenciação - Alguns marcarão presença por algum elemento de diferenciação: uma vida dedicada aos pobres; um traço físico característico, que atraia simpatia e interesse; um eixo particular de discurso, capaz de agarrar eleitores sensíveis. Obreirismo faraônico - Muitos usarão retórica da grandiosidade faraônica, para prometer obras de impacto: viadutos, estradas, empreendimentos de impacto. Mesmice programática - Esse filão é um dos mais volumosos. Os candidatos desfilarão soluções para os programas de saúde, educação, saneamento básico, etc. Vida vitoriosa - Quem teve uma vida de vitórias, certamente vai procurar mostrá-la. Aqui, os candidatos vão dizer que sempre foram vitoriosos, e que a estrela está sempre presente em sua testa. Parte III - O mundo visto de cima Guerras O mundo registra grandes conflitos. Na segunda metade do século XXI, o relógio do fim do mundo andou um pouco na direção da meia noite. A guerra Rússia x Ucrânia irá longe. As mortes programadas terão continuidade, mostrando a ineficiência da ONU. As grandes nações parecem conformadas. A União Europeia e os EUA deverão também aprovar medidas de apoio à Ucrânia. IA A inteligência artificial dará as cartas nos próximos tempos, trabalhando celeremente nas estruturas privadas e públicas. Melhorando as equações, arrumando conteúdos melhores, revolucionando os meios de gestão. O risco: ganhar condições para uma vida própria, deixando de lado a ação humana. A Humanidade a seus pés. Biden x Trump Trump teria orquestrado esquema criminoso para influenciar eleições presidenciais dos EUA em 2016, diz promotoria em julgamento iniciado esta semana. O ex-presidente enfrenta 34 acusações. Será o primeiro processo criminal de um ex-presidente americano. Pano de fundo: os esforços do republicano bilionário para encobrir um escândalo sexual. Biden enfrenta o entorpecimento da idade mais avançada. Pesquisas mostram um empate técnico entre os dois. Europa vai pra onde? A direita finca o pé na Europa. O conservadorismo avança. Tempos cíclicos. China na moita A China, com seu capitalismo de Estado, ficará na moita, com um olho tentando enxergar os horizontes do ocidente, outro olho, mirando o plano interno e Estados parceiros, como a Rússia. Meio ambiente Tema central dos próximos tempos. Tempos de aniquilação do planeta. Controles mais rígidos. Natureza dando respostas amargas à devastação. Parte IV - Raspando o tacho Flashes - O que Alckmin sentiu quando Lula pediu a ele mais agilidade? - Arthur Lira trabalha com afinco para fazer seu sucessor na presidência da Câmara. Eleição muito distante. - Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, estará habilitado para concorrer ao governo de Minas Gerais. - Ricardo Nunes, em São Paulo, lidera com pequena folga as pesquisas de intenção de voto. - Sobe o tom crítico nas redes contra o ministro Alexandre de Moraes. Um destemido. - Milei, na Argentina, começa a domar a inflação. - Maduro continua posando com sua "democracia" com selo de ditadura. - Bolsonaro, como maior líder da oposição, correrá o país para fazer sua pregação. Campanha municipal federalizada.
quarta-feira, 17 de abril de 2024

Porandubas nº 844

I Parte - Nossa cultura política Começo com a historinha da mineirice. Vai pra onde? 31 de março de 1964. Benedito Valadares se encontra com José Maria Alkmin e Olavo Drummond no aeroporto de Belo Horizonte: - Alkmin, para onde você vai? - Para Brasília. - Para Brasília, ah, sim, muito bem, para Brasília. Os três saem andando para o cafezinho, enquanto Benedito cochicha no ouvido de Drummond: - O Alkmin está dizendo que vai para Brasília para eu pensar que ele vai para o Rio. Mas ele vai mesmo é para Brasília. Esse tipo de artimanha é chamado de engano de segundo grau. Quer dizer: engano meu interlocutor, dizendo-lhe a verdade para tirar proveito da sua desconfiança. A historinha original é judia e expressa com humor o refinamento a que leva o ocultamento de informações: "Que sacanagem, o senhor quis fazer-me acreditar que vai a Minsk. Acontece que o senhor vai mesmo a Minsk". Morreu pra você Outra historinha com José Maria Alkmin (1901-74). Encontrando-se com um eleitor, abraça-o efusivamente e diz: "não deixe de dar lembranças a seu pai". O rapaz se assusta: "mas meu pai morreu, doutor". "Morreu pra você, filho ingrato! Ele continua muito vivo no meu coração", retruca o sagaz político, que foi secretário estadual, deputado e ministro da Fazenda de JK. A historinha expressa um jogo de soma zero, que envolve a sagacidade de um e a malandragem de outro. O que eles querem dizer é isso: "quando você pensa que está indo, eu já estou voltando". Traço do nosso caráter? De onde vem esse ar de esculhambação geral que se observa na paisagem brasileira, especialmente na arena política? Parte se origina nos traços culturais do caráter nacional, que junta parcela de dispersão à afoiteza e fortes doses de intuição a um fingimento que, na política, é muito comum quando um político cumprimenta uma pessoa dando tapinhas nas costas, enquanto pisca matreiramente para outra. A postura é a de alguém que quer abraçar o mundo, tirar partido de tudo e de todos, ou, ainda, acender uma vela a Deus e a outra ao diabo. Com padrinho, não morre pagão A esperteza não se restringe aos atores políticos. Faz parte do cotidiano dos eleitores, principalmente daqueles de baixo poder aquisitivo que habitam os fundões do país. As correntes fisiológicas ainda pesam forte na balança eleitoral, chegando a ultrapassar 25% do eleitorado. De certa forma, trata-se de remanescentes da cultura do apadrinhamento, ainda bem acentuada nas regiões norte, nordeste e centro-oeste, além de redutos periféricos das metrópoles acostumados às práticas clientelistas. "Quem tem padrinho, não morre pagão", é a voz corrente nos currais eleitorais. "Para os amigos, pão, para os inimigos, pau". Ditado comum na linhagem de caciques regionais. A ordem pessoal Os comportamentos políticos, tanto de representantes quanto de representados, fazem parte da cultura de infração de normas, cuja origem está nos primeiros passos da colonização brasileira. A inversão de valores, a lei do patrão como norma absoluta, a dispersão das comunidades ao longo do litoral e a conquista de vastos espaços do Interior acentuaram, ao longo de nossa história, a predominância da cultura personalista. A ordem pessoal torna-se mais importante que a ordem coletiva. É fato que ainda hoje esse traço se mantém presente na vida institucional. Trata-se da configuração de uma estrutura social fragmentada, dispersa, pulverizada em núcleos patriarcais que se espalham por muitos cantos. Fulanização Hoje, o reflexo desses traços aparece na fulanização política. Os partidos brasileiros têm menos importância que seus líderes. Tornaram-se emasculados, fundiram suas identidades, com a perda de substância doutrinária, imbricando-se a ponto de se ver um conluio esquisito entre PT e partidos do centrão, como se fossem água do mesmo poço. A social-democracia passou a ser um espaçoso buraco no centro da galáxia política para abrigar não apenas tradicionais participantes, mas liberais de designações e conotações variadas, ex-socialistas revolucionários e comunistas históricos, que, ante a derrocada da utopia marxista, tiveram de se recolher em espaços mais aceitáveis pela sociedade. Qual a postura do eleitor? Qual a postura do eleitor ante esse quadro? É a de distanciamento e observação. Ele não mais acredita em melhorias. A mídia oferece para sua análise o cardápio com os pratos repetidos da violência indiscriminada e o poder paralelo de grupos organizados e armados; as negociações políticas envolvendo alianças interpartidárias, temperadas com os caldos fisiológicos regionais; corrupção em todas as esferas públicas; inação do poder judiciário, ante o clamor da população por uma justiça cada vez mais lenta; fulanização política ocupando espaços partidários, em frontal infração à legislação, aumentando a sensação do estado de anomia em que vive o país. 4 tipos de sociedade Desencantado, o eleitor fixa em sua cachola o pensamento de que o Brasil é um país sui-generis. Somos a mais obtusa sociedade entre, pelo menos quatro tipos conhecidos: a inglesa, a mais civilizada, onde tudo é permitido, salvo aquilo que é proibido; a alemã, onde tudo é proibido, exceto aquilo que é permitido; a totalitária, onde tudo é proibido, mesmo aquilo que é permitido e, pasmem, a brasileira, onde tudo é permitido, mesmo aquilo que é proibido. II Parte - A campanha política O marketing de campanha O marketing político eleitoral abriga duas vertentes: o marketing massivo, voltado para atingir classes sociais e categorias profissionais, indistintamente; e o marketing vertical, segmentado ou diferenciado, voltado para atender agrupamentos especializados: profissionais liberais, donas de casa, formadores de opinião, núcleos religiosos, militares, funcionários públicos, etc. Nas campanhas, o marketing segmentado acaba assumindo tanta importância quanto o marketing massivo. E a razão está na intensa organicidade da sociedade brasileira. Na campanha deste ano, o marketing segmentado deverá ser o foco central dos profissionais de marketing. Ciclos da campanha Orientação para candidatos e assessores: estabelecer adequado cronograma dos ciclos da campanha. Que, como se sabe, possui 5 ciclos: lançamento, por ocasião da Convenção; crescimento, entre quatro e cinco semanas após a Convenção; maturidade/consolidação, quando a campanha se firma no sistema cognitivo do eleitor, após ampla visibilidade; clímax, momento em que o candidato alcança seu maior índice de intenção de votos; e declínio, quando o candidato tende a cair nas pesquisas de opinião. Todo esforço se faz necessário para o clímax ocorrer na semana das eleições. A dosagem dos ciclos há de obedecer ao funil da comunicação - deve jorrar mais água (volume de comunicação/visibilidade) na segunda quinzena de setembro. Candidato que começa a decair antes do tempo ameaça morrer antes de chegar à praia. Planejamento de campanhas Este consultor, ancorado em sua vivência, chama a atenção para o planejamento do marketing das campanhas. Que abriga estas metas: 1) priorizar questões regionalizadas, localizadas, na esteira de um bairro a bairro, ou seja, fazer a micropolítica; 2) procurar criar um diferencial de imagem, elemento que será a espinha dorsal da candidatura, facilmente captável pelo sistema cognitivo do eleitor; 3) desenvolver uma agenda que seja capaz de proporcionar "onipresença" ao candidato (presença em todos os locais); 4) organizar uma agenda contemplando as áreas de maior densidade e, concentricamente, chegando às áreas de menor densidade eleitoral; 5) entender que eventos menores e multiplicados são mais decisivos que eventos gigantescos e escassos; 6) atentar para despojamento, simplicidade, agilidade, foco para o essencial, mobilidade, propostas fáceis de compreensão e factíveis. Esse um resumido escopo de planejamento. Marketing: os 5 eixos Resgato, aqui, os cinco eixos do marketing eleitoral: pesquisa, formação do discurso (propostas), comunicação (bateria de meios impressos - jornalísticos e publicitários - e eletrônicos), articulação política e social e mobilização (encontros, reuniões, passeatas, carreatas, etc.). A mobilização dá vida às campanhas. Energiza os espaços e ambientes. A articulação com as entidades organizadas e com os candidatos a vereador manterá os exércitos na vanguarda. A comunicação é a moldura da visibilidade. Principalmente em cidades médias e grandes. Sem ideias, programas, projetos, os eleitores rejeitarão a verborragia. E, para mapear as expectativas, anseios e vontade, urge pesquisar o sistema cognitivo do eleitorado. III Parte - Raspando o tacho - Garantindo a permanência do ministro da Articulação, Alexandre Padilha, no ministério, Lula foi direto: "só por teimosia, vai ficar aqui por muito tempo". Recado ao Congresso, com jeitão de puxão de orelha: quem manda nessa joça, sou eu. Só por birra, ninguém, fora eu, mexe com Padilha. - Mais uma vez, Israel protesta contra neutralidade do Brasil em relação ao conflito com o Irã. Brasil queima suas relações. - Donald Trump começa a ser julgado no 1º julgamento criminal. Há contra ele 34 acusações. Vai haver balbúrdia. - MST faz pressão sobre o governo. Invasão no campo em ano eleitoral é gasolina na palha. Vai queimar os votos de apoio aos candidatos lulistas. - CNJ (Luiz Felipe Salomão) afasta ex-juíza da Lava Jato, titular da operação, Gabriela Hardt, suspeita de peculato e prevaricação; e mais dois desembargadores do TRF-4. - Sergio Moro, ex-juiz e hoje senador (União Brasil), tem esperança de ser inocentado no TSE. A Corte tem histórico de cassação para casos similares. - Senador Jorge Seif (PL), de Santa Catarina, será julgado pelo TSE. Denunciado por abuso do poder econômico. Caso semelhante ao de Sérgio Moro. Ambos inocentados pelos respectivos Tribunais Regionais Eleitorais. - Murilo Hidalgo manda pesquisa do Instituto Paraná Pesquisas em Manaus: Davi Almeida, 29,3%; Amom Mandel, 25,9%; capitão Alberto Neto, 11,5%; Roberto Cidade, 7,6%; Marcelo Ramos, 6,3%; Maria do Carmo, 2,9% e Wilker Barreto, 2,5%. - Mais um interessado em disputar a vaga de senador, caso Moro seja cassado: Roberto Requião, que saiu do PT. - Dona Janja diz que tem apoio do marido, e com plena autonomia, para ser articuladora do governo em ações institucionais. Faz bem. Mas precisa combinar com Alexandre Padilha. - Sinais leves de revigoramento da candidatura Joe Biden nos EUA. - E Vladimir Putin, hein, passando despercebido. Muitos vídeos nas redes sobre sua vida no Kremlin. Todos positivos. Querendo "vender" simpatia. - Vem uma frente fria por aí. Centro-Sul. - Meta fiscal será de 0% do PIB e não 0,5% em 2025. Dólar negociado a R$ 5,21. Haddad ajustando a régua. Fecho com a raposice do dr. Alkmin. José Maria Alkmin, um dos maiores sábios mineiros, nunca perdia a tirada. O eleitor chegou aflito: - Doutor Alkmin, meu filho nasceu, eu estava desprevenido, não tenho dinheiro para pagar o hospital. A matreira raposa tascou: - Meu caro, se você que sabe há nove meses, estava desprevenido, calcule eu, que soube agora.
quarta-feira, 10 de abril de 2024

Porandubas nº 843

Abro com os semáforos, todos juntos. Os quatro semáforos Certo prefeito de Santa Rita do Sapucaí, no Sul de Minas Gerais, ao ver nomeado um amigo para comandar o DETRAN, correu a Belo Horizonte, e não se fez de rogado. Foi logo pedindo: - Amigo, me arranje umas sinaleiras para minha cidade. Vai ser o maior sucesso. Vai ajudar muito a minha popularidade. O diretor, tomado de surpresa, ante tão inusitado pedido, procurou administrar a euforia do prefeito, mas não tinha como escapar à pressão: - Compadre, está difícil arrumar esses aparelhos. Tenho de fazer uma grande reforma aqui na capital. Mas vou me esforçar para lhe arrumar quatro semáforos. Mas, por favor, não espalhe. Insisto: não espalhe. E assim foi. Ao chegar a Santa Rita, um mês depois da entrega, ficou embasbacado. Viu os quatro semáforos colocados no mesmo lugar: o centro da cidade. Perguntou ao alcaide: "por que você mandou colocar todos eles naquele lugar"? Sorriso no canto da boca, o prefeito respondeu: - Ora, compadre, você esqueceu? Me lembro bem: você bem que me pediu para não espalhar os faróis. Parte I - O Brasil das promessas Discurso eleitoral Não desviemos os ouvidos do tom dos discursos. Estamos em pleno ano eleitoral. Em outubro, vamos eleger 5.700 prefeitos, a maior coleção de prefeitos de nossa história. Portanto, vamos ter de ouvir uma batelada de promessas. A maior cascata de promessas de todos os naipes, bastando olhar para as candidaturas que povoarão o espaço nacional. Começo com um pedido. Senhores que serão candidatos, por favor, tenham pena de nós. Não abusem de nossa paciência, nem se esforcem para nos fazer de otários. Não prometam aquilo que não poderão cumprir. Não exagerem nas promessas. Afinal de contas, quem promete o céu sem ensinar o caminho, pode acabar caindo nas garras do inferno. O caleidoscópio Não é preciso ir longe para se saber o que a sociedade quer. Basta captar o senso comum, que está a um palmo dos nossos sentidos. É claro que a população quer que os candidatos se empenhem ao máximo para oferecer as melhores propostas e os modos mais adequados de realizá-las. Dispensa, porém, a demagogia, os programas mirabolantes, as extravagâncias, as fórmulas mágicas e os coelhos tirados da cartola, que se sabe, são artimanhas de ilusionistas do mundo circense. Pontes, viadutos, estradas vicinais, postos de saúde, escolas municipais, creches, transporte escolar e até segurança pública (função do Estado) estarão presentes no caleidoscópio de promessas. Mas, e o povo, o que quer? Dinheiro no bolso O povo quer, sim, que a moeda entre no bolso, garantindo o poder de compra do consumidor. Função da estabilidade da economia, a cargo do poder Federal (leia-se Lula, Haddad e companhia, grandes eleitores de outubro). Que isso seja feito de modo a não criar atropelos, calotes, percalços e sustos em nossas precárias reservas. O país que todos desejam deveria oferecer muitas possibilidades de empregos, sem restrição de idade e classe, diminuindo as angústias das milhares de famílias desempregadas. Sabemos que isso implica plena carga na produção, com o incentivo aos setores da economia desmotivados. Que se baixem os juros e se diminuam os impostos, fazendo-se com que mais gente pague, mas pague menos. Justiça fiscal, é isso que se prega. Vejam que o eleitor quer muitas coisas que dependem do governo Federal. Segurança O povo quer, sim, segurança, mas um sistema preventivo e ostensivo que se faça respeitar pela força da autoridade, pela disposição dos efetivos motivados e pela certeza de que os criminosos serão condenados e submetidos aos rigores da lei. Ao contrário, longe de nós a segurança que causa insegurança, pela ação maléfica e contaminada de quadros policiais mancomunados com as gangues. Nesses tempos de milícias, que o poder público tenha condições de sustar o poder informal. E que consiga garantir a segurança máxima das cadeias. Não à carnificina O povo não quer o aparato que se inspira na carnificina, da mortandade em sequência (na baixada santista os mortos vítimas da polícia do governo Tarcísio de Freitas atingem número assustador). Urge arquivar o slogan "bandido bom é bandido morto". Sabemos que essa cultura é fonte da própria violência que se perpetua nos cárceres. Como seria civilizado dispormos de espaços seguros em todas as partes, inclusive nos empreendimentos turísticos, onde se avolumam as mortes de crianças e adolescentes por falta de equipamentos adequados e orientação condizente nos parques de lazer. Educação de base O povo quer, sim, uma educação forte de base, com todas as crianças em escolas bem aparelhadas, recebendo lições de cultura e vida, sem medo das infiltrações das drogas. Os nossos professores, motivados, com salários decentes, seriam respeitados como os guias espirituais de uma sociedade destinada a um grande destino. O sentimento do povo apela por uma Universidade, onde greves por carências de professores sejam apenas tênues ecos de um passado retrógrado. Os pais querem festejar o fato de que não há mais docentes que finjam dar aulas e discentes que finjam assisti-las. Os pais querem, sim, que a nossa juventude redescubra a alegria do lazer saudável, dos esportes, da política estudantil voltada para a construção de valores e ideais. Saúde de qualidade O povo exige, sim, um sistema de saúde, onde os estabelecimentos limpos e aparelhados afastem por completo o medo da infecção hospitalar. Mais: que os profissionais, preparados e acolhedores, em quantidade adequada, não façam os doentes esperar em filas quilométricas. E que o processo de cura seja facilitado por remédios baratos e à disposição de todas as classes sociais. Satisfação no trabalho O povo defende, sim, que os profissionais liberais de nosso país reencontrem a satisfação no trabalho, cobrando justos preços, atendendo de maneira exemplar os seus clientes, irmanando-se ao ideal da solidariedade e do humanismo. Menos burocracia O povo quer, sim, que haja menos burocracia na administração governamental, menos regulamentos, melhores e mais ágeis serviços, aproximando-se a esfera pública do cotidiano dos cidadãos. Melhor Justiça O anseio popular é por melhor Justiça, que significa mais agilidade nos processos, imparcialidade nas decisões e rigoroso cumprimento da lei. A comunidade espera carregar em seus corações a certeza de que, no país, a lei é para todos, sem distinção de cor, raça e gênero. Como seria bom se os nossos políticos prestassem contas dos compromissos assumidos, não se aproximando dos eleitores apenas nos períodos eleitorais. O ideal coletivo O povo quer, sim, governos compromissados com o ideal coletivo, menos sujeitos às pressões fisiológicas, menos aferrados ao utilitarismo monetarista, e mais plurais na forma de contemplar as demandas sociais, na capacidade de entender as dimensões e problemas das unidades federativas e na disposição de exercer as funções constitucionais. Os valores A ordem, o respeito, a autoridade, a disciplina, o zelo são valores intrínsecos ao escopo institucional. Infelizmente, estão sendo atropelados pela irresponsabilidade de maus administradores, corruptos e apaniguados. Urge resgatar a escala de valores a fim de se poder reconquistar a crença dos cidadãos nos símbolos da Nação. A verdade Olhar olho no olho, sem temer a verdade; enfrentar as situações com disposição; jogar aberto, não tergiversar; assumir o sentido da autoridade; fazer cumprir a lei; punir os culpados; exercer com altanaria as altas funções públicas - são esses alguns preceitos que o povo quer ver aplicados. Para respeitar, o cidadão quer ser respeitado; para assumir responsabilidades, quer ver exemplos dignificantes de cima. No fundo, o que ele quer é ver replantada a semente de suas mais altas esperanças, resgatando as velhas utopias de tempos idos. Parte II Raspando o tacho - Elon Musk, o bilionário, quer algazarra com suas leviandades dirigidas ao ministro Alexandre de Moraes e ao próprio STF. Quanto maior a repercussão de suas diatribes, maior a visibilidade para sua rede X, o antigo Twitter. - O ministro Alexandre assume a imagem de delegado da maior delegacia do país. Com direito à glória midiática. - Lula tirou um sarro de Musk, ao dizer que o bilionário dos foguetes tem de aprender a viver aqui. Como? A não ser que o homem da Tesla decida por vontade própria habitar em nossos trópicos. Coisa mais inviável que a hipótese de que o sol não nascerá amanhã. - Na novela da Petrobras, Jean-Paul Prates está sendo "queimado" por suas qualidades, não por seus defeitos. - Tem sido ele um fiel apóstolo de Luiz Inácio. - O prefeito Ricardo Nunes, de São Paulo, precisa acelerar esse programa de recapeamento, evitando entrar no segundo semestre com o barulho de máquinas tumultuando o trânsito. - O aparato legal para as redes sociais se faz necessário para evitar uma "terra de ninguém", onde cada um se sente apto a atirar contra outros. A lei é necessária. - E o déficit zero, hein, Haddad? Bonita estamparia, hein, Fernandinho? - Nísia, a ministra da Saúde, fala com alma, segundo Lula. Um acarinhamento para quem estava sendo triturada há duas semanas. - Vem reforma ministerial por aí? Nem Lula sabe. - A rede X diz que vai reabilitar perfis dela retirados. Quero ver. Sem pagar, claro. - O calor, pouco a pouco, está sendo mais leve no Sudeste. Porém, sufocante no Nordeste. La Niña. Fecho Para combinar com a parte I da coluna, fecho com uma historinha encaminhada por um eleitor do Paraná. Candidatos de duas famílias disputavam a prefeitura de uma pequena cidade. Final de campanha. A combinação era de que os dois candidatos e seus familiares teriam de usar o mesmo palanque. Discursou, primeiro, o candidato que tinha 70% de preferência dos votos: - Povo da minha amada terra, povo ordeiro, trabalhador, religioso e cumpridor de suas obrigações. Se eleito, irei resolver o problema de falta de água e de coleta de esgoto. Farei das nossas escolas as melhores da região, educação em tempo integral. Vou construir uma escola técnica do município... E arrematou: - E tem mais, meus amigos, ordeiros, religiosos e cumpridores de seus deveres morais, vocês não devem votar no meu adversário. Ele não respeita nossa gente, nossas famílias, nossos costumes! Ele desrespeita nossa igreja. Ele nem se dá ao respeito. Vocês não devem votar nele. Porque ele tem duas mulheres. O adversário, com 20% de intenção de voto, quase enfartou quando viu a mulher, ao seu lado, cair no palanque. Ela não aguentara ouvir a denúncia do adversário de que o marido tinha uma amante. A desordem ganhou o palanque. A multidão aplaudia o candidato favorito e vaiava o adversário. Cabos eleitorais começaram a se engalfinhar. Passado o susto, com muita dificuldade, o estonteado candidato acusado de ter duas mulheres começa seu discurso, depois de constatar que a esposa estava melhor: - Meu amado povo, de bons costumes e moral ilibada, religioso e cumpridor de seus deveres morais, éticos e religiosos. Quero dizer aos senhores e senhoras aqui presentes, que, se agraciado com seus votos me tornar o prefeito desta cidade, farei uma mudança de verdade. Não só resolverei o problema da falta de água, como farei também o tratamento de todo o esgoto do município, construirei uma escola técnica e um novo hospital! A massa caçoava do coitado e de sua mulher. Foi em frente: - Vou melhorar o salário dos professores, a merenda das crianças e ainda vou instituir o Bolsa Cidadão! Agora, prestem bem atenção. Se os amigos acharem que não podem votar em mim porque tenho duas mulheres, votem no meu adversário! Mas saibam que a mulher dele tem dois maridos. A galera veio abaixo. O pau comeu. Brigalhada geral. Urnas abertas. O candidato corno perdeu: 76% para o adúltero.
quarta-feira, 3 de abril de 2024

Porandubas nº 843

Abro a coluna com monsenhor Elesbão. As três pessoas No confessionário, Monsenhor Elesbão era rápido. Não gostava de ouvir muita lengalenga. Ia logo perguntando o suficiente e sapecava a penitência que, sempre, era rezar umas ave-marias em louvor de N. S. do Rosário. Fugindo ao seu estilo, certa feita ele resolve perguntar ao confessando quantos eram os mandamentos da lei de Deus. - São 10, Monsenhor. - E quantos são os sacramentos da Santa Madre Igreja? - São 7, Monsenhor. - E as pessoas da Santíssima Trindade, quantas são? - São 3, Monsenhor. Monsenhor, notando que o confessando só sabia a quantidade, pergunta rápido: - E quais são essas pessoas? A resposta encerrou a confissão: - As três pessoas são o senhor, o Dr. Didico e o Dr. Zé Augusto. (Historinha contada por José Abelha em A Mineirice). Parte I - O Brasil de Lula A combinação com os russos A governabilidade do país abre a hipótese de que depende de um sistema de forças capaz de dar suporte ao governo. Significa dizer que não se governa sem o aval do Parlamento. Esse é um pequeno lembrete aos tortos de visão e cabeça, que acreditam ser possível a um chefe de Estado dirigir o país sem o endosso dos "russos", ou seja, dos nossos representantes no Parlamento. Portanto, não enxerguem um Brasil comunista, socialista ou ditatorial, como se ouve aqui e ali pela boca de radicais empedernidos. A não ser que o dirigente manobre na direção de um golpe de Estado. A governabilidade exige uma combinação com os "russos", lembrando a engraçada tirada de Garrincha. A historinha Para quem não se lembra, a lenda. Na Copa do Mundo de 1958, na Suécia, o técnico Vicente Feola explicou na prancheta a tática para derrotar a seleção da antiga União Soviética: Nilton Santos lançaria a bola da esquerda do meio de campo para a direita do ataque nos pés de Garrincha, que driblaria três adversários e cruzaria para Mazola cabecear na grande área e fazer o gol. Com ingenuidade ou ironia, não se sabe, o nosso Mané Garrincha perguntou: "Seu Feola, o senhor já combinou com os russos?". A situação nunca ocorreu, mas faz parte do imaginário social. Putin, o russo O Brasil de Lula tem russo na parada. E não é apenas o Vladimir Putin, para o qual a Advocacia-Geral da União preparou um parecer, a ser encaminhado ao Tribunal Penal Internacional de Haia, com o objetivo de permitir que venha ao Brasil, em novembro, para a cúpula do G20. O governo brasileiro não cita diretamente Putin no texto, mas faz referência a um cenário que se encaixa na situação atual do líder russo: ele é alvo de um mandado de prisão expedido pelo TPI, acusado de ter permitido que ocorressem crimes de guerra no conflito com a Ucrânia. Como o Brasil é signatário do Estatuto de Roma, que criou o TPI, o país em tese está obrigado a prender Putin caso ele desembarque em território nacional. A Rússia assinou o Tratado em 2000, quando foi criado, mas saiu dele em 2016. Os russos de Lula são os nossos deputados e senadores. A base "russa" No Congresso Nacional, a base "russa" do governo conta com 11 partidos e mais de 350 deputados, segundo o blog Poder360, de Fernando Rodrigues. A questão é a fidelidade. Muitos não votam com o governo, apesar de usar verbas destinadas a seus redutos eleitorais. O governo pode ter algo próximo aos 250 parlamentares, um número que não basta para aprovar PECs, por exemplo. Lula abriu, há tempos, o balcão de trocas, mas seu principal cobrador é Arthur Lira, que preside a Câmara Federal com as garras de um leão faminto. O leão quer abocanhar as maiores fatias. Para dividir com os leões e leoas do seu território, o chamado Centrão. A descida de Lula Com todos esses russos no jogo, por que Luiz Inácio desce o despenhadeiro da imagem? Vamos à análise, com a observação de que já tratei de alguns aspectos em colunas anteriores. Mas, aproprio-me do ditado latino - quod abundant non noscet (o que é demais não prejudica). 1. Promessas Com tantas promessas e projetos de campanha a cumprir e realizar, não é de todo inviável a observação de que Lula acaba cedendo muito para poder governar, fato que transforma seu governo em um queijo suíço, com buracos aqui e ali, ou numa carranca franksteniana. Todo cuidado é pouco para os cirurgiões plásticos de plantão. Os pacotes governamentais, de tão batidos pelos governos do PT, mais parecem hoje uma obrigação do Estado. Não servem mais como pincel para pintar as paredes corroídas da casa. 2. A colcha de retalhos Os programas e projetos mais parecem pedaços de cores diferentes numa colcha de retalhos. Faltam unidade, harmonia estética, integração de propósitos. Ao lado da velha politicagem: ministros mandando em verbas de outras Pastas, em clara interpenetração de funções e mandos. A imagem governamental se estraçalha. Vejamos o que diz Tales Faria no UOL: a influência de Alexandre Padilha sobre o Ministério da Saúde teve um alto custo. Arthur Lira, que cobiçava o controle do órgão, dificultou o diálogo entre o ministro das Relações Institucionais e o Centrão, o que comprometeu a atuação de Padilha no Congresso. 3. As falas de Lula Falem mal do Lula, mas não sobre sua coerência. Trata-se de um dirigente fiel aos seus valores. Lula é PT. E faz parte do clube dos fundadores. Não pode negar por completo seu discurso de ontem. Pode, até, arrefecê-lo, não, negá-lo. O "João Ferrador" deu lugar ao "Lulinha, Paz e Amor" e também ao "Lula Pragmático". Esta última vestimenta é a do governante que enxerga desvios e rotas do caminho. Escolhe as melhores opções. Ou seja, veste-se de acordo com os costumes da modernidade. Sem abandonar vieses do passado, sempre presentes nas falas de palanque. 4. A fulanização No atual sistema eleitoral proporcional, que data de 1950, o fenômeno da fulanização tomou corpo, contribuindo, por meio das listas abertas, para instalação do voto "salada mista", pelo qual o eleitor tem liberdade de escolher candidatos, em um visível enfraquecimento das estruturas partidárias. Isso porque os partidos, com raras exceções, além de não possuírem controle sobre os perfis e as chances de seus candidatos, passam a presenciar, estáticos, uma feroz disputa. Um processo de canibalização recíproca. Ora, esse fenômeno enfraquece a capacidade do governo em negociar com os partidos. 5. Está longe a forte democracia Para coroar o ritual de personalização política, muitos eleitos acabam trocando a sigla, contribuindo, assim, para o estiolamento partidário. As janelas que se abrem para a troca de partidos estão na índole do "jeitinho brasileiro". Quem controla com mais rigidez o rol de candidatos, como o PT, compensa a dispersão das listas abertas e se fortalece. Maurice Duverger, chamando a atenção para tal problema, chegou a afirmar que "o Brasil só será uma grande potência no dia em que for uma grande democracia. E só será uma grande democracia no dia em que tiver partidos e um sistema partidário forte e estruturado". Estamos muito longe do ideal do pensador francês. 6. Não há para onde correr Sob o presidencialismo, as tensões se acirram entre os Poderes e o balcão de recompensas fica sempre lotado. Ademais, a pulverização partidária dá origem a outro fenômeno - a cissiparidade - ou seja, a divisão de um partido em dois, como foi o caso do PSDB, que saiu de uma costela do PMDB, e o PDT de uma banda do velho PTB getulista. A partir daí, a proliferação de novas legendas passa a povoar a cultura política. Constatada a situação e explicada sua natureza, resta aduzir que Lula se depara com enormes dificuldades para governar. Deve transigir cada vez mais. Não há para onde correr. Parte II Raspando o tacho - O ciclo pré-eleitoral se abre com os primeiros discursos ácidos dos candidatáveis. E com as primeiras viagens de Lula, a começar pelo Rio e Nordeste (Pernambuco e Ceará). - A meta é se aproximar do eleitor em eventos para tentar desfazer o resultado das recentes pesquisas de opinião. - Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, tem sido aconselhado a não fechar posição sobre o patamar presidencial de 2026. Ronaldo Caiado, governador de Goiás, também quer ser uma alternativa da direita. - A Empresa Brasileira de Comunicação vai inserir forte dose de conteúdo governamental em sua programação. Governo quer usá-la como tuba de ressonância de propaganda eleitoral. - O TSE se encontra diante de um gigantesco desafio: domar o dragão das fake news que já começaram a jorrar nas redes sociais nessa abertura do ciclo pré-eleitoral. - Os militares estão satisfeitos com Lula no que diz respeito ao seu comportamento sobre os 60 anos da instalação da ditadura. - Nicolas Maduro, depois da fustigada que deu em Lula - o rebate sobre o processo eleitoral antidemocrático na Venezuela - agora quer amaciar o velho amigo. Uma no cravo, outra na ferradura. - O mundo continua a ver o horror das guerras no Oriente Médio e na Ucrânia/Rússia. Um desfile de destroços e cadáveres. - O Brasil mostra um avanço - pequeno, porém notável - na área das ciências exatas. Elevação do interesse do alunato pela matemática. - Nos EUA, Joe Biden e Donald Trump se engalfinham. O republicano é um oportunista. E tem mais chances, hoje, de levar a melhor. Hoje, repito. - Erdogan começa a descer o despenhadeiro na Turquia. Há 20 anos no poder, o presidente Recep Tayyip Erdogan sofre sua maior derrota nas urnas nas eleições municipais e estaduais realizadas no domingo. A oposição obteve vitória nas duas principais cidades turcas: a capital, Ancara, e Istambul, cidade que Erdogan foi prefeito e onde começou sua carreira política. - Atenção, candidatáveis. Lembrem-se de minha velha e sempre lembrada equação: BO+BA+CO+CA - Bolso cheio, Barriga satisfeita, Coração agradecido, Cabeça elegendo dirigentes. Fecho a coluna novamente com o monsenhor Elesbão. No confessionário Monsenhor Elesbão estava esgotado de tanto ouvir pecados, ou, como dizia, besteiras. Decidiu moralizar o confessionário. Afixou um papelão na porta da Igreja, dizendo: O Vigário só confessará: 2ª feira - As casadas que namoram 3ª feira - As viúvas desonestas 4ª feira - As donzelas levianas 5ª feira - As adúlteras 6ª feira - As falsas virgens Sábado - As "mulheres da vida" Domingo - As velhas mexeriqueiras O confessionário ficou vazio. Padre Elesbão só assim pode levar vida folgada. Gabava-se: - Freguesia boa é a minha... mulher lá só se confessa na hora da morte! (Leonardo Mota em seu livro Sertão Alegre)
quarta-feira, 27 de março de 2024

Porandubas nº 842

Abro a coluna com o mel de Frei Damião. Fausto Campos sempre passava pela BR-232, entre Serra Talhada e Custódia, em Pernambuco. Na beira da estrada, vendedores ofereciam o melhor mel do mundo, o mais puro. Um dia, resolveu levar uma garrafa. Perguntou: "o mel é puro"? O vendedor: "o mais puro do mundo". Fausto arrematou: "pois vou levar esse mel para o Frei Damião". O vendedor apressou-se a esclarecer: "doutor, é melhor não levar esse pote. Quem tirou esse mel foi meu irmão e ele gosta de juntar um pouco d'água no mel para render mais. Desculpe. Na próxima vez, o senhor vai levar um mel 100% puro. Agora, só se o senhor quiser levar esse pro senhor. Mas pro Frei Damião, de jeito nenhum". (Historinha enviada por Delmiro Campos, filho de Fausto). Parte I Conceitos e valores em tempos eleitorais Em tempos eleitorais, a classe política costuma usar colírio para tentar enxergar o movimento das ruas. Coisa corriqueira diante dos índices que colocam políticos nos últimos degraus da credibilidade pública. Não resta outra coisa aos representantes do povo, neste momento, que fazer uma imersão no terreno da ética e reler o manual que discorre sobre os valores do eleitorado. A análise sobre as razões que jogam políticos no fundo do poço da descrença poderá se transformar na chave para reabrir a porta do tempo perdido. Eis alguns conceitos que podem resgatar a credibilidade. Promessas Atenção, pré-candidatos. Não se deve prometer o que não se poderá cumprir. O eleitor exige sinceridade. Os espaços das alegorias, das coisas mirabolantes, dos planos fantásticos não conquistam mais a cachola das massas. Qualquer tentativa de recuperar esse terreno com promessas do "eu faço, eu farei" trará dissabores. Identidade Um político deve manter firme sua identidade, personalidade, eixo. Uma coluna vertebral torta gera desconfiança. A imagem que o político deve projetar não poderá ser muito diferente de seu conceito, de sua verdade. Quando isso ocorre, a percepção da opinião pública esmaece a figura do representante. Coluna vertebral reta incorpora as costelas da lealdade, da coerência, da sinceridade, da honestidade pessoal e do senso do dever. Representação Representar o povo significa escolher as melhores alternativas para seu bem-estar. A expressão focada exclusivamente pela intenção de adoçar as dores das periferias angustiadas não se sustenta. Cairá no vazio. Um político sério se preocupa com rumos permanentes e medidas condizentes com as possibilidades das administrações (Federal, estadual e municipal). Sapiência Sapiência é um valor respeitado, que não significa vivacidade. E sim, sabedoria, mistura de aprendizagem, compromisso, equilíbrio, administração de conflitos, busca de conhecimentos, capacidade de convivência e respeito ao eleitor. A vivacidade é a cara feia do fisiologismo, tumor que até o povo simples começa a lancetar. Cheiro das ruas O cheiro do povo impregna as ruas, os transportes, o comércio, os escritórios, as fábricas, o campo. O povo sabe distinguir aqueles que estão ao seu lado. O ar de Brasília costuma atrapalhar o político de forma a afastá-lo das vielas escuras das metrópoles e dos fundões do país. Esconderijos Não dá mais para alguém se esconder. A corrupção não acabará. E quem for descoberto em tramoias será condenado pelas urnas. Atente-se para o fato de que as denúncias sobre negociatas e trocas de favores ilícitos constituem o prato da mídia. Urge se afastar do cardápio indigesto. A qualquer hora, o mundo ficará sabendo. Discurso O discurso que vinga é aquele que contém propostas concretas, viáveis, simples e com metas temporais. Sua adaptação ao momento é fundamental. A população dispõe, hoje, de entidades que a representam em diversos foros. Algumas delas possuem atuação política tão densa quanto o Congresso. Resta ao político se apoiar no universo das organizações não governamentais, que está a um palmo de seu nariz. Simplicidade Um homem público não precisa se vestir com a roupa de Deus. A honraria que os cargos conferem é passageira. Mandatos pertencem ao povo. Ser simples não é posar com crianças no colo, comer cachorro-quente na esquina ou gesticular para famílias nas calçadas. A simplicidade é o ato de pensar, dizer e agir com naturalidade. Sem artimanhas e maquiagens. O marketing de hoje se inspira na verdade. Ou, na pior das hipóteses, na versão mais verdadeira. Estado e Nação O político pode até lutar por um Estado diferente da Nação que o povo aspira. A Nação é a Pátria, que acolhe, confere orgulho ao cidadão. É o território onde as pessoas se sentem bem, gostam de viver, conviver e constituir um lar. O Estado é a entidade técnico-jurídico-institucional, comprimida por interesses e dividida por conflito, que pessoas de diversas classes estão sempre a criticar. Aproximar o Estado da Nação constitui a missão basilar da política. Esse é um compromisso cívico inegociável. O Brasil de novos horizontes passa por esses contornos. Os espaços da razão A razão, como mecanismo para a tomada de decisões, está ampliando consideravelmente seus espaços junto aos segmentos sociais, inclusive nos setores populares, tradicionalmente conhecidos por agir intensamente sob o impacto das emoções. Os comportamentos mais racionais estão relacionados à modernidade, que aponta para o reordenamento na escala de valores, princípios e visões dos grupamentos sociais. Velhos discursos estão saturados. Respira-se um ar de mudanças significativas nos campos geopolítico e econômico. Aqui e alhures. A cultura racional Os alicerces da cultura racional desses tempos de grandes avanços tecnológicos são, entre outros: o desmoronamento dos eixos que formaram, por décadas a fio, o pensamento de parte significativa da humanidade; a debacle do edifício socialista, com sua fechada visão sobre a luta de classes; a integração geoeconômica entre países e blocos; e a homogeneização sócio-cultural dos povos, em função dos inputs fornecidos pelo aparato tecnológico da mídia massiva. Cidadania As bases dessa cultura se apoiam em mudanças ocorridas no campo individual. A pessoa, escondida no anonimato na massa, descobre que pode se transformar em cidadã. A cidadania deixa de ser o discurso demagógico das instituições políticas e ingressa nos repertórios mentais do indivíduo, passando a ser fator de conquista e meta desejada. Essa descoberta se imbrica com a "consciência do EU", uma antinomia ao conceito do "NÓS coletivo", esteira da propaganda política e eixo da mistificação das massas. Autogestão A maior autonomia individual fortalece o desenvolvimento de uma postura que pode ser definida como a de autogestão técnica, pela qual os indivíduos passam a traçar seus rumos e a selecionar os meios, recursos e formas para atingir seu intento. Rejeitam ou aceitam, com muitas restrições, as pressões autoritárias de um sistema de poder normativo, que geralmente vem de cima. Equivale a dizer que fogem dos "currais" psicológicos que enclausuram pensamentos e amedrontam espíritos. Seu conceito de legitimidade está embasado pela apropriação do heterogêneo, do inesperado e das diferenças. A rebeldia das formas O campo social se reparte em um mosaico de multiplicidades e particularismos, abrindo-se o universo do discurso para a rebeldia das formas e rejeição a tudo que se assemelhe a totalizações. O desejo de posse e de status configura o quadro de decisões e os espaços privados são muito bem delineados, afastando-se dos espaços públicos. No campo moral, a aceitação universal de princípios sofre impactos, ampliando-se os espaços da espontaneidade, da criatividade e da individualidade. Transparência A transparência, a agilidade nos processos decisórios; as exigências sociais pela conservação do meio ambiente; a cobrança rigorosa aos representantes da sociedade nos parlamentos; as críticas contra a ineficiência das estruturas da administração pública; as mudanças e as novas interpretações para os dogmas religiosos; a derrocada de muitos mitos e a busca incessante da verdade contribuem para elaborar a moldura da racionalização dos processos e comportamentos humanos. Parte II Raspando o tacho - O flagrante de Jair Bolsonaro na embaixada da Hungria, onde passou dois dias, logo após entregar o passaporte às autoridades, por determinação da Justiça, revela o temor do ex-presidente de ser preso. E se não for isso, o que significa? Jair teme ou sugere prisão? - Quem mandou matar Marielle Franco? Com a revelação dos autores intelectuais do crime (os irmãos Brazão?), o caso está encerrado? Não. Urge puxar o fio do novelo e descobrir quem mandou matar outros figurantes da paisagem política. - Lula começa a perceber que o pleito de outubro exigirá de seu governo fenomenal desempenho para formar boa bancada de prefeitos e gorda baciada de vereadores, o alicerce das eleições de 2026. - O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, parece estar sem um tempinho para aparar a vasta cabeleira. Mostra gosto para dar entrevistas e muito pouco para ceifar os tufos de cabelos brancos. - Um ex-delegado da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa, atuando como suporte de planejamento no assassinato de Marielle, é o cúmulo do desmando no seio de "nossa" (nossa?) polícia. - O Brasil dividido faz o gosto de Jair, que espera ser vitimizado com eventual prisão. O brasileiro costuma se posicionar ao lado das vítimas. - As Forças Armadas sonham com um amanhã venturoso, de respeito ao seu ideário, totalmente afastadas do emaranhado político que enlameia sua identidade. - O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, puxa o trabalhismo para trás. Defende ideias retrógradas. - O ministro Haddad é o coringa do PT. Pode ser a melhor alternativa do partido nos horizontes do amanhã. - Quem sabe declinar os nomes dos ministros do governo Lula III? - Guilherme Boulos começa a perder pontos na corrida eleitoral da maior metrópole do país. - O Instituto Paraná Pesquisas assume a posição de entidade de pesquisa com a maior abrangência nacional. Idôneo, o comandante Em certa cidade fluminense, o chefe local era um monumento de ignorância. A política era feita de batalhas diárias. Um dia, o chefe político recebeu um telegrama de Feliciano Sodré, que presidia o Estado: - Conforme seu pedido, segue força comandada por oficial idôneo. O coronelão relaxou e gritou para a plateia: - Agora, sim, quero ver a oposição não pagar imposto: a força que eu pedi vem aí. E quem vem com ela é o comandante Idôneo. (Historinha contada por Leonardo Mota, em seu livro Sertão Alegre)
quarta-feira, 20 de março de 2024

Porandubas nº 841

Abro a coluna de hoje com a mineirice... Mata o bicho A referência é o monsenhor Aristides Rocha, mineirinho astuto, que fazia política no velho PSD e odiava udenistas. Ainda jovem, monsenhor foi celebrar missa em uma paróquia onde o sacristão apreciava uma boa aguardente. Um dia, o sacristão, seguindo o ritual, sobe o degrau do altar com a pequena bandeja e as garrafinhas de vinho e água, e não vê uma barata circulando entre as peças do altar. Monsenhor interrompe o seu latim e, de olho na bandeja, diz baixinho ao sacristão: - Mata o bicho... O sacristão não entende a ordem. Atônito, fica olhando para o jovem padre, que repete a ordem, agora com mais energia: - Mata o bicho, sô! Ordem dada, ordem executada. O sacristão não se faz de rogado. Diante dos fiéis que lotam a capela, ele pega a garrafinha e, num gole só, sorve todo o vinho da santa missa. No interior de Minas, "matar o bicho" é dar uma boa bebericada. (Do livro de Zé Abelha, A Mineirice.) Parte I O lamento de Bolívar Nunca o lamento do grande libertador Simon Bolívar, expresso há mais de dois séculos, esteve tão atual: "não há boa fé na América, nem entre os homens nem entre as nações. Os tratados são papéis, as constituições não passam de livros, as eleições são batalhas, a liberdade é anarquia e a vida um tormento". Tomando ao pé da letra o pensamento e procurando aplicá-lo ao caso brasileiro, deparamo-nos com uma situação bastante similar à descrita pelo timoneiro. A vida nacional está se tornando um tormento e parcela desse sofrimento tem muita coisa a ver com a desordem que nos cerca. Na Venezuela Pano de fundo: a Venezuela, onde Bolívar foi o grande timoneiro. O comandante Hugo Chávez agarrou o simbolismo do ideário libertário para instalar sua ditadura. O ditador que o substituiu, o parrudo Nicolás Maduro, marca eleições na data de aniversário de Chávez, para se perpetuar no assento do poder. Às favas com os valores democráticos. A líder da oposição, Marina Corina Machado, que fique choramingando e pedindo um "adjutório" a...quem? Ao presidente Luiz Inácio, que é um bastião de defesa de Maduro. No Brasil Volto ao Brasil. Por aqui, padecemos de um estado de anomia que começa com a falta de boa-fé entre os homens. Basta verificar a política de emboscadas que inspira o relacionamento entre partidos políticos e o balcão de trocas do Palácio do Planalto. As dissensões se acentuam a cada dia. O governo entra no despenhadeiro da má avaliação pela comunidade. Lula cobra resultados. E o Bolsa-Família? E o Minha Casa, minha Vida? E a Farmácia Popular? E ao acesso ao crédito? Vamos fazer uma comunicação de resultados. Outro pano de fundo: ontem, os soldados do "Centrão" cobravam nacos de poder. Hoje, não conformados, querem mais. A Carta de 88 A Constituição brasileira, a chamada Constituição Cidadã, é um livro cheio de detalhes. Quando foi produzida, refletia o caldeirão de pressões da sociedade. Por ser uma Carta muito descritiva, propicia polêmica em demasia e abre espaços para uma infinidade de litígios. Hoje, é criticada pelo fato de muitos de seus artigos e incisos não serem obedecidos. E uma lei maior que deixa de ser cumprida acaba plasmando uma cultura de perniciosidade, impunidade e desorganização. Dessa forma, os tratados constitucionais perdem razoável parcela de força, transformando-se em letra morta. As eleições são batalhas Participaremos, queiramos ou não, de mais uma batalha este ano. As eleições municipais se avizinham. Já estão no ar os sinais de batalha acirrada, onde não faltarão impropérios, denúncias contra adversários, calúnia e difamação, a compra de votos, a cooptação pelo empreguismo e pela distribuição de benesses. A política, como exercício democrático da defesa de um ideário social, como missão para salvaguarda dos interesses coletivos, está cada vez mais assemelhada ao empreendimento negocial, voltado para o enriquecimento de indivíduos e grupos. A liberdade é baderna O conceito de liberdade veste-se com o manto de baderna gerada pela liberalidade extrema, tocada pela improvisação, pela irresponsabilidade, pela invasão dos espaços privados, fatos cobertos pela mídia. Quando o escopo libertário foi esculpido, no bojo da Revolução Francesa, carregava consigo o eixo da promoção dos valores do homem, da defesa dos direitos individuais e sociais, da dignidade e da Cidadania. O inimigo que se combatia era o Estado opressor, o absolutismo monárquico e a escravização que fazia do ser humano. O altar conspurcado Erigiu-se o altar das liberdades que, ao longo da história, tem sido conspurcado por outras formas de vilania e torpeza. Na modernidade, a opressão econômica, a subordinação dos valores e princípios espirituais ao prazer das coisas materiais; a miséria absoluta que maltrata parcelas significativas da sociedade; a desigualdade de classes e o descompromisso de representantes do povo para com os destinos da coletividade, entre outros elementos, contribuem para corroer o sentido da liberdade e da dignidade do homem. A banalização da violência A banalização da violência. A morte de 40 pessoas pela ação da polícia, no Guarujá, São Paulo, tem sido motivo de festejo pelos governantes. ("bandido bom é bandido morto"). A banalização enfeita os velórios. Mata-se gente de todas as idades, em qualquer região do país. Joga-se a lei no lixo. Onde estão os parâmetros reguladores que definem responsabilidades nas instâncias públicas? A frustração das classes médias em constatar rebaixamento em seu nível de vida desfaz o formato da pirâmide social. O enriquecimento escandaloso de grupos que se incrustam na administração pública - nos níveis Federal, estadual e municipal - é um fato. A corrupção continua escancarada. Império da anarquia Enfim, a política tem sido incapaz de promover mudanças profundas no tecido institucional. A impunidade campeia. Mais de 500 são presos depois da "saidinha" das prisões. Mais de 600 integrantes das Forças Policiais não conseguiram, até o momento, recapturar dois presos fugitivos de uma cadeia de (in)segurança máxima. O sentimento geral é de que a vida do país é um império de anarquia e esculhambação. Mais que um lamento, Simon Bolívar fez uma profecia. Acertou mais que Nostradamus. Parte II Raspando o tacho... - Aflito com as taxas em descenso sobre a avaliação positiva do governo, Lula pede mais empenho de seus ministros. Não percebeu que uma fonte da percepção sobre a administração Federal é sua própria índole. - Lula dá a impressão de que gosta de governar com o fígado. Dona Janja trabalha para diminuir arestas. Tem jeito. Trabalhe, primeira-dama, com as redes sociais. - Os dois melhores ministros do governo são, disparadamente, Geraldo Alckmin, da Indústria, Comércio e Serviços, e Fernando Haddad, da Fazenda. - Rui Costa não tem perfil condizente com uma "coordenação" de ministérios. A Casa Civil não cai bem em seu figurino. Parece um ser mal-humorado. - O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, sabe dosar as atividades de uma autoridade que zela pelo cumprimento de suas funções com as rotinas de um cidadão de intensa vida social. Louvável. - A ministra da Saúde, Nísia Trindade, é uma técnica, que parece não gostar da articulação política. Sei não. Acabará tendo perfil massacrado. - A TV Cultura inaugura grade programática de qualidade e beleza. A conferir, senhoras e senhores telespectadores. É comandada por um Conselho Curador, em cuja frente está o ponderado e bem articulado Fábio Magalhães, um afamado perfil do universo cultural. E tem no dia a dia da execução, um presidente executivo, José Roberto Maluf, que "entende do riscado". Viva! - Um fato: a seleção brasileira está perdendo muitos vivas da sociedade. Está sob escanteio. E levando muitos pênaltis. - O PSB terá alguns candidatos contra o PT nas eleições de outubro. O governo dividido. Democracia. - Bolsonaro não deve lamentar, caso seja preso. A condição de vitimado lhe convém. - Lula erra quando chama, toda hora, Bolsonaro para subir ao ringue. Mais recente demonstração foi dizer que o ex-presidente é um "covardão" ao não ter coragem para dar o golpe. Seria isso a prova de precisar tomar epocler para o fígado? - A comunicação do governo Lula é um laboratório de mensagens que não entram na cuca dos receptores. Ou de quem deveriam ser receptores. - Tarcísio de Freitas continua na ponta da escala como primeiro "herdeiro" do legado bolsonarista. Fecho com a baianidade na política . O frio aperto de mão O deputado baiano mandou cartão de Natal para uma mulher que morrera há muito tempo. A família, irritada, retribuiu: "Prezado amigo, embora jamais o tenha conhecido durante os meus 78 anos de vida terrena, daqui de além-túmulo, onde me encontro, agradeço o seu gentil cartão de boas-festas, esperando encontrá-lo muito em breve nestes páramos celestiais para um frio aperto de mão. Purgatório, Natal de 2005." O deputado recebeu a resposta. E espera, angustiado e insone, pelo aperto de mão. Candidatos, cuidado com os cartões lembrando as urnas...
quarta-feira, 13 de março de 2024

Porandubas nº 840

Nesse mundão em que o tempo corre veloz, a memória anda como tartaruga. O esquecimento bate na janelinha da memória. Cuidado, amigos. Vejam o que ocorreu com esses desembargadores. O nome do médico Dois desembargadores aposentados, do alto de uma juventude acumulada durante oito décadas e meia, encontram-se no aniversário do neto de um deles. Os desembargadores Amaro Quintal da Rocha e Antônio Vidal de Queiroz, como sói acontecer com amigos que se conheceram no início da idade da razão, foram direto ao assunto que mais os motivava: - Até que enfim, encontrei o médico que curou a minha amnésia, disse Amaro. - Como é mesmo o nome dele? Perguntou Vidal. - É, é, é, deixe-me ver, é... é... Como é mesmo o nome dele? Espere aí... é, é... é. O nome, escondido num cantinho do cérebro, relutava em aparecer. Começou a se perturbar. Mas não deixou a onda abatê-lo. - É, é, como se chama... é... é... como se chama mesmo aquela coisa vermelha, amarela, branca, que nasce em um galho cheio de espinhos, aquele assim? (e foi mostrando o tamanho do galho e o formato da coisa). Vidal matou a charada: - Rosa, o nome é Rosa. Amaro, radiante, grita para a mulher que estava sentada logo adiante: - Rosa, oh, Rosa, como é mesmo o nome daquele médico que curou a minha amnésia? Parte I - Detalhes de marketing A rejeição Rejeição a candidato é coisa séria. Não se apaga um índice de rejeição da noite para o dia. O maior adversário de muitos futuros candidatos a prefeito será a rejeição. Em um colégio eleitoral de cerca de 10 milhões de eleitores, mais de 25% do eleitorado paulista - 35 milhões de eleitores - a capital de São Paulo reúne o maior contingente eleitoral entre os 5.570 municípios brasileiros. A rejeição aqui será um fator impactante. Na última pesquisa Folha, Guilherme Boulos (PSOL, com apoio do PT) tem 34% de rejeição e o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB, com apoio do PL de Bolsonaro), aparece com 26%. Tabata Amaral (PSB), também pré-candidata, aparece com 19%. Muito cuidado com a rejeição. Presságio agourento A rejeição é um presságio agourento, que pode derrubar qualquer candidato. Principalmente em uma campanha com tendência à polarização. Quando um candidato registra um índice de rejeição maior que a taxa de intenção de voto, é oportuno começar a providenciar a ambulância para entrar na UTI eleitoral. Caso contrário, morrerá logo nas primeiras semanas do segundo turno. A rejeição deve ser convenientemente analisada. Trata-se de uma predisposição negativa que o eleitor adquire e conserva em relação a determinados perfis. A fisiologia da consciência Para compreendê-la melhor, há de se verificar a intensidade da rejeição dentro da fisiologia de consciência do eleitorado. O processo de conscientização leva em consideração um estado de vigília do córtex cerebral, comandado pelo centro regulador da base do cérebro e, ainda, a presença de um conjunto de lembranças (engramas) ligadas à sensibilidade e integradas à imagem do nosso corpo (imagem do EU), e lembranças perpetuamente evocadas por nossas sensações atuais. Ou seja, a equação aceitação/rejeição se fundamenta na reação emotiva de interesse/desinteresse, simpatia/antipatia. Pavlov se referia a isso como reflexo de orientação. Fator variável O fenômeno varia de candidato para candidato. Paulo Maluf, por exemplo, sempre teve altos índices de rejeição em São Paulo, mas passou a administrar o fenômeno depois de muito esforço. Mudou comportamentos e atitudes. Tornou-se menos arrogante, o nariz levemente arrebitado desceu para uma posição de humildade e começou a conversar humildemente com todos, apesar de não ter conseguido alterar aquela antipática entonação de voz anasalada. Os erros e as rejeições dos adversários também contribuíram para atenuar a predisposição negativa contra ele. Purgou-se, também, pelos pecados mortais dos outros. Ruim por ruim, vou votar nele, pensam seus contingentes eleitorais. A velha política Em regiões administradas pela velha política, a rejeição a determinados candidatos se soma à antipatia ao familismo e ao grupismo. O eleitor quer se libertar das candidaturas impostas ou hereditárias. Mas não se pense que o caciquismo se restringe a grupos familiares. Certos perfis, mesmo não integrantes de grandes famílias políticas, passam a imagem de antipatia, seja pela arrogância pessoal, seja pelo estilo de fazer política, ou pelo oportunismo que suas candidaturas sugerem. Em quase todas as regiões, há altos índices de rejeição, comprovando que os eleitores, cada vez mais racionais e críticos, estão querendo passar uma borracha nos domínios perpetuados. Ir ao fundo A rejeição até pode ser diminuída, quando o candidato, indo ao fundo nas causas profundas que maltratam a candidatura, enfrenta o problema sem tergiversação ou firulas. Pesquisas qualitativas, com representantes de todas as classes sociais, indicam as causas. Aparecerão questões de variados tipos: atitudes pessoais, jeito de encarar o eleitor, oportunismo, mandonismo familiar, valores como orgulho, vaidade, arrogância, desleixo nas conversas, cooptação pelo poder econômico, história política negativa, envolvimento em escândalos, ausência de boas propostas, descompromisso com as demandas da sociedade. Para enfrentar alguns desses problemas o candidato há de comer muita grama. Ajustar a identidade Não se diminui a rejeição de uma hora para outra. Ao contrário, quando o candidato demonstra muita pressa para diminuir a rejeição, essa atitude passará a ser percebida pelo conjunto de eleitores mais críticos, que é exatamente o grupamento mais afeito à rejeição. E aí ocorre um bumerangue, ou seja, a ação se volta contra o próprio candidato, aumentando ainda mais a predisposição negativa contra ele. Trabalhar com a verdade, eis um ponto-chave para administrar a taxa de rejeição. O eleitor distingue factoides de fatos políticos, boas intenções de más intenções, propostas sérias de ideias enganosas. O candidato há de montar no cavalo da própria identidade, melhorando as habilidades e procurando atenuar os pontos negativos. Equilíbrio É erro querer mudar de imagem por completo, passar uma borracha no passado e cosmetizar em demasia o presente. Mas é também grave erro persistir nos velhos hábitos. Mudar na medida do equilíbrio. Mudar sem riscos. Inovar é preciso. De maneira gradual. Urge ter cuidado com mudanças constantes e bruscas, de acordo com a sabedoria da velha lição: não ganha força a planta frequentemente transplantada. Parte II Raspando o tacho O caso Petrobras: Tem mosca na sopa. - Por trás das matérias que mostram queda no valor da Petrobras no mercado, há um acervo de fatos positivos, que não têm merecido o devido destaque. - O Lucro líquido de 2023 = R$ 124,6 bi - ~ USD 25 bi, é maior que as multinacionais globais TotalEnergies (Fr) e Chevron (EUA). É o terceiro maior lucro dentre as grandes empresas de petróleo, atrás apenas de Exxon e Shell que são maiores e mais espalhadas pelo mundo. - No cenário em que o preço do barril (Brent) caiu 18% e o crack/diesel caiu 23%, a Petrobras conseguiu bater 13 recordes operacionais incluindo maior produção de diesel S10, maior uso da capacidade de refino e maior processamento de gás da história da empresa dentre outros recordes em produção, refino, engenharia, gás, redução de emissões, patentes, diesel, logística etc. - Já no cenário de preços internacionais voláteis e altos, a empresa conseguiu contribuir para dar mais estabilidade aos preços e reduzir o custo da gasolina A (na porta da refinaria, antes da adição de etanol anidro) em mais de 14% e o do diesel-A (porta da refinaria, antes da adição de biodiesel) em quase 30% (28,6%). O querosene de aviação e o botijão de gás igualmente apresentaram redução na porta das refinarias da Petrobras. - A dívida financeira da Petrobras foi reduzida em mais de 6 bilhões de reais, com o ganho de mais de 112% de retorno total das ações preferenciais em NY (em dólar) - valor muito superior ao maior retorno das maiores (que foi de 20%). - Quanto aos dividendos, cumpriu-se a regra de distribuição de dividendos mínimos de 45% do fluxo de caixa livre, e o Conselho de Administração votou pela retenção de 100% dos dividendos extraordinários numa conta que só pode ser usada para remuneração de acionistas, ou seja, apenas diferiu sua distribuição no tempo. O total de dividendos distribuídos referentes a 2023, por enquanto, ultrapassa 72 bilhões de reais (bem abaixo dos 222 bilhões do último ano de Bolsonaro, quando a intenção era claramente esvaziar a empresa e vender seus ativos e pulverizar seu capital). - A Petrobras está em linha com as empresas congêneres, distribuindo na média o que as empresas globais semelhantes também distribuem. - Por que, então, tanta carga negativa? Interesse político, meus caros. - As críticas à gestão carregam um viés político. Há sintonia fina entre a direção da empresa e o Palácio do Planalto. Jean-Paul Prates conta com o endosso de Lula. Que vê "choradeira" do mercado. Detecta-se. inclusive, fogo amigo. Uns tiros deflagrados pelo próprio PT. Afora, os tiros do Ministério de Minas e Energia. Avaliação do governo - O próprio Lula reconhece que o governo ainda não entregou o que prometeu. Daí a queda na avaliação da administração. - São Paulo, capital, é o maior polo crítico da administração lulista. - A lua de mel entre Lula e a comunidade política chega ao fim. Agora, as massas querem ver resultados. - A continuar seu crescimento, daqui a pouco, Ricardo Nunes ultrapassará Guilherme Boulos em São Paulo. - Este analista enxerga muito estardalhaço no episódio da foto manipulada pela princesa de Gales, Kate Middleton. Muito barulho por nada. Uma simples foto para mostrar a família. - Bolsonaro até que apreciaria aumentar o seu "índice de vitimização". A prisão calharia bem nesse momento. - A deputada Federal Rosângela Moro saiu do Paraná, onde mora, para São Paulo, onde se elegeu. Ante a possibilidade de cassação do marido, senador Sérgio Moro, por abuso do poder econômico, quer voltar a ter domicílio eleitoral no Paraná. E se candidatar ao Senado e ocupar o lugar do marido. Um deboche. A lei eleitoral até abre essa chance. Convenhamos, um deboche. - Arthur Lira, presidente da Câmara, assume, a cada dia, a postura de um primeiro-ministro. Só mesmo nesse parlamentarismo à brasileira. - As guerras na Ucrânia/Rússia e na faixa de Gaza/Israel/Hamas não dão sinais de arrefecimento.