Reflexões sobre o Supremo Tribunal Federal
Rui Barbosa, no início do século XX, dirigindo-se ao Supremo Tribunal Federal, em sustentação oral, deixou a imorredoura exortação: "Quisesse eu levantar os escarcéus políticos e não me dirigiria ao remanso deste Tribunal a este recanto de paz" e "aqui não podem entrar as paixões que tumultuam na alma humana; porque este lugar é o refúgio da Justiça".
sexta-feira, 23 de novembro de 2007
Atualizado às 07:07
Reflexões sobre o Supremo Tribunal Federal
Ovídio Rocha Barros Sandoval*
Rui Barbosa, no início do século XX, dirigindo-se ao Supremo Tribunal Federal, em sustentação oral, deixou a imorredoura exortação: "Quisesse eu levantar os escarcéus políticos e não me dirigiria ao remanso deste Tribunal a este recanto de paz" e "aqui não podem entrar as paixões que tumultuam na alma humana; porque este lugar é o refúgio da Justiça".
Na tradição grega, pelas palavras de Ésquilo, citadas por Rui Barbosa, se dizia, como intróito na instituição de um tribunal: "Eu instituo este tribunal venerando, severo, incorruptível, guarda vigilante desta terra através do sono de todos, e o anuncio aos cidadãos, para que assim seja de hoje pelo futuro adiante".
De outra parte é da tradição do Supremo o tratamento respeitoso, educado e cortês entre seus Ministros, durante os debates travados no Plenário e nas sessões de suas Turmas.
Sugestivo lembrar que na Suprema Corte dos Estados Unidos da América, durante os debates, o tratamento utilizado por seus Ministros é o de "my Brother" e não "Vossa Excelência", simplesmente.
O espírito de educação, cortesia e generosidade reina em todas as Cortes Supremas de Justiça, por serem "recantos de paz" e "refúgio da Justiça".
Fatos recentes e públicos estão na contra-mão do tratamento cortês e educado, como da tradição de nosso mais elevado Tribunal e guardião maior de nossa Constituição (clique aqui) e, por conseqüência, do Estado Democrático de Direito.
Em um julgamento, o Ministro Joaquim Barbosa de forma destemperada e agressiva, interpelou o Ministro Marco Aurélio de estar interferindo em seu voto. Atitude que levou o Ministro Marco Aurélio, homem educado e de berço, a perder a serenidade, convidando o Ministro Joaquim Barbosa a resolver a pendenga "lá fora".
Em outro julgamento, o Ministro Joaquim Barbosa, de forma descortês e injusta, acusou o ministro Eros Grau de defender a libertação de um réu, levando em conta a sua posição social. E estendeu sua descabida acusação aos demais ministros, insinuando que o Supremo Tribunal Federal julgava levando em conta a qualidade social das pessoas. Em suma, colocou em xeque a imparcialidade da Suprema Corte, obrigando o ministro Celso de Mello, como presidente da sessão, a ponderar, com toda a Justiça: "É preciso que fique claro que esta Suprema Corte não julga em função da qualidade das pessoas ou de sua condição econômica, política, social ou funcional".
O ministro Joaquim Barbosa - sempre ele - em debate travado a respeito de um determinado caso, acusou o ministro Gilmar Mendes de estar dando um "jeitinho" naquele julgamento.
Não se pode olvidar, também, a troca de mensagens eletrônicas entre dois Ministros e que vieram ao conhecimento da Mídia, onde se destaca a afirmativa de que um outro Ministro iria votar em determinado sentido por se encontrar empenhado na indicação de um Magistrado para preencher uma vaga existente no Supremo Tribunal Federal. A referência ao nome do ministro era feita sob a alcunha de "Cupido"...
São fatos lamentáveis, porque os ministros e ministras do Pretório Excelso constituem-se em exemplos de Juízes e Juízas para toda a Magistratura. Há uma aura de respeito e veneração que cerca o Supremo Tribunal Federal neste país.
Bem por isso os fatos ora relatados não se circunscrevem ao âmbito do Supremo Tribunal Federal. Ganham repercussão nos demais órgãos jurisdicionais colegiados e em toda a Magistratura nacional.
É urgente que o Supremo Tribunal Federal seja o "recanto de paz", o "refúgio da Justiça", nas palavras de Rui Barbosa.
O meu saudoso e querido Amigo Ministro Domingos Franciulli Netto costumava dizer: "ser Juiz é o estado d'alma do homem vocacionado", enquanto outro saudoso e querido Amigo Desembargador Alves Braga dizia: "ser magistrado é estado de espírito". Quem exerce a nobre missão de ser magistrado há de meditar sobre essa candente realidade. Somente os vocacionados estão aptos ao exercício de ser magistrado em todos os momentos de sua vida e conseguem entender em plenitude a advertência feita por Guizot: "Quando a política penetra no recinto dos tribunais a Justiça se retira por alguma porta." E pode-se acrescentar que a incontinência vocabular, quando agressiva, revela um tumulto íntimo de insegurança que espanca a serenidade necessária ao magistrado e o afasta por inteiro da sindérese.
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*Advogado do escritório Advocacia Rocha Barros Sandoval & Ronaldo Marzagão
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