Software livre no Brasil
O Governo Federal vem adotando uma política de favorecimento e incentivo ao uso e desenvolvimento do software livre no Brasil. Neste sentido, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.269/99, que impõe à Administração Pública a preferência ao software livre em licitações, e alguns Estados brasileiros já adotaram medidas que favorecem o software livre, determinando sua utilização preferencial pela Administração Pública nos respectivos territórios.
terça-feira, 3 de fevereiro de 2004
Atualizado em 2 de fevereiro de 2004 11:15
Software livre no Brasil
Rodrigo Maluf Cardoso
Fernando B.B. Ziziotti
Daniel Gama e Colombo*
O Governo Federal vem adotando uma política de favorecimento e incentivo ao uso e desenvolvimento do software livre no Brasil. Neste sentido, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.269/99, que impõe à Administração Pública a preferência ao software livre em licitações, e alguns Estados brasileiros já adotaram medidas que favorecem o software livre, determinando sua utilização preferencial pela Administração Pública nos respectivos territórios.
I.- ORIGEM E CONCEITO
O software (ou programa de computador) é protegido pelas leis de direito de autor, que garantem ao titular o direito de uso e exploração econômica exclusiva sobre o programa. O modelo tradicional de licenciamento de software impõe diversas restrições ao usuário quanto à sua utilização, modificação e acesso ao código fonte, o que caracteriza o "software proprietário". A licença do software proprietário geralmente é concedida mediante o pagamento de royalties.
A partir da década de 1980, alguns setores da indústria de informática iniciaram oposição ao modelo de software proprietário, defendendo a liberdade de acesso ao código fonte a fim de possibilitar o compartilhamento da informação e o desenvolvimento tecnológico, introduzindo no mercado o conceito de software livre.
Ao final da década de 1990, alguns países como Índia , Japão, China e Coréia do Sul passaram a adotar políticas de favorecimento à utilização do software livre, como forma de incentivo ao desenvolvimento tecnológico e democratização do acesso a novas tecnologias.
O software livre é usualmente caracterizado como tal quando quatro liberdades básicas são garantidas ao usuário, quais sejam: (i) liberdade de executar o programa para qualquer finalidade; (ii) liberdade de estudar o funcionamento do programa, adaptando-o às necessidades do usuário; (iii) liberdade de redistribuir cópias; e (iv) liberdade de aperfeiçoar o programa e liberar tais aperfeiçoamentos. O conceito de software livre não se confunde com a gratuidade de sua licença. O software é considerado livre caso o usuário possua as liberdades acima, independentemente se sob licença onerosa ou gratuita.
Na mesma linha, o Projeto de Lei 2.269/99 define o software livre como aquele cuja licença não restrinja, sob nenhum aspecto, a sua cessão, distribuição, utilização ou alteração de suas características originais.
Nota-se que, em razão das liberdades concedidas ao usuário, este pode desenvolver programas derivados do software original, sobre os quais terá proteção do direito de autor, podendo restringir as liberdades nas licenças posteriores. Por esta razão, surgiu o conceito de licença "copyleft", que confere ao usuário as quatro liberdades fundamentais, estabelecendo, entretanto, que: (i) todos os aperfeiçoamentos e correções do software pertencerão ao licenciador original; e (ii) o usuário poderá sublicenciar tais aperfeiçoamentos e correções, mas deverá fazê-lo em termos idênticos àquela que lhe foi concedida.
Neste sentido, o referido Projeto de Lei, a fim de garantir que um software livre, bem como suas correções e aperfeiçoamentos, sejam transmitidos pelos usuários posteriores como programas livres, determina em seu artigo 4o que a licença de utilização desses programas deve permitir sua livre distribuição sob os mesmos termos da licença do software original.
II.- SITUAÇÃO NO BRASIL
No Brasil, nota-se a forte tendência de privilegiar o uso de software livre pelos entes da Administração Pública, em grande parte pelo incentivo ao desenvolvimento da indústria informática local e pela suposta economia com a redução no pagamento de royalties pela licença de uso. Isto porque, via de regra, a aquisição de licença de software livre mostra-se menos onerosa que a aquisição de software proprietário.
Recentemente, foram sancionadas leis estaduais no Rio Grande do Sul (Lei nº 11.871 de 19.12.2002), Mato Grosso do Sul (Lei nº 2.649 de 11.7.2003) e Paraná (Lei nº 14.058 de 12.09.2003) que, em linhas gerais, determinam aos entes da Administração direta e indireta o uso preferencial de software livre.
Além disso, o referido Projeto de Lei nº 2.269/99, em seu artigo 1º, estabelece que as empresas estatais e de economia mista, as empresas públicas e todos os demais organismos públicos ou privados sob controle da sociedade brasileira estão obrigados a utilizar preferencialmente software livre em seus sistemas e equipamentos de informática. No mesmo sentido, determina o artigo 9º que apenas será permitida a utilização de software proprietário na ausência de software livre que atenda aos requisitos estabelecidos na licitação pública.
Por fim, o Decreto de 29 de Outubro de 2003, do Presidente da República, instituiu oito comitês técnicos no âmbito do Comitê Executivo do Governo Eletrônico, com a finalidade de coordenar e articular o planejamento e a implementação de projetos e ações, entre outros, relacionados à utilização de software livre e ao incentivo à sua difusão.
III.- QUESTÕES CONTROVERSAS
Determinados segmentos econômicos, alegando que estariam sofrendo prejuízos com as medidas adotadas pelos Governos Federal e Estaduais, passaram a contestar tais medidas que priorizam o software livre em licitações públicas.
À parte de toda a discussão política travada acerca da conveniência da adoção do software livre, pode-se também questionar se as referidas leis e medidas governamentais afrontam de alguma forma princípios e normas referentes à Administração Pública e procedimentos licitatórios estabelecidos na Constituição Federal e na Lei 8.666/93.
Inicialmente, indaga-se se Estados teriam competência para legislar sobre licitações públicas, em face do artigo 22, inciso XXVII da Constituição Federal, que outorga à União Federal competência privativa para regular tais matérias.
Além disso, questionam-se também os privilégios em abstrato ao software livre em licitações públicas, que seriam uma afronta ao princípio da isonomia entre os licitantes, estabelecido nos artigos 37, XXI da Constituição Federal e 3º da Lei 8.666/93, pois tal prática prejudicaria a participação de empresas detentoras de software proprietário, que poderiam, em tese, trazer propostas mais vantajosas à Administração.
Vale ressaltar que, em contratações de bens e serviços de informática, a Administração Pública não pode levar em consideração unicamente o preço do bem a ser adquirido, uma vez que, por força do artigo 45, § 4o da Lei 8.666/93, tais licitações devem ser do tipo "técnica e preço".
Deve-se ainda considerar que, além do pagamento pela aquisição de licença de software, existem outros custos envolvidos, como a contratação de serviços de implementação, atualização e suporte técnico, que devem ser levados em consideração no custo total do programa, bem como na análise da conveniência de um software livre.
Ademais, existe um outro fator relevante: como o software livre permite sua livre modificação, é possível que em virtude de reiteradas adaptações em um software livre, tal programa ou algumas de suas funcionalidades, se tornem incompatíveis com outros programas que se pretenda utilizar no futuro.
Tratando-se de questão ainda recente no País, não há qualquer pronunciamento dos Tribunais brasileiros acerca da questão, havendo também pouca doutrina a respeito. Por esta razão, resta saber se as leis e medidas adotadas pelo Governo em favor do software livre não serão consideradas afronta à Constituição Federal e às normas infraconstitucionais relevantes.
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* Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados
*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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