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E a noventena?

A crise econômica, o dinheiro perdido para a corrupção e a redução da receita dos royalties de petróleo resultaram em notória queda de arrecadação para Estados e municípios.

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Atualizado às 09:12

A crise econômica, o dinheiro perdido para a corrupção e a redução da receita dos royalties de petróleo resultaram em notória queda de arrecadação para Estados e municípios. Como resultado, tivemos uma série de medidas tributárias nos últimos dias de 2016 para aumentar as receitas governamentais.

Entende-se perfeitamente a necessidade arrecadatória imediata, mas a pressa de estados e municípios pode resultar em substancial prejuízo para os cofres públicos muito em breve se não for respeitado princípio básico da CF. Estamos falando do princípio da noventena, que demanda o respeito ao prazo de 90 dias para o aumento de tributo ser cobrado e está previsto no artigo 150, inciso III, alínea "c", da CF, introduzido pela EC 42/03.

A mencionada emenda constitucional introduziu uma série de inovações ao texto da CF, dentre as quais a imposição da observância do período de noventa dias, pelos governos Federal, estaduais e municipais, na cobrança de um imposto novo ou no caso do aumento de impostos já existentes. Ou seja, os contribuintes têm garantido um período de tempo suficiente para conhecimento das regras às quais serão sujeitos no futuro próximo, possibilitando a organização e planejamento dos seus negócios e atividades.

No RJ, talvez o Estado mais atingido pelos fatores enumerados no primeiro parágrafo, uma das medidas recentemente tomadas foi o aumento do ICMS sobre cigarros, cosméticos, bebidas e embarcações, por meio do Decreto 45.882/16, publicado em 30.12.2016.

Segundo o artigo 2º do Decreto o mesmo entra em vigor na data da sua publicação, presumindo-se que os efeitos são também imediatos. Assim, o aumento já é válido desde os primeiros dias de 2017. Claramente, o estado, que se preocupou em respeitar o princípio da anualidade, deixou de observar a noventena, pois o ICMS majorado só poderia ser devido após decorridos noventa dias da publicação do ato que o aumentou.

É verdade que existem certas exceções constitucionais à noventena, mas o ICMS e o ISS não estão entre elas.

Em relação ao ISS, a questão se torna sensível pelo fator multiplicador do possível prejuízo estatal, tendo em vista os milhares de municípios brasileiros. A LC 157/16, trouxe uma série de inovações ao tributo municipal e acrescentou novos itens à lista de serviços, tais como o alardeado ISS sobre a disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet.

Acontece que o artigo 7º, ao dispor sobre a entrada em vigor e a produção de efeitos dos dispositivos da lei complementar, ignora o respeito ao prazo de noventa dias para os municípios começarem a cobrar o ISS sobre os serviços acrescentados à lista. Assim, se cada município, ao alterar a sua própria legislação, também ignorar a noventena, estará cobrando imposto de forma inconstitucional.

O resultado de tais violações é conhecido: os contribuintes questionarão a tributação inconstitucional e terão êxito, tendo em vista a flagrante violação. Desta forma, a conta dos estados e municípios com a restituição de tributos, acrescida de juros, honorários de sucumbência e custas judiciais, será repassada para os governos eleitos futuramente.
Portanto, parodiando os tradicionais ensinamentos dos nossos avós, alguém precisa dizer para governadores e prefeitos que é melhor "perder noventa dias do aumento, do que começar a perder o governo em noventa dias".

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*Márcio Calvet Neves é sócio da área tributária do escritório Veirano Advogados.

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