Os riscos da extinção da fiança nas locações de imóveis
PL 29/03, em trâmite no Senado, suprime a figura do fiador nas locações dos imóveis urbanos.
quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014
Atualizado em 5 de fevereiro de 2014 13:55
Recentemente, retornou à agenda das discussões no Senado o PL 29/03, com o objetivo de acabar com a fiança como modalidade de garantia em contratos de locação de imóveis urbanos. O autor do projeto, senador Paulo Paim (PT/RS), argumenta que a exigência de fiança para contratos de locação, além de trazer "sérias dificuldades" aos pro-ponentes locatários, coloca eventuais fiadores em situação de "constrangimento".
A proposta de alteração da lei do inquilinato (8.245/91), embora com a intenção de facilitar os negócios locatícios para inquilinos e seus fiadores, mostra-se inadequado ao fim proposto e denota um gritante contrassenso, uma vez que pode proporcionar mais prejuízos que benefícios aos negócios de locação.
A avaliação do projeto exige um exame das bases de suas justificativas, e, principalmente, dos desdobramentos e consequências de uma possível aprovação da proposta.
Pela fiança, inserta nos artigos 818 a 839 do CC/02, o fiador está obrigado cumprir uma obrigação ou pagar uma quantia ao credor, por eventuais inadimplementos e dívidas do devedor principal. Nas relações locatícias, isto quer dizer que se o locatário não pagar as contas, o fiador vai assumir o débito.
É difícil sustentar a pertinência do argumento de que as exigências dos proprietários de imóveis e de imobiliárias para aceitação de fiador - tais como, apresentação de comprovan-tes de rendimentos, comprovação de bens em valor igual ou superior ao do contrato, etc. -, proporcionam situações vexatórias aos inquilinos e seus fiadores. Tem-se que a comprovação da solvabilidade do fiador, ou seja, sua capacidade de econômica para garantir o cum-primento de obrigações inadimplidas pelo inquilino, mostra-se imprescindível para que a contratação da fiança, como garantia da locação, seja viável. De outra forma, esvaziaria de sentido a fiança, indicar fiador que não comprove sua capacidade de pagar eventuais dívi-das do afiançado.
Some-se a isso que o projeto não elimina o dever do locatário de apresentar garantia às locações. O que se propõe é, tão somente, reduzir as alternativas de garantia apresentadas no artigo 37 da lei do inquilinato, a saber: caução, fiança e o seguro fiança. Diminuir as pos-sibilidades de garantia traria desvantagens incontestáveis aos proponentes locatários e, de uma maneira geral, prejuízos aos negócios imobiliários.
Dentre as garantias locatícias, a fiança é a modalidade mais usada, principalmente por não ser onerosa a nenhuma das partes contratantes. O pior efeito da extinção da fiança seria onerar, ainda mais, o inquilino, uma vez que as demais modalidades de garantia exigem um maior desembolso para contratação, muitas delas sem recuperação do dinheiro gasto - como o seguro garantia -, ampliando as dificuldades na hora da contratação.
Para os locadores, os efeitos da extinção da fiança serão mais limitados. Apesar da lei do inquilinato enumerar as alternativas de garantia, proprietários e administradora de imóveis podem determinar a modalidade que melhor os atende, em detrimento às demais (segundo o CC/02, o credor não é obrigado a aceitar fiador). A experiência no mercado imobi-liário nos mostra, que cada vez mais locadores passam a requisitar a fiança bancária e o seguro fiança para garantia das locações, tirando o espaço do tradicional fiador.
Contudo, a relevância da fiança está no fato de representar a modalidade de garantia mais utilizada para locações. Segundo dados do Creci/SP - Conselho Regional de Corretores de Imóveis, em 2013, só na cidade de São Paulo, 43% dos novos contratos de aluguel foram garantiados por fiador.
Note-se, daí, o papel de fomento aos negócios imobiliários que desempenha a fiança. Claramente, a extinção dessa garantia poderá desanimar a realização de novos negócios, posto que, ao aumentar o custo da locação, os proponentes locatários reposicionarão seus investimentos, afetando negativamente o próprio mercado imobiliário.
Pelo exposto, o projeto de extinção da fiança não é justificável, seja pela incongruência de sua justificativa, seja do ponto de vista econômico - por inibir a realização de novos negócios, que se desdobra em prejuízo ao mercado imobiliário -, além de não promover os reais interesses de inquilinos e proprietários de imóveis. Mudanças legislativas devem ter como missão precípua buscar instrumentos que incentivem as contratações, sem onerar às partes, e, principalmente, que não restrinja a segurança jurídica nas relações locatícias.
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* Heber Bruno Filgueiras Fechine é advogado do escritório Rocha e Barcellos Advogados.