As novas atribuições do advogado corporativo
O advogado corporativo possui papel vital nas atividades da empresa, sendo parte importante do processo produtivo.
sexta-feira, 15 de novembro de 2013
Atualizado em 14 de novembro de 2013 11:52
"O advogado é uma consciência que se aluga" - Fiódor Mikhailovich Dostoiévski.
As atitudes do advogado em um mundo empresarial vêm, no decorrer dos anos, sendo objeto de questionamento por aqueles de fora do ambiente jurídico. Por desconhecimento de sua função e também pelo fato de ter de muitas vezes "dificultar" operações consideradas por eles inseguras, os profissionais do Direito recorrentemente são tidos como "vilões" nas empresas.
A discussão tornou-se mais acalorada com o pronunciamento da Presidente Dilma Rousseff no dia 25/09/2013, no auditório do Banco Goldman Sachs em Nova Iorque, ao apresentar o Plano de Investimentos Internacionais de Infraestrutura, para investidores internacionais. Ao justificar a inexistência de "risco jurídico" para os investimentos no Brasil e defender a educação como essencial para se investir, em tom jocoso, a chefe do Executivo nacional definiu o advogado como custo e engenheiro como produção, seguindo a conceituação antiga de advogado como exclusivamente com função litigiosa e trouxe à baila novamente a discussão do papel deste profissional na economia.
A imprescindibilidade de atuação do advogado se deve principalmente à extensa e desnecessariamente burocrática legislação nacional que, por conta da complexidade tanto para compreensão do próprio texto legal, quanto dos procedimentos que se derivam das leis, carece com frequência de análise por profissionais especializados.
Pelo fato de grande parte das vezes o advogado não participar diretamente do processo produtivo de uma sociedade empresarial, ele é encarado como "despesa" ou ainda "custo".
Investimento x despesa x custo
Inicialmente, faz-se necessário distinguir investimento, despesa e custo.
O investimento envolve todo tipo de recurso que tenha o objetivo de retorno superior àquele despendido. Por exemplo, ao investir em modernização de maquinário, o empresário deseja tornar seu processo produtivo mais eficiente, portanto, gerando maior lucro. Na obra "Fundamentos de Investimentos", os autores Zvi Bodie, Alex Kane e Alan J. Marcus definem investimento como1 "[...] o comprometimento atual de dinheiro ou de outros recursos na expectativa de colher benefícios futuros". Ou seja, todo o gasto, que tiver como objetivo beneficiar o estabelecimento empresarial futuramente pode ser considerado investimento.
Quando se fala em despesa, o conceito contábil nos dá a ideia de que esta é todo o gasto com a estrutura administrativa corporativa que tem como objetivo a obtenção de receitas2.
Já a definição de custo é mais complexa. Dentre os diversos conceitos que determinam os diferentes tipos de custo, destaco o custo contábil e o custo econômico. Na obra "Custos de Produção sob a Ótica Contábil e Econômica", apresentada pelos professores da Universidade Federal de Santa Catarina, Kelly Cristina Mucio Marques e Cláudio Marques, no XIV Congresso Brasileiro de Custos, estes definem o Custo Contábil como aquele em que o:
"objetivo principal é de mensuração de estoques [...] os insumos utilizados no processo produtivo são avaliados pelo custo histórico, ou seja, os gastos efetuados na compra e, os custos dos produtos são calculados pelo custeio por absorção (engloba no seu cálculo somente os custos de produção, ficando as despesas evidenciadas no resultado). Essa forma de apresentar as informações de custos reflete os dados passados e seu objetivo é demonstrar o valor dos estoques e o resultado da empresa." (grifos meus)
Ou seja, o conceito acima aborda tão somente o gasto envolvendo o produto. Complementam a definição acima os professores Robert S. Pindyck e Daniel L. Rubinfeld, da seguinte forma3:
"[...] Os contadores tendem a visualizar retrospectivamente as finanças da empresa, pois é sua função manter sob controle os ativos e passivos, bem como avaliar suas performances no passado. Os custos contábeis incluem as despesas incorridas e as despesas com depreciação dos equipamentos de capital [...]"
No tocante ao viés econômico, o professor Walter Nicholson discorre no sentido de que os custos dos insumos devem ser medidos não somente pelo seu valor histórico, mas também pelo impacto desse valor no método de produção4.
Nos três conceitos acima, há o dispêndio de recursos, com finalidades diversas.
O advogado como custo
A ideia do Advogado como mero custo é mito propagado durante anos no mundo empresarial. Tem-se o pensamento de que o operador do direito em nada contribui no processo produtivo da companhia, servindo apenas como conselheiro em caso de ocorrerem situações adversas.
A função primordial do novo advogado corporativo é analisar situações de risco das empresas e trazer a melhor forma de a sociedade operar nessas condições.
O papel do advogado é demasiado importante, por exemplo, no auxílio ao departamento comercial das empresas. Nessas ocasiões, há a errônea noção do profissional do direito como inimigo.
São diversas as ocasiões em que pode haver conflito entre as áreas comercial e jurídica. Dentre os inúmeros motivos para as discussões, a análise jurídica da operação e consequente elaboração/revisão das propostas e contratos envolvidos são de suma importância. Com a pressão para que a negociação seja concluída antes do fechamento contábil/fiscal, há igual exigência sobre o departamento jurídico para que a análise dos instrumentos particulares seja feita nesse tempo, o qual grande parte das vezes é demasiado curto e, dessa forma, pode torná-la falha e superficial.
O correto exame e o adequado diagnóstico previnem diversas situações tormentosas como, por exemplo, o não pagamento pelos bens vendidos, a falta de garantias para que seja evitado o prejuízo em caso de não pagamento, os limites de responsabilidade no fornecimento/prestação de serviços, dentre outras possibilidades, as quais, sem a ajuda de um advogado, poderiam ter consequências mais graves.
Presumamos situação em que haja uma venda de empilhadeiras por uma fabricante de maquinário pesado. A manufaturadora faz a proposta ao cliente, que aceita, ficando pendente apenas a assinatura de uma proposta ou contrato para formalizar a operação. O vendedor abre mão da assinatura do termo, ficando apenas "apalavrado" com o comprador tendo como única fonte de comprovação da negociação a Nota Fiscal de Compra da mercadoria. Contudo, o comprador tem um imprevisto e não consegue adimplir os pagamentos. Como o vendedor não se assegurou em relação a eventuais garantias do comprador para o pagamento, não tem como exigir de imediato o cumprimento da obrigação pecuniária. Além disso, não houve o acerto sobre as condições de garantia do produto e limites de responsabilidade do fabricante no uso deste.
Seguindo o mesmo exemplo, vamos pensar na situação em que o funcionário do adquirente do maquinário quebra o mecanismo de torre de elevação de uma empilhadeira (necessário para que a máquina "erga" a carga) por conta da utilização do equipamento em desacordo com as especificações técnicas do fabricante. Como este último não determinou em contrato qual seria o seu limite de responsabilização perante o cliente em relação aos produtos fornecidos, há o risco de ter de arcar com o valor do reparo ou até com o fornecimento de nova empilhadeira.
A comprovação nos casos ilustrados acima só se dará por meio de processo judicial, onde haverá a necessidade de produzir provas sobre a negociação, sendo, portanto, procedimento demorado e incerto, o que resultará em prejuízo para companhia.
Claro que existem outros métodos coercitivos não jurídicos no mundo empresarial para que as obrigações sejam cumpridas, mas nem sempre são efetivos ou fazem bem para a imagem da corporação.
O Código Penal inclusive imputa caráter criminoso para a autotutela (conforme o próprio texto penal, a "justiça com as próprias mãos") supramencionada, salvo em poucas ocasiões previstas em lei (legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal, greve, etc.). O referido diploma, em seu artigo 345 prevê pena de detenção por quinze dias até um mês ou "multa, além da pena correspondente à violência". Não há de se confundir com a autotutela permitida à Administração Pública, onde esta pode anular os próprios atos caso possuam vícios que os tornem ilegais, bem como revogá-los de acordo com critérios de conveniência e oportunidade, porém respeitados os direitos adquiridos e objetivando sempre o interesse público (súmulas 346 e 473 do STF).
Complementando o acima exposto e apenas nos restringindo à hipótese da não quitação de valores, no tocante à legislação pátria, o Código de Processo Civil em seu artigo 585 prevê que o documento particular assinado pelo devedor e duas testemunhas é considerado título executivo extrajudicial.
Deste modo, na hipótese acima, caso o vendedor tivesse contrato para formalizar a negociação, poderia executá-lo de forma a resolver por meio de procedimento mais célere os problemas, visto que provavelmente não haveria a necessidade de produção de provas além do termo assinado pelas partes.
Sendo assim, a ideia de advogado como custo é ilusória, visto que o profissional constitui parte imprescindível do processo produtivo, tornando-o mais eficiente e seguro.
Outra situação que reafirma este entendimento e na qual o trabalho do advogado se evidencia como preponderante, é à incorporação de pessoa jurídica. Para que o adquirente tenha plena segurança da saúde da companhia objeto da aquisição, deverá analisar, com a ajuda de contadores e advogados, os passivos fiscais/contábeis e jurídicos desta.
Se a incorporação é vista como investimento, pois tem como fito da sociedade aquisitora a obtenção de retorno financeiro pela operação, sendo a análise jurídica e contábil essencial para que haja a compra, pode-se deduzir que os serviços dos advogados e contadores são parte desse investimento.
O papel do novo advogado na redução de riscos
As negociações são o cerne da atividade empresarial. É obrigatório, quando das transações comerciais, saber medir e, se necessário, contingenciar os riscos envolvidos. Para que haja a contingência, há de se permanecer com uma quantia imobilizada, o que significa que esses recursos ficarão provisoriamente indisponíveis para a empresa. A redução dos riscos da atividade empresarial, portanto, significa minimização do valor a se reter.
Este conceito é denominado EMV - Expected Monetary Value (Valor Monetário Esperado) e baseia-se resumidamente na medição e comparação de riscos vinculados a um projeto5. O princípio é utilizado amplamente para verificar os riscos em projetos e é calculado tendo em vista a probabilidade de o risco ocorrer e o impacto no projeto se o fator de risco se comprovar. Ou seja, vamos supor o risco de não pagamento em uma negociação no valor de R$ 50 mi e nesse caso haja uma probabilidade de 70% de o risco se comprovar. Caso se comprove, o impacto no custo será no valor total da negociação. O valor a ser contingenciado é 70% dos R$ 50 mi envolvidos, ou seja R$ 35 mi. Isso só no caso de não quitação do valor devido. O cálculo, entretanto, deve ser feito para todas as possibilidades de risco envolvidas.
Nesse sentido, a função do advogado é de suma importância, visto que quanto menores os riscos envolvidos, menores os valores a serem contingenciados, gerando, na verdade, uma economia na operação.
Uma das características da pessoa jurídica é justamente a pluralidade de atividades necessárias para seu funcionamento.
Um distribuidor para que possa vender seus produtos, necessita da análise desta operação. Esse diagnóstico deve ser feito levando-se em consideração todo o processo de comercialização.
Ao negociar, o distribuidor deve analisar este processo levando em consideração se o risco envolvido supera o lucro que vai ter e quais as implicações se a negociação não for concluída.
Também há a análise contábil, onde a correta tributação da venda deve ser observada pelo departamento financeiro/contábil da empresa.
Contudo, para que possa funcionar, a companhia possui funcionários, os quais têm custo trabalhista (salário, benefícios, adicionais, horas-extra, etc.), o qual deve ser observado quando do pagamento salarial.
Em caso de serem envolvidos produtos perigosos ou com algum grau de nocividade ao meio ambiente, há a necessidade de análise do passivo ambiental (conjunto de obrigações que a empresa tem com o meio ambiente por conta de algum dano que cause a este em decorrência de sua operação). Para tanto, deve-se verificar quais são as características do produto (se é corrosivo, inflamável, nível de toxidade, etc.) e como será feito o transporte (se em caminhão baú, tanque, se por navio, se há o transporte vertical, etc.). Também de acordo com o tipo de produto, é necessária a análise de eventuais exigências regulatórias, como eventuais certificações por agências reguladoras como, por exemplo, a Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Para o transporte, é necessário um contrato com a transportadora bem redigido, de maneira que haja a correta especificação do produto, bem como das condições de transporte e assim, assegurar o correto trânsito deste, além da exigência de que a prestadora possua eventuais licenças que se façam necessárias, bem como determinar que esta cumpra com todos os procedimentos legais inerentes à operação. É imprescindível, igualmente, delimitar a responsabilização da prestadora, para que esta não se exima de culpa em caso de descumprimento de quaisquer condições contratuais.
Para todas as situações elencadas acima, há a necessidade do envolvimento do advogado, que deverá garantir o correto cumprimento das obrigações legais pela sociedade empresária.
A análise incorreta do modus operandi legal pode incorrer em grande prejuízo e, em situações mais graves, até o encerramento das atividades da empresa.
Outro ponto ilustrativo relevante onde o advogado deve ser parte essencial é na estruturação da pessoa jurídica por meio de procedimentos preventivos que impeçam danos a imagem desta, como por exemplo, em caso de demandas judiciais que venham a se tornar públicas.
Para minimizar as chances de ocorrerem prejuízos por conta dos riscos da operação empresarial, é necessária a criação pelo advogado de mecanismos preventivos, tais como mas não se limitando a elaboração de certificados de garantia dos produtos a serem vendidos, propostas comerciais, minutas de contrato padrão, propostas de prestação de serviços e procedimentos de Governança Corporativa e Compliance, as quais definirei a seguir.
Nessa esteira, enfatizo a importância da correta elaboração de uma minuta contratual. Em contratos nos quais há a possibilidade de subcontratação, o risco de danos para a imagem da empresa contratante é mais elevado. Contratos que envolvem mão de obra possuem uma série de variáveis que devem ser levadas em consideração na hora da elaboração da minuta. Suponhamos que haja pela empresa subcontratada utilização de trabalho em condições análogas a de escravos. Há neste caso o iminente perigo de o nome da contratante ser envolvido no ato delitivo da subcontratada. Um contrato bem feito deve prever a responsabilização solidária da contratada e da subcontratada por danos diretos ou indiretos causados a contratante, bem como isenção desta última de qualquer culpa por atitudes ilegais cometidas pelas primeiras em decorrência das obrigações previstas no contrato. Dessa forma, um bom trabalho do advogado minimizaria os danos decorrentes desta relação contratual.
A fuga de propriedade intelectual também carece de cuidado pelas corporações. A criação de mecanismos preventivos/coercitivos pelo advogado é determinante para a proteção de segredos industriais. Cito ilustrativamente o caso em que houve a contratação pela Gatorade (anteriormente pertencente à Quaker Oats Company) do corresponsável pelo plano de marketing da Pepsi Co., o sr. William Redmond Junior. Pelo fato de o sr. Redmond possuir indiscutivelmente à época informações confidenciais que, em caso de serem fornecidas para a concorrente, poderiam claramente prejudicar o antigo empregador, a corte distrital o proibiu, por ter assinado um contrato de confidencialidade com a Pepsi, de trabalhar para a concorrente pelo prazo de seis meses, bem como de fornecer quaisquer informações relativas ao plano de negócios desta, impedimento este último mantido pela "United States Court of Appeals for the Seventh Circuit". Destaco nesse caso que o Sr. Redmond assinou contrato de confidencialidade com ambas as empresas, tanto seu antigo empregador o qual queria se proteger do vazamento de informações sigilosas, quanto do novo empregador, que tentou se isentar de responsabilidade por eventual vazamento de informações pelo ex-funcionário da concorrente6:
"Redmond's relatively high-level position at PCNA gave him access to inside information and trade secrets. Redmond, like other PepsiCo management employees, had signed a confidentiality agreement with PepsiCo. That agreement stated in relevant part that he:
"w[ould] not disclose at any time, to anyone other than officers or employees of [PepsiCo], or make use of, confidential information relating to the business of [PepsiCo] ... obtained while in the employ of [PepsiCo], which shall not be generally known or available to the public or recognized as standard practices". (grifos meus)
"The defendants also pointed out that Redmond had signed a confidentiality agreement with Quaker preventing him from disclosing "any confidential information belonging to others," as well as the Quaker Code of Ethics, which prohibits employees from engaging in "illegal or improper acts to acquire a competitor's trade secrets".
É notório o entendimento acima de que o fato de o funcionário ter assinado contrato de confidencialidade com seu antigo empregador foi categórico para que a corte distrital se decidisse pela proibição temporária da contratação do sr. Redmond pela Quaker Oats. Em outras palavras, o bom trabalho dos advogados da Pepsi, tanto no tocante ao procedimento de assinatura do contrato de confidencialidade por executivos, quanto na elaboração do instrumento contratual, precaveu esta de eventuais prejuízos em decorrência do vazamento de informações.
Portanto, para prevenir situações como as acima demonstradas, o advogado deve ser diligente e promover periodicamente a análise jurídica de toda a operação de seu cliente/empregador e, caso necessário, solicitar melhorias para que seja reduzida a possibilidade de prejuízos. Com menos prejuízos, maior a receita, tornando a função do profissional do direito intrinsecamente ligada com o lucro da corporação.
A governança corporativa e o compliance
O advogado, dentre outras atribuições, age também como "fiscal" de procedimentos dentro e fora da corporação. Essa fiscalização ganhou tal importância que as empresas hoje possuem um setor destinado somente para esta finalidade, o Compliance, o qual era anteriormente desprezado pelos empresários.
Na década de 90, com a modernização dos processos produtivos e da atividade empresarial como um todo, houve a necessidade de criação de métodos de controle para se assegurar o correto funcionamento das sociedades e torná-las mais transparentes.
O termo "Compliance" vem do inglês "to comply", que significa executar, cumprir, satisfazer o que lhe foi imposto. Em outras palavras, é a obrigação de cumprir com as leis e regulamentos internos e externos. O Compliance é um dos pilares da Governança Corporativa, definida pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa da seguinte forma7:
"Governança Corporativa é o sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e monitoradas, envolvendo os relacionamentos entre Acionistas/Cotistas, Conselho de Administração, Diretoria, Auditoria Independente e Conselho Fiscal. As boas práticas de governança corporativa têm a finalidade de aumentar o valor da sociedade, facilitar seu acesso ao capital e contribuir para a sua perenidade."
Quando uma sociedade cria um procedimento interno em qualquer setor, tem o objetivo de tornar aquelas operações mais rápidas e seguras, de forma a economizar recursos. O profissional de Compliance tem como função assegurar que esses processos sejam cumpridos na íntegra pelos funcionários, de forma a manter a empresa saudável. Essa tarefa tem impacto não só no funcionamento interno da pessoa jurídica, mas também na imagem da companhia.
Pelo fato de, principalmente, haver a necessidade da análise de legislação, regulamentos e normas, os profissionais de Compliance majoritariamente possuem formação jurídica.
O exemplo Enron
Descrevo como exemplo de empresas que tiveram uma Governança Corporativa falha a Enron Corporation, companhia de energia norte-americana que, em grande parte pela falta de transparência nos procedimentos contábeis e fiscais, conseguiu manipular e inflar os lucros artificialmente, de forma a esconder dívidas de aproximadamente 25 bilhões de dólares, por meio de fraudes em seus balanços financeiros. Esses engodos ocasionaram não só a recuperação judicial da própria empresa, como também a responsabilização da Arthur Andersen, que realizava a auditoria da energética. Após esse escândalo e outros semelhantes, o governo estadunidense publicou o Sarbanes-Oxley Act (Sarbox ou SOX), em 2002.
O SOX tem como objetivo garantir maior transparência nas pessoas jurídicas, garantindo a criação de mecanismos de auditoria e segurança nas empresas de forma a proteger investidores de eventuais fraudes8.
Pelo explanado acima, tem-se a dimensão da importância do correto controle dos procedimentos em uma sociedade empresária, onde a contratação de profissionais capacitados é essencial.
Uma empresa com uma área de Compliance eficiente, bem como com boas práticas de Governança Corporativa, atua de maneira mais ágil e segura e, como consequência, tem seu valor de mercado e produtividade aumentados. Portanto, a contratação de funcionários competentes para essa função pode sim ser considerado investimento.
O novo advogado como mediador
É função de destaque do novo advogado, a de mediação de conflitos.
Atualmente, nota-se que há a migração da figura antiga do advogado como aquele que emperra uma negociação, defendendo a qualquer custo os interesses do seu cliente. O operador do direito moderno evoluiu sua esfera de atuação, acumulando dentre outras funções, a de facilitador de acordos.
É mandatória para o bom advogado corporativo a busca pela solução menos traumática e segura para seu cliente/empregador. Com essa postura, ele ganha importância crucial na resolução de impasses.
A figura de um terceiro alheio ao conflito que interfere com o intuito de resolvê-lo é antiga. No mundo, esse personagem existe desde os primórdios, com a busca de um terceiro para solucionar disputas. Um dos grandes pensadores a relatar a utilização da mediação foi o filósofo chinês Confúcio (pelo sistema Wade-Giles de romanização do mandarim, K'ung-fu-tzu), que pregava a forma pacífica para desempate de demandas9. No Brasil há registros de resolução de conflitos de maneira extrajudicial na Constituição Imperial de 1824 (artigos 160 e 161).
O mediador tem como foco a intervenção em negociações para tornar as conversas mais efetivas e, dessa forma, chegar a um ponto em comum entre as partes. É diferente a figura do mediador da figura do juiz por exemplo. O mediador não deve julgar ou tomar partido de qualquer das partes, deve sim procurar um entendimento entre elas, exercitando a empatia de cada uma.
O advogado empresarial na função de mediador, apesar de se diferenciar do mediador profissional pelo fato de que deve proteger os interesses de seu cliente/empregador, tem a mesma função de buscar uma solução pacífica para uma disputa. Em negociações onde há um impasse, o advogado deve agir no intuito de procurar o meio termo. Pelo fato de muitas vezes não ter sido envolvido diretamente na negociação, o advogado possui certa isenção emocional, tornando-se muitas vezes o fator racional da negociação necessário para que haja um entendimento entre as partes.
Formas de contratação do novo advogado
O profissional jurídico, conforme explanei acima, desempenha papel de vital importância nas sociedades empresárias. Contudo, muitos empresários ainda enxergam este como custo, e em multinacionais o departamento jurídico possui seu "head count" reduzido. Head count, de acordo com o Business Dictionary10 significa o número de indivíduos constantes na folha de pagamento de uma empresa. Esse número é limitado nas empresas, pois tem impacto em várias situações.
Uma das formas de verificar a saúde de uma sociedade empresária é medir a sua "eficiência". Para tanto, essa medição leva em consideração três níveis11:
1. Eficiência de Custo;
2. Eficiência de Conversão;
3. Eficiência de uso da Liquidez;
A Eficiência de Custo de uma empresa é medida pela sua receita. É na verdade o embate entre o custo que a empresa efetivamente teve e o custo que era previsto para o exercício. Para ser considerada mais eficiente a empresa tem que ter um custo menor do que do ano anterior.
A Eficiência de Conversão é o quanto a empresa consegue transformar os recursos que possui em volume de vendas.
A Eficiência do Uso da Liquidez pela empresa é a capacidade de conversão do uso dos ativos que possui (equipamentos, tanques, caminhões, etc.) em dinheiro efetivo, sem perder de forma significativa o seu valor.
Uma sociedade empresária considerada eficiente de acordo com os conceitos acima reflete essa imagem positivamente e como resultado tem seu valor majorado.
O alto número de funcionários, por exemplo, implica em custo fixo elevado e, caso a companhia tenha baixa receita, possui pouca lucratividade. Como consequência, é considerada pelo mercado como pouco eficiente.
Para maximizar os ganhos corporativos devem-se minimizar os custos.
Existem hoje duas opções usuais para a contratação do profissional do direito. Pode-se contratar diretamente, ou "In House", incluindo o advogado no quadro de funcionários, contudo, isso implica no custo trabalhista envolvido, que quase dobra o valor salarial do funcionário, ou indiretamente, por meio de contratação terceirizada.
Vamos supor um Advogado Júnior, com um salário base de R$ 4,5 mil (bruto) e benefícios (plano de saúde, vale refeição e vale transporte). Levando-se em conta o valor pago em verbas trabalhistas (provisão de 13º salário, provisão de férias, provisão de adicional de 1/3 de férias, FGTS, Provisão de FGTS com 13º salário e férias, INSS e Provisão de INSS do 13º e de Férias) mais benefícios (supondo o valor de R$75 de Plano de Saúde e R$500 de Vale Refeição) e descontados os valores permitidos por lei (vale transporte e refeição), chega-se ao valor aproximado de R$ 7,4 mil! Dependendo do caso o valor pode chegar a até 106% do salário pago.
Deve-se levar em consideração no entanto que o Advogado In House desempenha papel fundamental dentro da empresa, pois é profissional exclusivamente dedicado ao seu empregador, sendo imprescindível dentro de um viés mais estratégico.
Atualmente, há um tipo contratual de origem norte-americana que vem se popularizando no meio corporativo, o Outsourcing ou "Terceirização". Essa ação tem por finalidade obter mão-de-obra de fora da empresa (out = fora, source/sourcing = fonte). Essa forma de contratação só é legalmente possível em caso de ser o recurso proveniente de atividade meio, como a jurídica, nunca de atividade fim. O conceito, apesar de não ser novo (Ronald Coase em 1937, em sua obra "Natureza da Firma" explicou como as empresas agiam para decidirem o que produzir internamente e o que poderia ser adquirido/produzido fora12), ganhou a atual forma também na década de 1990, quando não só a fabricação de produtos, mas a contratação de empregados em países com tributação mais baixa se tornou hábito das grandes empresas americanas13.
Seguindo essa tendência, no Brasil é comum a contratação pelas empresas de bancas de advocacia, as quais deslocam profissional próprio para auxiliar no suporte jurídico e, desta forma, se beneficiarem da economia com as verbas trabalhistas que incidiriam sobre um eventual funcionário, visto que a responsabilidade passa a ser do escritório empregador do profissional.
Contudo, para que não haja a vinculação trabalhista, devem-se observar alguns requisitos. Não pode existir a pessoalidade, visto que como se trata de contratação de escritório de advocacia e não de pessoa física, o profissional pode ser facilmente substituído em caso de impossibilidade de comparecimento no local de prestação de serviço. Tampouco deverá ocorrer a subordinação com a contratante (não há de se confundir subordinação com eventuais orientações necessárias para a prestação do serviço), visto que o profissional prestador responde diretamente ao seu superior hierárquico dentro da sociedade de advogados. Por fim, necessita ser o contrato temporário.
Além da vantagem no custo, o Advogado Outsourcing pode se utilizar de toda a estrutura do escritório de advocacia, incluindo consulta aos especialistas das mais diversas áreas do direito, para ajudar no que for necessário.
Auxilia o Advogado Outsourcing inclusive no relacionamento entre empresa e escritório de advocacia, visto que, caso a corporação concentre tanto a área consultiva quanto a contenciosa em um mesmo escritório de advocacia, a gestão processual se torna mais eficiente, com comunicação direta entre o empresário e a banca de advogados por meio do profissional destacado.
Portanto, temos duas distintas funções dos operadores do direito o Advogado In House e o Advogado Outsourcing.
O Advogado In House atua como um "manager" da estrutura jurídica da empresa, tornando o departamento jurídico corporativo cada vez mais enxuto. Estão cada vez mais ligados à área estratégica da empresa e, como exemplo disso, recentemente deu-se a criação da função de CLO (Chief Legal Officer) ou General Counsel, pela qual o advogado atua como um gestor de negócios.
O CLO ou General Counsel é uma mescla de homem de negócios e advogado. É o meio termo entre ambos14. Teve sua importância maximizada após os eventos que ocasionaram o escândalo da ENRON e a vigência do SOX e suas variações pelo mundo (JSOX e EUROSOX, por exemplo) conforme explanado no presente artigo. Tem sua função intrinsecamente ligada a Governança Corporativa da empresa.
O Advogado Outsourcing, segundo entendimento diverso do que ocorria no passado, existe hoje para realizar tarefas mais operacionais, como elaboração e revisão de contratos/propostas, eventuais alterações societárias e contencioso, diminuindo dessa forma seu papel estratégico. Por conta da diminuição dos custos, acaba se tornando vantajoso para as empresas a contratação pelo modelo outsourcing. Isso causou uma mudança no entendimento dos sócios das bancas de advocacia, que antes dialogavam diretamente com os executivos e hoje possuem um par jurídico dentro da estrutura corporativa.
Contudo, nada impede de ser adotado pelas empresas o modelo de outsourcing jurídico também para assuntos estratégicos, visto que depende principalmente da capacidade e comprometimento do profissional, não sendo o modelo de contratação deste tão relevante.
Conclusão
Diante de todo o explicado pelo presente artigo, conclui-se que o advogado corporativo possui papel vital nas atividades da empresa. Ele é parte importante do processo produtivo e, pela característica de atuar principalmente na redução de riscos, acaba por interferir diretamente nos lucros desta. A sua redução a um mero "custo" implica em uma compreensão limitada da real função desse profissional na estrutura corporativa.
O advogado moderno deve, além de ter excelência em relação ao conhecimento jurídico, compreender as demais áreas da empresa e seus respectivos procedimentos, de forma a prover uma melhor assessoria e tornar-se cada vez mais conciliador e parceiro dos negócios.
O que de modo algum deve se olvidar, é a observância dos interesses do cliente/empregador, os quais devem sempre guiar as ações do novo profissional de direito.
Também é necessário um perfil mais colaborativo, onde a segurança da operação deve ser observada sem prejuízo da eficiência, de modo a aprimorar a comunicação com os demais profissionais e, assim, auxiliá-los da melhor forma possível tornando o advogado um verdadeiro parceiro para os negócios.
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1 - BODIE, Zvi; KANE, Alex; MARCUS, Alan J.; "Fundamentos de Investimentos". 3ª Edição, São Paulo, ARTMED Editora, 2000, pág. 23
2 - RIBEIRO, Moura Osni, "Contabilidade de Custos Fácil". 8ª ed. São Paulo, Saraiva, 2013.
3 - PINDYCK, Robert S., e RUBINFELD, Daniel L. "MicroEconomia". Tradução: Catunda, Pedro. São Paulo: Makron Books, 1994 in "Custos de Produção sob a Ótica Contábil e Econômica", MARQUES, Kelly Cristina Mucio e MARQUES, Claudio, pág. 5.
4 - NICHOLSON, Walter. Microeconomic theory: basic principles and extensions. 9ª edição. Mason: South-Western, 2005, in "Custos de Produção sob a Ótica Contábil e Econômica", MARQUES, Kelly Cristina Mucio e MARQUES, Claudio, pág. 5.
5 - "The expected monetary value criterion requires the calculation of the expected value of each decision alternative which is the sum of the weighted payoffs for that alternative, where the weights are the probabilities assignet to the states of nature that can happen. Hence, given a payoff table with conditional values (payoffs) and probability assesments for all states of nature, it is possible to determine expected monetary value for each course of action if the decision could be repeated a large number of times" - SEN, Rathindra P., Operations Research: Algorithms and Applications, 2010.
6 - PEPSICO, INC., a corporation, Plaintiff-Appellee, v. William E. REDMOND, Jr., and The Quaker Oats Company, a corporation, Defendants-Appellants.
7 - Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - https://www.ibgc.org.br - lido em 14/10/2013.
8 - "To protect investors by improving the accuracy and reliability of corporate disclosures made pursuant to the securities laws, and for other purposes" - U.S. Securities and Exchange Commission website: https://www.sec.gov/about/laws.shtml#sox2002 - Lido em 14/10/2013.
9 - SERPA, Maria de Nazareth. Teoria e prática da mediação de conflitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999., p. 67-68.
10 - www.businessdictionary.com - Lido em 22/10/2013.
11 - "Measuring efficiency (E)
Less direct efficiency measures can give us some important clues as to how a business is performing. We will consider efficiency at three levels:
1. the efficiency of the firm in controlling its costs (costs efficiency);
2. the efficiency with which the business converts resources into sales (conversion ratios);
3. the efficiency with which the company uses its working capital (working capital ratios);" - Finance and Accounting for Business - RYAN, Bob - Thomson Learning, 2004.
12 - COASE, Ronald, "The Nature of Firm", 4ª Edição, 1937.
13 - JUNIOR, Moacir Miranda de Oliveira e colaboradores, "Multinacionais Brasileiras", Bookman, 2010, pág. 299.
14 - VEASEY, E. Norman, DI GUGLIELMO, Christine T., "Indispensable Counsel - The Chief Legal Officer in the New Reality", Oxford, 2012.
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* João Victor Pedro Maluf é sócio do escritório Pittelli Advogados Associados.
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