Fundos de fundos: dupla governança?
O mercado de private equity é diverso e tem crescido exponencialmente no Brasil. A nossa economia tem passado por mudanças na estrutura de propriedade, governança e gestão de suas empresas, em virtude de regras rígidas de governança corporativa.
quinta-feira, 1 de julho de 2010
Atualizado em 30 de junho de 2010 11:29
Fundos de fundos: dupla governança?
Renata Weingrill Lancellotti*
O mercado de private equity é diverso e tem crescido exponencialmente no Brasil. A nossa economia tem passado por mudanças na estrutura de propriedade, governança e gestão de suas empresas, em virtude de regras rígidas de governança corporativa, reestruturações societárias e ingresso de novos investidores nacionais e estrangeiros.
Nos últimos anos, esse setor demonstrou que as empresas que obtiveram investimentos advindos de fundos de private equity, tornaram-se lideres de mercado e apresentaram relevantes retornos de investimentos. Portanto, é importante atentarmos para esse tema, que está estritamente correlacionado às boas práticas de governança corporativa.
Antes de adentrarmos ao tema principal deste artigo - fundos de fundos - importante se faz notar que a governança corporativa é uma ferramenta que propõe proteger os interesses de todas as partes interessadas (stakeholders), de modo a minimizar eventuais conflitos de interesses e atingir tanto o interesse social como a preservação das empresas em um mercado altamente competitivo.
O fundo de fundos no mercado de capitais brasileiro denominado "Fundo de Investimento em Cotas de Fundos de Investimento em Participações" é disciplinado pela Instrução CVM nº 391, de 16 de julho de 2003, que permite a constituição de fundos para investir em FIP - Fundos de Investimento em Participações e em FMIEE - Fundos Mútuos de Investimento em Empresas Emergentes.
O fundo de fundos, constituído sob forma de condomínio fechado e destinado, exclusivamente, à participação de investidores qualificados, tal como definidos pelo artigo 109 da Instrução CVM nº 409 , é uma comunhão de recursos destinados à aquisição de quotas de FIP's e FMIEE's, tendo com uma das principais características, a participação na definição da política estratégica e governança dos fundos a serem investidos.
Ora, tanto os FIP's como os FMIEE's têm uma cultura participativa na administração das companhias investidas, de modo a orientar e participar ativamente das estratégias, negócios, políticas, gestão e estruturas de governança dessas companhias pela: (i) efetiva influência na definição de sua política estratégia e na sua gestão, notadamente através da indicação de membros do Conselho de Administração; (ii) detenção de ações que integrem o respectivo bloco de controle; (iii) celebração de acordo de acionistas ou, ainda; (iv) celebração de ajuste de natureza diversa ou adoção de procedimento que assegure ao fundo efetiva influência na definição de sua política estratégica e na sua gestão.
Por outro lado, os regulamentos desses fundos também devem estabelecer critérios a serem observados para a definição das companhias abertas que possam ser objeto de investimento. As companhias fechadas, por exemplo, devem seguir práticas de governança corporativa, tais como: (i) proibição de emissão de partes beneficiárias e inexistência desses títulos em circulação; (ii) estabelecimento de um mandato unificado de 1 (um) ano para todo o Conselho de Administração; (iii) disponibilização de contratos com partes relacionadas, acordos de acionistas e programas de opções de aquisição de ações ou de outros títulos ou valores mobiliários de emissão de companhia; (iv) adesão a câmera de arbitragem para resolução de conflitos societários; (v) no caso de abertura de seu capital, obrigar-se, perante o fundo, a aderir a segmento especial de bolsa de valores ou de entidade mantenedora de mercado de balcão organizado que assegure, no mínimo, níveis diferenciados de práticas de governança corporativa previstos nos incisos anteriores; e (vi) auditoria anual de suas demonstrações contábeis por auditores independentes registrados na CVM.
A plataforma de governança corporativa desses fundos é composta pelas seguintes partes interessadas (stakeholders): Administradora e/ou Gestora, o Comitê de Investimento e a Assembleia Geral de Cotistas.
As principais atribuições da Administradora são as relativas à administração e representação dos fundos de investimentos - em juízo ou fora dele - e desempenho de todos os atos a este atribuídos pela lei e pelos regulamentos dos fundos que administre. As funções da gestora são relativas à gestão da carteira dos fundos de investimento. Já a principal atribuição do Comitê de Investimento - composto, preferencialmente, por membros indicados pela gestora, sendo facultada a indicação de representantes dos quotistas - é deliberar sobre as diretrizes, projetos e propostas de investimentos e desinvestimentos do fundo.
A Assembleia Geral de Cotistas tem como principais atribuições: (i) tomar, anualmente, as contas do fundo elaboradas pelo administrador e deliberar sobre as demonstrações financeiras anuais apresentadas pelo administrador; (ii) alterar o regulamento do fundo; (iii) deliberar sobre a destituição do administrador e/ou gestor escolha de seu substituto; (iv) aprovar ou rejeitar os auditores independentes indicados pelo administrador para auditar as contas do fundo; e (v) ratificação dos membros do Comitê de Investimento; (vi) deliberar sobre a transformação, fusão, incorporação, cisão ou liquidação do fundo; (vii) deliberar sobre a remuneração do administrador e/ou gestor; (viii) deliberar sobre a emissão e distribuição de novas quotas do fundo; (ix) deliberar sobre a alteração na política de investimentos do fundo, mediante apresentação de proposta nesse sentido pelo Comitê de Investimento; (x) deliberar sobre a alteração das disposições do regulamento.
É importante notar que os fundos (FIP e FMIEE) possuem uma participação ativa e responsável de governança nas companhias investidas. Resta saber como é a interligação da "governança" com os fundos de fundos e as suas vantagens.
Como dito, o fundo de fundo é uma comunhão de recursos destinados à aquisição de quotas de fundos alvos (FIP's e/ou FMIEE's), participando, ativamente, do processo decisório e de governança dos respectivos fundos.
Na prática, o fundo de fundos irá investir em fundos alvos, cujas companhias emissoras de títulos e valores mobiliários integrantes da carteira dos referidos fundos atuem em setores de relevante crescimento econômico, obtenham boa perspectiva de rentabilidade e/ou expressivo retorno de investimentos, bem como contemplem uma equipe chave tecnicamente competente e qualificada.
Por outro lado, é imprescindível que a estrutura de governança das companhias que componham as carteiras dos fundos alvos esteja alinhada às boas práticas de governança do fundo de fundos.
Nesse cenário, o investidor do fundo de fundos terá acesso a uma carteira diversificada, contendo fundos de diversos setores, regiões, estratégias, bem como terá a vantagem de minimizar eventuais riscos da carteira de um fundo de investimento.
Sob a ótica das boas práticas de governança corporativa, o fundo de fundos também terá uma plataforma de governança composta das seguintes partes interessadas: Investidor representado pela Assembleia Geral de Cotistas, Comitê de Investimentos e outros comitês, Gestora e/ou Administradora, contendo as mesmas funções acima descritas, todavia, com algumas peculiaridades: o fundo de fundos também poderá participar dos conselhos das companhias investidas que componham a carteira dos fundos alvo, bem como comparecer e representar este fundo, em assembleia gerais das referidas companhias.
Na prática, o investidor - seja fundo de pensão, investidor institucional ou qualquer outro investidor qualificado - irá delegar suas funções de acompanhamento e fiscalização para uma equipe especializada de fundos de fundo, evitando-se sobreposição de funções e custos desnecessários. Ou seja: na estrutura de fundo de fundo, há a dupla governança, que a meu ver, é salutar, pois além de fortalecer o mercado de private equity, certamente atrairá mais investidores, nacionais e estrangeiros.
A principal vantagem dos fundos de fundo sob a ótica da governança corporativa é que a plataforma de governança é reforçada em todos os níveis, gerando, consequentemente, maior alinhamento de todos os interesses entre os stakeholders - elemento essencial da moderna teoria das boas práticas de governança corporativa.
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1 "Art. 109 da Instrução nº. 409, de 18 de agosto de 2004: Para efeito do disposto no artigo anterior, são considerados investidores qualificados: I - instituições financeiras; II - companhias seguradoras e sociedades de capitalização; III - entidades abertas e fechadas de previdência complementar; IV - pessoas físicas ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) e que, adicionalmente, atestem por escrito sua condição de investidor qualificado mediante termo próprio, de acordo com o Anexo I; V - fundos de investimentos destinados exclusivamente a investidores qualificados; VI - administradores de carteira e consultores de valores mobiliários autorizados pela CVM, em relação a seus recursos próprios; VII - regimes próprios de previdência social instituídos pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou por Municípios."
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*Advogada do escritório Motta, Fernandes Rocha - Advogados
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