Princípios da proporcionalidade e da legalidade na regulação estatal
Floriano de Azevedo Marques Neto
Empresa de telefonia formula-me consulta a respeito do regime aplicável à
autorização para a prestação do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC),
especificamente no que concerne ao pagamento de preço público pelo direito de
uso de radiofreqüências (PPDUR). A questão jurídica envolvida se refere à
exigibilidade ou não do pagamento dos valores pela autorização de uso das
freqüências inerente à autorização do serviço detida pela Consulente. A empresa interessada informa que participou e tornou-se vencedora da
licitação pública, destinada à obtenção de “autorização
para Exploração do Serviço Telefônico Fixo Comutado destinado ao Uso Público
em Geral – STFC”. Tal procedimento
substituía anterior Instrumento
Convocatório, que tinha o mesmo objeto e que não foi levado a termo por não
acudirem concorrentes interessados, tendo sido a licitação finalmente declarada deserta.
Vencido o certame licitatório, a empresa assinou
os
Termos de
Autorização, que lhe permitiam a exploração do STFC nas modalidades local
e longa distância nacional de âmbito intra-regional, e passou a explorar
regularmente o serviço. |
Segundo a interessada, pelo fato do instrumento de convocação original
ter sido declarado deserto e pelo fato de novo instrumento ter sido editado, o
edital da licitação por ela vencido contemplou regra (depois também inserida
no Termo de Autorização) que - discrepando tanto da
regulamentação existente, como do regime das demais autorizatárias do STFC
– estipula uma obrigação de pagamento da diferença entre o preço calculado
para autorização de uso das radiofreqüências e o ônus pago pela autorização
de prestação do serviço, se este resultar menor que aquele.
Com base em tal dispositivo, ainda segundo informações que me foram
trazidas, a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL exigiu da empresa
o pagamento do valor correspondente ao preço público pelas freqüências de
que se utiliza para prestação do STFC, descontado do valor por ela pago a título
de ônus pela autorização. A exigência foi feita com supedâneo no disposto
na Resolução nº 68/98 e no estatuído nos Termos de Autorização detidos
pela interessada.
A empresa apresentou contestação ao pagamento exigido, dirigida à Gerência
Geral de Outorga, Acompanhamento e Controle de Obrigações Contratuais da Agência.
Sustentou naquela ocasião sofisticado e claro raciocínio no sentido de que tal
cobrança seria indevida. Segundo tal requerimento, o pagamento do PPDUR não
teria lugar para as freqüências necessárias ao cumprimento dos compromissos
de abrangência assumidos no contrato como condição para explorar o STFC em
regime privado (compromissos de interesse da coletividade, lastreados no artigo
135 da LGT). De mais a mais, defendeu que o dispositivo, supostamente ensejador
da obrigação de pagamento de PPDUR correspondente à diferença de valores,
haveria de ser interpretado no sentido de que o pagamento somente referir-se-ia
às radiofreqüências adicionais (aquelas não estritamente necessárias ao
cumprimento dos compromissos).
Arrima a tese apresentada na contestação
polêmica,
mas supedaneada em argumentos jurídicos elegantes e sólidos o suposto conflito entre normas regulamentares (de caráter geral) e
editalíticas e contratuais (de caráter específico, concreto), bem como o
raciocínio de que o ônus assumido pela contratada não se restringe ao preço
pago pela autorização de prestação do STFC em regime privado, mas deveria
ser tomado pela totalidade dos investimentos impostos (ou induzidos) como condição
para aquisição do direito de exploração do STFC em regime privado.
Expondo o problema – nuclearizado na sua resistência em assumir o
pagamento do PPDUR exigido pela Agência – a empresa solicita minha análise
dos aspectos jurídicos enredados na questão, resumindo-os nos seguintes
quesitos:
A.
QUAL O REGIME JURÍDICO APLICÁVEL AO PAGAMENTO DO PREÇO PÚBLICO PELO DIREITO
DE USO DE RADIOFREQÜÊNCIAS PARA AS AUTORIZADAS DO STFC (“EMPRESAS
ESPELHO”) ?
B. É
LÍCITA A NORMA CONSTANTE DO EDITAL DE LICITAÇÃO E DO TERMO DE AUTORIZAÇÃO
QUE FIXA NORMA DISTINTA DO DISPOSTO EM RESOLUÇÃO DA ANATEL NO QUE
CONCERNE AO PAGAMENTO DO PPDUR ?
C. É
JURIDICAMENTE EXIGÍVEL A COBRANÇA DO PREÇO PÚBLICO PELO USO DE RADIOFREQÜÊNCIA
COMO PRETENDE A AGÊNCIA ?
D. EM
CASO NEGATIVO, O NÃO PAGAMENTO SERIA CONTRÁRIO AO ARTIGO 48 DA LGT, QUE PREVÊ
A NECESSÁRIA ONEROSIDADE DA OUTORGA DO USO DE RADIOFREQÜÊNCIA ?
E.
AINDA NESSE CASO, A NÃO EXIGIBILIDADE DE TAL PAGAMENTO FERIRIA A ALGUM PRINCÍPIO
REGENTE DA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA ?
Posta assim a questão e formulados os quesitos, passo a expor meu
entendimento. Para bem fazê-lo, creio ser imprescindível passar, ainda que
brevemente, por algumas notas acerca do exercício da função reguladora.
Basicamente, pretendo registrar alguns pressupostos acerca do: i)
exercício do poder normativo pela Anatel; ii)
sua necessária adstrição ao princípio da proporcionalidade e iii)
uma breve nota sobre o princípio da isonomia na atividade regulatória.
Superados estes prolegômenos
que
pretenderei sejam sucintos e objetivos, evitando digressões doutrinárias
descabentes ao deslinde da matéria ,
creio que poderei descer aos aspectos concretos da questão, sendo, então,
necessário enfrentar os seguintes tópicos: i)
o arcabouço normativo aplicável ao pagamento de PPDUR pela empresa; ii)
os limites vinculantes das regras editalícias; iii)
a natureza e abrangência dos ônus arcados pela autorizatária; iv) a possibilidade jurídica de exceção ao regime geral de
onerosidade do uso do espectro radioelétrico.
Após isso, concluirei o presente trabalho posicionando-me acerca da
exigibilidade ou não do preço público cobrado pela Agência.
I. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E PODER NORMATIVO
I.1. Há aproximadamente quatro anos tive a honra de assessorar a Agência
Nacional de Telecomunicações na elaboração de normas balizadoras da
atividade regulatória, no setor de telecomunicações, de aferição do
controle das empresas sob sua jurisdição (trabalho que viria depois a se
transformar na Resolução nº 101). Na ocasião, durante a Consulta Pública
que antecede a edição de regulamentos da Agência, pude constatar a verdadeira
ojeriza que o meio jurídico dedica ao exercício do poder normativo por parte
de órgãos do executivo e em particular pelas agências independentes. À época,
sustentei que não só tais poderes coadunam-se com a Constituição, como não
há razões para tal hostilidade.
I.1.1. Disse então, e sigo sustentando hoje, que o exercício das competências
regulamentares outorgadas pelo legislador ao órgão regulador é admitido pela
Constituição. Mais ainda, afirmei que isso significa um avanço institucional
e jurídico pois aponta para a processualização da atividade regulamentar de há
muito exercida pelo poder executivo. Creio, agora, ser conveniente doutrinar um
pouco mais tal entendimento.
I.2. O tema do poder normativo das agências reguladoras tem exercido um
papel central na discussão doutrinária recente. Ele se desdobra em duas
discussões distintas. Num campo mais polêmico está a possibilidade de exercício
de um poder normativo autônomo por parte das Agências, o que predica o tema
dos regulamentos autônomos no direito brasileiro. Noutro campo, mais restrito,
mas nem por isso menos polêmico, estão a possibilidade e os limites do exercício
de competências regulamentares, mesmo que apenas em sentido de regulamentos
executivos, por entes reguladores.
I.3. A questão dos regulamentos autônomos assumiu recentemente força
nova com a criação das Agências reguladoras. Porém, tal discussão é antiga
no direito brasileiro1. Ela reside em saber se,
no contexto da tripartição constitucional de poderes, caberia ao Poder
Executivo normatizar matérias que não tenham sido objeto de prescrição
normativa pelo Poder Legislativo. Trata-se, pois, do exercício do poder
regulamentar do executivo para inovar no ordenamento positivo, normatizando não
por força de autorização legislativa, mas em decorrência da ausência de
prescrição normativa sobre matéria de competência material do executivo.
Haveria, então, uma transferência (expressa ou tácita) de competências
normativas do Legislativo para o Executivo, de modo que um determinado tema ou
segmento da vida social ou econômica (não objeto de estrita reserva legal)
passe a ser regulamentado autonomamente por atos editados pelo Executivo. Tais
atos (por óbvio de caráter normativo) teriam ranço de fontes originárias de
Direito2.
Na linha que refuta a possibilidade do regulamento autônomo, dentro da tradição
do direito administrativo brasileiro, vale citar Oswaldo Aranha BANDEIRA DE
MELLO para quem “no Direito
Constitucional pátrio, ao Executivo só se admitem os regulamentos externos
executivos, secundum legem e os regulamentos externos autorizados ou delegados,
intra legem”.3
I.3.1. Fundamentalmente, então, o regulamento autônomo se inseriria no
ordenamento jurídico fazendo as vezes de norma a preencher a lacuna deixada
pela ausência do exercício do poder legislativo. Ou seja, o exercício de
prerrogativas normativas pelo Executivo, nestes casos, prescinde de autorização
expressa na lei para edição de norma concretizadora do mandamento legal e
mesmo dispensaria a adstrição à existência de lei a demandar complementação,
detalhamento ou prescrição de procedimentos aptos a concretizar o mandamento
legal.
I.3.2. As causas da existência do regulamento autônomo, basicamente,
seriam de duas ordens. Ou decorrentes da abdicação pelo Legislativo de sua
prerrogativa primaz de inovar no mundo jurídico (ou seja, o regulamento autônomo
se justificaria pela ausência de prescrição legislativa), ou por um processo
de deslegalização4
(diminuição do campo de atuação normativa reservado ao Legislativo em favor
de uma ampliação desse campo para o Executivo).
I.3.3. É neste segundo plano, da delegificação é que residiria o
processo principal de assunção de competências normativas amplas por parte
das agências de regulação, capacitadas para editar regulamentos capazes de
inovar totalmente na ordem jurídica, nas matérias submetidas à sua competência
regulatória. Razões para esse processo são apontadas várias5:
a especialização, a necessidade de normatização altamente cambiante,
a reflexividade, a discricionariedade técnica, a sobreposição entre competência
material (de regular um serviço público ou de utilidade pública) e a competência
normativa inerente à atividade regulatória, entre outras6.
I.3.4. De minha parte, não compartilho do entendimento absoluto da parcela
majoritária da doutrina administrativista acerca do regulamento autônomo.
Estou convicto que não se põe possível ao Executivo avocar competências
legiferantes, a serem exercidas por meio de regulamento, sob o argumento ou de
inércia do Poder Legislativo ou de conveniência de normatização mais célere
ou especializada. Porém, não tenho a mesma convicção para afirmar ser defeso
ao próprio Poder Legislativo, no exercício de suas funções constitucionais,
deliberar por deslegalizar um determinado setor da vida econômica ou social,
desde que inexistente vedação constitucional expressa para fazê-lo (v.g., nas
matérias estritamente reservadas à lei, como por exemplo o direito penal ou a
matéria tributária – princípio da legalidade estrita). E não tenho tal
convicção por entender que o conceito de lei em torno do qual se constrói a
locução constitucional do princípio da legalidade (cf. artigo 5º, II, da
Constituição Federal) admite uma intelecção ampla, não restritiva à lei em
sentido formal7.
I.3.5. Contudo, força é reconhecer que no caso vertente não se coloca a
discussão em torno de regulamento autônomo. Por essa razão, permito-me sobre
o tema não mais me alongar deixando registrado apenas que não me parece, em
absoluto, vedado pela Constituição que, mediante expressa previsão
legislativa, haja a criação de espaços reservados à atividade legiferante do
Executivo, em especial nos setores submetidos a uma regulação específica a
cargo de autoridades independentes. Frise-se, em remate, que para dois setores
específicos (telecomunicações e petróleo) a própria Constituição previu a
existência de estruturas segregadas e especiais, a serem constituídas por lei
para exercer a regulação setorial.
I.4. Independente, porém, da discussão em torno da possibilidade ou não
da constitucionalidade dos regulamentos autônomos no direito pátrio, com o
surgimento das Agências sobreveio outra questão jurídica. Ainda que se
limitem as competências regulamentares apenas para a edição de normas
infralegais, necessárias à concretização do mandamento legal (os tais “regulamentos executivos”), restarão sempre duas questões a
serem enfrentadas.
I.4.1. A primeira, relaciona-se com os limites que, na regulamentação
necessária e concretizadora da lei, o poder executivo terá que respeitar para
não incidir --- se assumirmos isso como vedado --- em inovação, em criação
de Direito. Essa questão, e nesse particular concordo com Marçal JUSTEN FILHO,
põe-se muito mais relevante que a discussão teórica sobre a admissibilidade
ou não do regulamento autônomo8.
Partindo-se da constatação de que a lei tem, cada vez mais, uma tessitura
aberta, recorrendo mais a normas-objetivo ou normas-quadro (que não dispensam a
concretização normativa infra-legal), vê-se claramente a importância de
predicar quais os limites deverão ser observados pelo Executivo para que sua
atividade regulamentar não transcenda os limites do permissivo legal (muita vez
não preciso na definição destes lindes).
I.4.2. A segunda questão, mais afeta ao problema que me foi trazido, diz
respeito à possibilidade do poder regulamentar ser exercido por órgão ou
agente público que não o Chefe do Executivo. Aqui, a resistência que se traz
está relacionada com a regra contida no artigo 84, IV, in fine, que comete à competência privativa do Presidente da República
“expedir decretos e regulamentos para
sua [da Lei] fiel execução”.
Daí, extraem alguns a conclusão de que a prerrogativa de editar atos
regulamentares seria exclusiva do Chefe do Executivo.
I.4.2.1. Não creio ser possível concordar com este entendimento. A
Constituição deve ser interpretada como um todo. Se assim é, temos que dar
algum sentido ao disposto no artigo 49, V, da Constituição Federal que define,
dentre as competências exclusivas do Congresso Nacional “sustar atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder
regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”. Deste dispositivo
extraem-se duas conclusões relevantes para o que ora se analisa. Primeiro, que
a Constituição prevê a possibilidade expressa da edição de atos normativos
por parte do Poder Executivo. Segundo, que esse poder regulamentar é imputado
ao Poder Executivo e não apenas ao Presidente da República. Conforme a definição
do artigo 76 da Constituição Federal “o
Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos
Ministros de Estado”. Como a competência prevista no artigo 84, IV, é
exclusiva do Presidente da República, não podendo ser delegada sequer aos
Ministros de Estado (conforme o Parágrafo Único do próprio artigo 84),
impende uma e somente uma conclusão de molde a dar sentido aos diversos
preceitos constitucionais: o poder regulamentar previsto na Constituição não
se resume àquele atribuído privativamente ao Presidente da República (competência
para expedir regulamentos para fiel execução das leis). Vai além desta competência,
abrangendo poderes normativos mais amplos que não apenas estes, pois só assim
se pode entender por que o artigo 49, V, fala de poder normativo do Poder
Executivo como um todo, e não apenas do Presidente.
E nem se venha dizer que a locução ampla do artigo 49, V, se presta
apenas a compreender a hipótese de regulamentação prevista no artigo 84, VI9,
de delegação possível aos Ministros de Estado. Tal entendimento não faria
sentido pela exata razão de que, neste caso, não se trata de poder
regulamentar trespassado pelo Congresso, por força de determinação
legislativa. Trata-se de delegação regulamentar de ranço constitucional cujo
controle estaria já albergado no controle concentrado de constitucionalidade
previsto no artigo 102, I, a, da Constituição Federal10.
O que me parece pretender assegurar o artigo 49, V, da Constituição Federal é
a prerrogativa do Poder Legislativo controlar exatamente o respeito, pelo
Executivo, dos limites de poder normativo que ele, legislador, houve por bem
conferir. E note-se que o dispositivo não se restringe a aludir o controle da
exorbitância na delegação legislativa (Cf. artigo 68 da Constituição
Federal), mas também o exercício de poder normativo amplo, objeto de
regulamentos que sejam editados na esteira daquilo que Marçal JUSTEN FILHO
designa de “delegação imprópria”11.
I.5. Existe, pois, para mim, base Constitucional para, sem entrar na polêmica
em torno dos regulamentos autônomos, sustentar a possibilidade de, nos limites
cometidos, autorizados ou admitidos pela Lei, exercer o Poder Executivo poderes
normativos, é dizer, praticar atos de caráter normativo (dotados de
generalidade e abstração próprios à norma), de molde a regulamentar
preceitos legais.
I.6. Resta apenas verificar se tais poderes normativos – que já espero
ter demonstrado não se restringem à competência privativa do Presidente da
República (artigo 84, IV)12
– podem ser exercidos por outros entes da Administração que não também os
Ministros de Estado. A chave para superar este impasse parece estar, de novo, na
própria Constituição Federal. Com efeito, distanciando-nos um pouco dos
dispositivos que tratam da organização entre os poderes e chegando ao capítulo
da ordem econômica, encontramos disposto no artigo 174 que ao Estado (vale
dizer, todos os Poderes que o compõem) compete o duplo papel de “agente
normativo e regulador da atividade econômica”.
I.6.1. Temos, então, que o constituinte não segregou as competências
normativas e regulatórias entre os poderes Legislativo e Executivo. Temos também
que, por separar a função normativa (não meramente legislativa) da função
regulatória, definiu-se uma clara demarcação conceitual no sentido de diferençar
regulação (mais amplo) de regulamentação (mais estrito, parte da função
regulatória).
I.6.2. Ora, se a Constituição Federal imputou, tanto ao Poder Legislativo
quanto ao Executivo, o poder-dever de exercer, perante a ordem econômica,
papeis de regulador e de agente normativo, parece-me decorrer daí a autorização
para que o legislador, ao estruturar um determinado arcabouço regulatório,
opte por alocar tais competências (atribuindo originalmente competências
materiais, delegando competências normativas) em um órgão dotado de alguma
independência e autonomia em relação às instâncias de controle político da
Administração (v.g. Ministérios). Note-se que não me insta aqui sustentar a
juridicidade das autoridades administrativas no direito brasileiro, o que já
fiz alhures13.
O que parece-me claro é que, à luz do artigo 174 da Constituição Federal, não
resta vedado, muito ao contrário, que o legislador aloque competências
normativas diretamente em uma autarquia especial (como sói serem constituídas
as Agências), precisando poderes e limites para concretização das pautas
legislativas estatuídas por ele14.
I.6.3. Pela sua própria configuração, como entes administrativos dotados
de autonomia, as Agências se inserem dentro da estrutura da Administração
mediante vinculação, no mais das vezes, aos Ministérios ou Secretarias de
Estado, porém sem estabelecer para com estes órgãos relação de subordinação
(porquanto ausente, muitas vezes por expressa disposição legal, a relação de
hierarquia). Dessarte, as Agências, malgrado sua personificação jurídica levá-las
a integrar a Administração indireta (pois constituídas como autarquias),
estas exercem funções típicas de Estado (artigo 174 da Constituição
Federal) devendo, pois, ser consideradas como parte da estrutura do Poder
Executivo tal como ocorre com os Ministérios e Secretarias.
I.7. Tenho, então, como demonstrado, que as Agências são dotadas de
poderes normativos, não cabendo fazer aqui, genericamente, uma construção
sobre os limites destes. Tenha-se apenas em conta que ao Congresso Nacional (por
iniciativa própria, cf. artigo 49, IV) e ao Supremo Tribunal Federal15
(quando provocado, cf. artigo 102, I, a) caberá, permanentemente, controlar o
desbordamento destes lindes.
I.8. Longe que sustentar que tal prerrogativa decorre da necessidade do
exercício do poder regulamentar pelos órgãos reguladores (pois, como se viu
acima, tais poderes defluem da própria Constituição), é relevante lembrar
que o poder normativo (inovador e autônomo ou delegado e meramente
concretizador, pouco importa) das Agências é uma inerência da própria
atividade de regulação que lhes é cometida. Permito-me lançar mão de Bilac
PINTO que, há mais de sessenta anos, asseverava que a delegação de funções
normativas a estes órgãos (designados àquele tempo de “Comissões
de Serviços de Utilidade Pública”) encontrava justificação no fato de
ser um dos meios indispensáveis ao eficaz desempenho das suas complexas atribuições16.
Como ensina Santiago Muñoz MACHADO, “as
comissões reguladoras dos diferentes setores econômicos compartilham a tarefa
normativa, em diferente grau, com o legislador, que estabelece os princípios de
ordenação (...)”.17
I.8.1. Esta tal “tarefa
normativa”, de que nos fala Muñoz MACHADO, encontra sua razão de ser na
necessidade de concretizar as pautas gerais da lei de forma consentânea com as
premissas válidas para o setor regulado. Complexidade e especialização ditam
a necessidade de construção de conceitos, regras e princípios específicos
para o dado setor regulado. A cambialidade e a reflexividade de interesses
determina uma permanente revisão e readequação das normas, evitando sua
superação pela prática do regulado. Daí por que esse trespasse de competências
regulamentares (independente de tratar-se de regulamento autônomo ou de delegação
própria ou imprópria) acaba por favorecer uma tal segmentação do arcabouço
normativo (muita vez iniciada desde a Lei que dá as balizas estruturantes da
regulação no setor) a ponto de edificar um subsistema dentro do sistema jurídico.
I.8.2. Neste sentido é precisa a lição, outra vez, de Alexandre Santos
de ARAGÃO quando afirma que “A conjunção
desses fatores – criação de órgãos independentes encarregados da regulação
de atividades específicas dotadas de grande conteúdo técnico, resultou nos
ordenamentos setoriais”.18
No âmbito destes ordenamentos setoriais acaba-se por constituir uma
estrutura normativa própria, peculiar, encimada pelas normas legais e
complementada por normas infra-legais com níveis hierárquicos distintos.
I.9. Em outra ocasião, analisando essa questão da especialização da
atividade regulatória e da constituição de estruturas normativas específicas
(subsistemas), afirmei o que agora peço vênia para transcrever:
“10.3. Em terceiro lugar,
porque estes órgãos reguladores parecem oferecer resposta suficiente ao
processo de especialização e segmentação do Direito. A introdução destas
agências como autoridades independentes permite a construção, nos vários
setores da economia e da sociedade que imprescindem de regulação de caráter público,
de subsistemas de normatização e de
mediação dotados de conceitos, princípios, códigos técnicos e procedimentos
adequados às especialidades de cada um destes setores.”
“Como dito anteriormente, a
especialização e a complexização de diversos setores da vida humana criam áreas
que se tornam praticamente auto-referentes nos seus problemas, necessidades e no
ferramental de soluções que em face deles são gerados. Trazendo este fenômeno
para o Direito, temos i) a necessidade da constituição de instrumentos jurídicos
próprios, adequados, a cada subsistema jurídico; ii) a extrema especialização
dos operadores jurídicos que irão atuar neste subsistema, os quais deverão
dominar não só os conceitos e regras, mas também deverão conhecer, em
profundidade, os pressupostos e princípios que o alicerçam. Este processo,
importante frisar, traz o risco de se desestruturar o caráter sistêmico do
Direito, transformando-o num mosaico de sistemas normativos autônomos e sem
comunicação. É, na verdade, um risco que tende a ser neutralizado na medida
em que o ordenamento jurídico começa a abandonar a idéia de codificação própria
ao direito moderno e passa a se utilizar de princípios jurídicos gerais, de cláusulas
abertas e de regras de competência, remetendo-se às instâncias de controle
constitucional a função de articuladoras e agregadoras do sistema jurídico
desde a matriz constitucional.”19
I.9.1. De seu turno e em linhas bastante semelhantes àquelas por mim
trilhadas, vem Alexandre Santos de ARAGÃO para quem “as diversas entidades e órgãos reguladores efetivamente como
ordenamentos jurídicos derivados e parciais, ordenamentos jurídicos estes que
se fortalecem no mundo contemporâneo, onde não mais vigora com tanta rigidez o
dogma da ordem jurídica unitária típico da modernidade do século XVIII. As
funções destas entidades reguladoras especializadas tornam imprescindíveis o
fortalecimento e a consolidação dos ordenamentos jurídicos por elas
autonomamente elaborados por reenvio do ordenamento estatal central.”20
I.9.2. Disso extraio que,
sempre que estivermos analisando o arcabouço normativo de um dado setor
regulado, devemos antes tentar entender como naquele segmento se organizam e
estruturam as normas legais e infra legais; quais são as finalidades e
objetivos da regulação sobre aquele determinado segmento econômico e quais são
os conceitos e princípios chave em torno dos quais se estrutura aquele
subsistema normativo. Não é porque existe num dado setor uma margem de poder
normativo para o regulador que se terá ampla liberdade deste para construir
regras sem observar princípios, limites legais e procedimentos aplicáveis àquele
dado segmento.
I.10. Nisso reside, inclusive, a parcela mais relevante de peias que devem
ser postas à atividade legiferante das Agências de regulação. Se
entendermos, como entendo, ser admissível constitucionalmente que a lei atribua
poderes normativos a esses órgãos, necessário se faz que o exercício deste
poder faça observar princípios e procedimentos.
I.10.1. No campo dos princípios articular-se-ão três ordens axiológicas.
Os princípios gerais da Administração Pública (artigo 37 da Constituição
Federal), os princípios gerais da Ordem Econômica (especialmente os contidos
no artigo 170 da Constituição Federal) e os princípios específicos aplicáveis
à regulação do setor (mormente constantes dos marcos legais estatuidores das
premissas da regulação setorial).
I.10.2. No campo dos procedimentos, põe-se imperativo que no manejo das
competências regulatórias o órgão independente observe regras
procedimentais. A procedimentalização da atividade administrativa (e em
especial na vertente regulatória) é a um só tempo vetor de aperfeiçoamento
da atividade e mecanismo eficiente de controle quanto à observância dos seus
limites e finalidades21.
I.11. Todas estas pautas e premissas encontram-se refletidas no arcabouço
normativo do setor de telecomunicações. A Lei Geral de Telecomunicações –
LGT previu expressamente competências para a Agência expedir normas quanto
à outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações em
regime público (artigo 19, IV) e privado (artigo 19, X); para expedir normas
quanto ao uso do espectro de radiofreqüências (artigo 19,VIII); bem como
editar normas sobre os equipamentos empregados no setor (artigo 19, XII). Mais
do que atribuir competências legiferantes delegadas à Agência, a LGT cuidou
de submeter sua atividade a um plexo de princípios e reservas ímpar.
I.11.1. Tanto que no artigo 38 listou os princípios que condicionam
juridicamente (já este conceito dá o tom da adstrição da atividade da Agência)
o manejo das competências da Anatel, arrolando alguns não muito freqüentes,
malgrado imprescindíveis. Dentre eles, e para o que interessa no presente caso,
encontramos a finalidade, a razoabilidade, a proporcionalidade, o devido
processo legal e a igualdade.
I.11.2. Ainda na esteira das regras de adstrição à atividade da Agência
(verdadeiro e sábio contraponto aos grandes poderes que se lhe foram atribuídos),
previu regra segundo a qual “os atos
normativos somente produzirão efeitos após publicação no Diário Oficial da
União” (artigo 41) e que “as
minutas de atos normativos serão submetidas à consulta pública, formalizada
por publicação no Diário Oficial da União, devendo as críticas e sugestões
merecer exame e permanecer à disposição do público na Biblioteca.”
(artigo 42).
I.11.3. Cioso dos riscos de questionamento quanto ao poder normativo da Agência,
o Presidente da República, ao editar mediante decreto o Regulamento da Agência22,
listou uma série de matérias sobre as quais deveria (poderia) a Agência
exercer seu poder normativo (Cf. artigo 17 do Regulamento), entre elas “disciplinar
a cobrança de preço público pela atribuição do direito de explorar serviço
de telecomunicações , bem como de uso de radiofreqüência e de órbita”
(inciso XXXII).
I.11.4. Por fim, quanto ao que nos toca, a Anatel, ao editar o seu
Regimento Interno (Resolução nº 197 de 16 de dezembro de 1999), estabeleceu
os instrumentos por meio dos quais exerceria seus poderes, estatuindo uma
estrutura hierárquica e funcional destes consoante a finalidade a que se
prestam. Lá predicou que:
“Artigo 3º. O Conselho Diretor
exerce as competências previstas na Lei e no Regulamento da Agência e
manifesta-se pelos seguintes instrumentos deliberativos, assim qualificados:
I – Resolução: expressa
decisão quanto ao provimento normativo que regula a implementação da política
de telecomunicações brasileira, a prestação dos serviços de telecomunicações
e o funcionamento da Agência; (...)
IV – Ato: expressa deliberação
relativa a assuntos de interesse de terceiros, não abrangidos por Resolução,
Súmula ou Aresto;”
I.11.5. Para além disso, o Regimento estabeleceu – na esteira do que já
fora determinado pela LGT – regras de processo administrativo específicas
para o procedimento normativo (Cf. artigos 47 a 52). A isso voltaremos mais
adiante.
II. PRINCÍPIO DA
PROPORCIONALIDADE E ATIVIDADE REGULATÓRIA
II.1. O princípio da proporcionalidade, como idéia subjacente ao Direito
Administrativo, surge muito antes de sua positivação. Ele emerge no momento em
que se passa a limitar e condicionar o poder exorbitante (desvinculado da pessoa
do soberano e albergado na personificação jurídica do Estado), subordinando-o
ao Direito. Ele guarda enorme vinculação com o princípio da finalidade23
que, como sabemos, obriga que o manejo do poder exorbitante: i)
decorra da necessidade de concretização de uma finalidade de interesse público;
ii) dê-se nos estritos lindes do
necessário para concreção desta finalidade24.
II.1.1. Não é por outra razão que J. J. Gomes CANOTILHO relaciona a criação
do princípio da proporcionalidade com a teoria do desvio de poder (ou desvio de
finalidade), entendida como a invalidação do ato administrativo por ser este
praticado para atingir finalidade diversa ou exorbitante àquela predicada em
lei25.
II.1.2. A relação entre estes princípios é certa e se coloca numa ordem
seqüencial. Da mesma forma que não se admitiria o manejo da autoridade (poder
exorbitante - estatal) de forma a discrepar das finalidades justificadoras da
atribuição específica desta (competência), também poder-se-ia extrair uma
regra geral no sentido de que a restrição à liberdade, ditada pela afirmação
legal da autoridade, não poderia ser maior do que o quantum
necessário ao atingimento da finalidade justificadora da restrição. Na
precisa construção de CANOTILHO “o
princípio da proporcionalidade dizia privativamente respeito ao problema da
limitação do poder executivo, sendo considerado como medida para as restrições
administrativas da liberdade individual”26.
Daí já a noção genérica e até certo ponto fluida de proporcionalidade no
exercício do poder pelo Estado.
II.2. Embora patente a relação histórica entre princípio da
proporcionalidade (como idéia central à noção de limitação e
condicionamento do poder exorbitante) e da adstrição da Administração ao
princípio da finalidade e à legalidade, aquele princípio vai demorar mais
para se introduzir como regra vinculante no direito administrativo.
Inicialmente, o princípio da proporcionalidade erige-se como mecanismo de proteção
do indivíduo em face do poder de sanção estatal, encontrando firme guarida no
campo do direito penal27.
II.2.1. Impulso forte na afirmação do princípio foi a sua introdução
como pauta constitucional por parte do Tribunal Constitucional alemão. Na
jurisprudência daquela Corte, o princípio da proporcionalidade passa a ser
elevado à condição de norma constitucional não estrita28
e, portanto, assume o condão de ser crivo de inconstitucionalidade de lei ou
norma infra-legal. Mais que isso, passou a predicar limites mesmo à atividade
do legislador, a quem passou a vedar o manejo das competências legislativas em
excesso para o cumprimento do necessário ao atingimento dos objetivos
constitucionais29.
II.2.3. O princípio da proporcionalidade, ademais, guarda relação com as
duas matrizes centrais do direito ocidental. Tem relação com a rule
of reasonableness da tradição dos países da Common
Law30,
bem como se difundiu nos diversos ordenamentos do direito europeu continental,
como bem demonstra CANOTILHO31
no que designa, genericamente, de “princípio
da proibição do excesso”.
II.3. Para o quanto aqui nos interessa – a aplicação do princípio da
proporcionalidade no âmbito da atividade administrativa, gênero onde se insere
a atividade regulatória estatal - é
bem de ver que o princípio da proporcionalidade se afirma como um importante
elemento limitador do poder de polícia. “Na
verdade o princípio da proporcionalidade visa, em última análise, a contenção
do arbítrio e a moderação do exercício do poder, em favor da proteção dos
direitos do cidadão. Neste sentido, ele tem sido utilizado no Direito
Comparado, e, mais recentemente, também no Brasil, como poderosa ferramenta
para aferição da conformidade das leis e dos atos administrativos com os
ditames da razão e da justiça.”32
II.3.1. No que toca ao controle do poder de policia, o núcleo do princípio
da proporcionalidade acaba por oferecer duas ordens de condicionamento ao exercício
do poder extroverso. De um lado, prediz que o exercício do poder de polícia,
entendido como intervenção na seara de direitos dos particulares, só deverá
se dar quando necessário para concretização de interesses públicos. De
outro, que tal intervenção, ditada pelo manejo do poder de polícia, deverá
ser mensurada no limite mínimo do necessário. Essa dupla ordem de
condicionantes acaba por ditar um critério de balanço, de equilíbrio, entre
os ônus impostos ao particular e os bônus auferidos pela coletividade (titular
do interesse público perseguido pelo manejo do poder de polícia). Ferido esse
equilíbrio, desbalanceada a equação em desfavor do particular, restará
ferido o princípio da proporcionalidade33.
II.3.2. Da sua aplicação original no direito administrativo ligada ao
condicionamento do poder de polícia, o princípio da proporcionalidade se
expande para tornar-se um princípio vinculante de toda a atividade
administrativa. Este princípio, nos dizeres de Adilson DALLARI e Sérgio
FERRAZ, “veda a desproporção entre os
meios utilizados para a obtenção de determinados fins. Pode-se dizer, com
segurança, que, por força do princípio da proporcionalidade, não é lícito
à Administração Pública valer-se de medidas restritivas ou formular exigências
aos particulares além daquilo que for estritamente necessário para a realização
da finalidade pública almejada.”34
II.4. Alguma discussão tem havido na doutrina em torno da delimitação ou
da relação entre o princípio da proporcionalidade e o princípio da
razoabilidade. Enquanto Eros GRAU entende que o princípio da razoabilidade seja
uma das vertentes do princípio da proporcionalidade35
e Odete MEDAUAR sustente que “parece
melhor englobar no princípio da proporcionalidade o sentido de razoabilidade”36,
Celso Antonio vai em sentido contrário afirmando que “o princípio da proporcionalidade não é senão faceta do princípio da
razoabilidade”37.
II.4.1. De minha parte, entendo que são dois princípios de dimensão
distinta, embora ligados a um princípio maior, único e angular. Tanto
proporcionalidade quanto razoabilidade prendem-se ao princípio da autoridade
pelo qual ao mesmo tempo que se admite a restrição dos direitos individuais em
prol dos interesses públicos, exige que o manejo do poder extroverso seja
adequado e compatível com a necessária implementação destes interesses e
conforme com a ordem jurídica.
II.4.2. Têm, porém, dimensão distinta na medida em que a razoabilidade
se liga à adstrição da atividade estatal a um nexo lógico, ao juízo de
plausibilidade em si. Trata-se, portanto, de uma restrição ao excesso em face
da lei e em face dos standards genericamente admitidos pela comunidade num dado
momento. O princípio da razoabilidade veda, pois, que se exerça o poder
estatal ferindo o senso comum do que seria aceitável, plausível, em si, à luz
dos juízos de valor cogentes entre os cidadãos.
II.4.3. Já o princípio da proporcionalidade diz respeito à vedação do
manejo da autoridade estatal de forma não equânime, não cingida ao equilíbrio
entre benefício e restrição. É, pois, um princípio muito mais relacional do
que preso a um senso comum de razoabilidade. Envolve sempre a mensuração ou
entre o benefício para o interesse público, em face da restrição para a
propriedade privada, ou entre uma e outra medida à disposição do poder público,
obrigando sempre a escolha da medida menos gravosa ao indivíduo sujeito ao
poder estatal. Ou seja, embora sempre o cotejo inerente à auferição do
respeito ao princípio da proporcionalidade implique em um juízo racional (em
busca do equilíbrio, do razoável), a proporcionalidade se difere da
razoabilidade pois algo só poderá ser desproporcional em relação a outra
alternativa possível, enquanto algo será irrazoável em si.
II.4.4. Somente se poderá subsumir um princípio a outro se alargamos o
sentido de cada qual. Em assim não o fazendo, o princípio da proporcionalidade
dirá com a restrição de se impor
aos indivíduos restrições, sujeições, obrigações, ônus ou
condicionamentos desbalanceados ou maiores do que o estritamente necessário à
consecução do interesse público no caso concreto. O princípio da
razoabilidade, por seu turno, dirá com a atuação estatal que seja inconsentânea
com a lógica do razoável, ao senso comum de normalidade, àquilo que Celso Antônio
designa por “senso normal de pessoas
equilibradas e respeitosa das finalidades que presidem a outorga da competência
exercida”38.
II.5. Na jurisprudência de nossa Suprema Corte colhemos tanto decisões
que homenageiam o princípio da razoabilidade39,
quanto a proporcionalidade40
como critério para aferição da constitucionalidade de leis. Em voto paradigmático,
datado de 1976, o Min. Rodrigues Alckmin deixava consignado: “quatro
princípios regem este fazer [da regulamentação policial]:
1º) a limitação deve ser justificada; 2º) o meio utilizado, isto é, a
quantidade e o modo da medida, deve ser adequado ao fim desejado; 3º) o meio e
o fim utilizados devem manifestar-se proporcionalmente; 4º) todas as medidas
devem ser limitadas. A razoabilidade se expressa com a justificação, adequação,
proporcionalidade e restrição das normas que se sancionem.”41
II.6. Em dissertação de Mestrado, recém defendida na Universidade
Federal do Paraná, Marcel Queiroz LINHARES expõe a estrutura do princípio da
proporcionalidade42.
Servindo-se da sistematização de CANOTILHO, afirma o jovem autor que a
estrutura do princípio pode ser
desdobrada nos subprincípios “da adequação
(Geeignetheit), necessidade ou exigibilidade (Einforderlichkeit) e
proporcionalidade em sentido estrito (Verhältnismässigkeit)”.
II.6.1. Para CANOTILHO, segundo o prisma de conformidade, a medida adotada
para a realização do interesse público deve ser apropriada à prossecução
do fim ou fins a ele subjacentes.
II.6.2. Já pela exigibilidade ou necessidade (apresentada como a ”menor
exigência possível”) impõe-se que se determine sempre, ao manejar as
competências legislativas ou materiais, que o poder público tenha certo que não
há modo menos oneroso para o cidadão, para alcançar aquele interesse público,
que não aquele selecionado.
II.6.3. Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito predica a auferição da justa
medida, a necessária ponderação entre meios e fins “de modo a se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado
em relação ao fim. (...) Trata-se de pesar as desvantagens dos meios em relação
às vantagens dos fins.”43
II.7. Em brilhante voto recentemente proferido em julgamento do CADE, o
Conselheiro Ronaldo Porto MACEDO JR obtemperou que “o princípio da proporcionalidade de certo modo condiciona o exercício
das funções legislativa, executiva e judicial, visando impedir abusos,
excessos ou interpretações desarrazoadas que possam violar os direitos
constitucionalmente consagrados”.44
II.7.1. É fato que o princípio da proporcionalidade (assim como o da
razoabilidade) vincula a atividade estatal tanto na função judicante, como na
legislativa (onde se difundiu a ponto de alçar à condição, como vimos, de
princípio constitucional não expresso) e especialmente na atividade
administrativa (com destaque para o manejo do poder de polícia). Como já
vimos, a proporcionalidade e a razoabilidade se prestam a limitar o manejo do
poder extroverso (poder estatal) em qualquer de suas acepções.
II.8. Do mesmo modo, a proporcionalidade serve tanto como critério hermenêutico
(balizando a interpretação autêntica ou não, conforme ou não, das normas),
como critério de condicionamento prévio das condutas do agente público. Ou
seja, o princípio serve como crivo para o controle tanto da competência
normativa (edição de atos de alcance geral, leis ou regulamentos), quanto da
competência material (prática de atos de efeitos concretos). Devem observância
ao princípio todos que manejam o poder extroverso, tanto o legislador, quanto o
administrador.
II.9. Daí por que tenho comigo que o princípio da proporcionalidade é
central e fundamental quando estamos diante do exercício da atividade regulatória
estatal. De um lado, porque se trata de atividade estatal que implica, por
definição, em alguma restrição do princípio de liberdade de iniciativa45. De outro, porque a
regulação, especialmente quando exercida por agências independentes, envolve
a transferência de significativos poderes a um só órgão, obrigando o conseqüente
reforço no condicionamento e adstrição aos princípios limitadores do poder
extroverso.
II.9.1. Como sói, então, o princípio da proporcionalidade deverá ser
observado pelos órgãos incumbidos de exercer regulação estatal, quer esta se
manifeste no âmbito dos procedimentos normativos (de modo a não prever restrições
infra-legais de caráter geral que exorbitem o quanto necessário à consecução
das finalidades públicas justificadoras da regulação); quer no âmbito do
poder sancionador (onde revelar-se-á em sua plenitude, tal qual ocorre no
direito penal, não só na avaliação da punibilidade, mas também na
dosimetria da pena); quer no exercício do poder de polícia ínsito à
atividade regulatória (predicando que as restrições e condicionamentos típicos
do poder de polícia deverão observar os traços de necessidade e adequação
acima divisados).
II.9.2. Ademais, tratando-se de regulação setorial (espécie dentro do gênero
regulação econômica), o princípio da proporcionalidade há de ser observado
nos procedimentos para outorga de direitos de exploração de atividades
sujeitas a restrição de acesso. Neste caso, mais próximo àquele que motiva o
presente estudo, o princípio da proporcionalidade se manifestará tanto na
avaliação acerca da necessidade e adequação à restrição de acesso à
exploração de uma dada atividade econômica em sentido amplo (atividade econômica
em regime privado – sentido estrito – ou serviço público), como na ponderação
e moderação dos ônus e condicionantes que se venha a impor ou exigir do
particular como condição de acesso à exploração da atividade.
II.9.3. Sempre que no estabelecimento destas regras ou condições o poder
público (ou o agente incumbido da regulação) extrapole, o ato (concreto ou
geral, abstrato) pecará por ferir o princípio da proporcionalidade, padecendo
de inconstitucionalidade ou ilegalidade. O regulador manejará suas competências
regulatórias em excesso, insista-se, quer editando norma que não observe parâmetros
justificáveis de adequação e necessidade das restrições, quer atuando, em
concreto, sem atenção à devida ponderação entre os ônus impostos ao
regulado e os bônus que, potencialmente, este venha a obter com a observância
das pautas regulatórias.
II.10. Postos estes parâmetros gerais acerca do princípio da
proporcionalidade, cumpre afirmar que a Lei Geral de Telecomunicações
contemplou, como talvez nenhum outro diploma normativo, este princípio na sua
plenitude.
II.10.1. O artigo 38 da Lei nº 9.472/97 expressamente arrolou os princípios
da proporcionalidade e da razoabilidade como condicionantes jurídicas à
atividade da Agência:
“Artigo 38. A atividade da Agência
será juridicamente condicionada pelos princípios da legalidade, celeridade,
finalidade, razoabilidade, proporcionalidade, impessoalidade, igualdade, devido
processo legal, publicidade e moralidade.”
II.10.2. De outra feita, encontramos no artigo 66 da LGT outro reflexo do
princípio da proporcionalidade quando vemos a previsão expressa de que o
regulador deve zelar para que a prestação concomitante de serviços de
telecomunicações nos dois regimes admitidos não se dê de forma a
inviabilizar economicamente sua prestação no regime público.
II.10.3. De outro lado, vale dar especial destaque à regra do artigo 128
que assim dispõe:
“Artigo 128. Ao impor
condicionamentos administrativos ao direito de exploração das diversas
modalidades de serviço no regime privado, sejam eles limites, encargos ou sujeições,
a Agência observará a exigência de mínima intervenção na vida privada,
assegurando que: (...)
V – haverá relação de equilíbrio
entre os deveres impostos às prestadoras e os direitos a elas reconhecidos.”
Creio ser impossível maior vinculação ao princípio da proporcionalidade
(na sua acepção mais estrita, concernente ao subprincípio da
proporcionalidade stricto sensu), do
que o dispositivo acima. Por ele verifica-se que a Anatel, ao definir (em atos
normativos ou atos administrativos concretos) condições, encargos ou sujeições,
haverá que observar a adequada relação entre ônus e bônus, entre deveres
impostos e benefícios auferíveis.
II.10.4. Daí se entender, como eu entendo, que haverá sempre de existir
uma correlação proporcional entre os encargos que o regulador (no caso a
Anatel) impõe ao particular e os
benefícios que este, sujeitando-se à regulação, está a perseguir. Ferido
restará o princípio da proporcionalidade sempre que a atividade regulatória
servir para sobreonerar o particular ou mesmo para lhe atribuir encargos que não
sejam imprescindíveis à consecução do interesse público regulado
(necessidade) ou não guardem relação com o benefício potencialmente granjeável
pelo particular (adequação).
II.11. Um último ponto deve ser tocado. Embora a proporcionalidade já
predique uma nota de objetividade (intrínseca à necessidade e à adequação),
muita vez a observância deste princípio poderá, num exame mais desavisado,
ser vista como afronta ao princípio da isonomia. É que, em cada situação
concreta, os corolários de adequação, necessidade e ponderação poderão se
revelar de forma diversa. Assim, para uma mesma conduta infracional dois
particulares poderão, por força do princípio da proporcionalidade, sofrer
punições diferentes caso, por hipótese, as condições de hipersuficiência
de um sejam distintas das do outro, ou caso o benefício auferido por aquele for
maior do que o obtido por este. Fatores vários, que devam ser considerados em
sede da aplicação do princípio da proporcionalidade, sempre poderão
desigualar os particulares. Porém, antes desta desigualdade importar em afronta
à isonomia, ela será um consectário desta. Afinal, não há melhor homenagem
à isonomia que deferir tratamentos desiguais àqueles que desiguais são, de
modo a concretizar a igualdade.
II.11.1. Quando estas linhas são transpostas para a atividade regulatória,
tal fenômeno se mostra ainda mais patente. É que o manejo das competências
regulatórias envolve, no mais das vezes, equilibrar interesses e arbitrar
hiposuficiências. De outro modo: a atividade regulatória, especialmente em
sede de regulação setorial, envolve muita vez a distribuição de ônus e
encargos entre distintos (e desiguais) regulados. Haverá de se fazer tal
distribuição com observância plena da proporcionalidade e da razoabilidade,
mas ela importará em deferir direitos e obrigações desiguais. Justas e
legais, desde que proporcionais46.
Isso dito, chegamos, finalmente, às sendas do caso concreto.
III. O CASO CONCRETO: A ONEROSIDADE DO USO DE RADIOFREQÜÊNCIA
III.1. O espectro de radiofreqüências é bem público (artigo 157 da LGT)
de titularidade da União. Como tal, admite usos exclusivos ou compartilhados,
havendo quem, não sem certa dose de ingenuidade, professe a necessidade de se
assegurar o uso comum do povo47.
A administração deste bem compete à Anatel. A utilização do espectro (bem
escasso) se sujeitará à disciplina e ao enquadramento regulatório da Agência
(cf. artigo 158 da LGT), restando fixadas já na Lei algumas premissas e
pressupostos para tanto48.
III.2. Dentro desse regime legal posto pela LGT para a utilização, pelos
particulares, do bem público espectro de radiofreqüências para construir
redes de suporte a serviços de interesse restrito ou coletivo que pretendam
explorar ou prestar, encontramos a regra da onerosidade. É o que se vê do
artigo 48 da LGT, segundo o qual a concessão, permissão e autorização para
exploração de serviços e de uso de radiofreqüências será sempre feita a título
oneroso. Duas notas se há de fazer.
III.2.1. A primeira é que o legislador foi sábio ao estipular a regra de
onerosidade, em um mesmo artigo, conjuntamente para as licenças habilitantes da
prestação de serviços (concessão, permissão e autorização) e para a
autorização de uso de radiofreqüência. E fê-lo porque, segundo a própria
LGT (artigo 163, § 1º), não pode haver autorização escoteira para uso
privativo de radiofreqüência, desacompanhada da outorga de concessão, permissão
e autorização para prestação de um serviço. Se é assim, a onerosidade deve
ser conjunta (licença do serviço e mais autorização de uso), sem obrigar à
segregação entre a onerosidade de uma e outra.
III.2.2. Segundo, é que o artigo 47, malgrado obrigar a onerosidade
(conjugada serviço mais bem), não obriga que cada licença seja objeto de exigência
do pagamento de preço público. Claro está, pois, que o mesmo dispositivo que
obriga a onerosidade (“será sempre a título
oneroso”), apenas autoriza “a cobrança do respectivo preço”. Fosse a onerosidade atendida
exclusivamente pelo pagamento do preço público e seria desnecessária a
autorização de cobrança. Na mesma linha, fosse obrigatória a cobrança de
preço a título do ônus indesviável (“sempre
será onerosa”) e não caberia falar em autorização para cobrança, pois
esta seria impositiva.
III.2.3. Como a Lei (e menos ainda um mesmo dispositivo legal) não podem
admitir contradições, o único entendimento possível para a regra do artigo
48 da LGT é que o ônus obrigatório pode ser de outra ordem que não apenas
pecuniário, não só viabilizado pelo pagamento de preço público pelo uso da
radiofreqüência.
III.3. Mais à frente, o artigo 48 define
critérios para definição do ônus obrigatório ao pagamento pelas licenças
em referência. O §1º deste artigo prediz:
“§ 1º. Conforme dispuser a
Agência, o pagamento devido pela concessionária, permissionária ou autorizada
poderá ser feito na forma de quantia certa, em uma ou várias parcelas, ou de
parcelas anuais, sendo seu valor, alternativamente:
I – determinado pela
regulamentação;
II – determinado no edital de
licitação;
III – fixado em função da
proposta vencedora, quando constituir fator de julgamento. (...)”
III.3.1. Temos desse dispositivo que a forma de adimplemento do ônus
devido pelo particular em razão da licença recebida: i) será definida pela Anatel; ii)
poderá se dar numa dentre as formas de parcelamento previstas; iii)
terá seu valor definido pela Agência por uma dentre as alternativas ali
referidas. Voltarei ao dispositivo mais à frente.
III.4. No que concerne ao caso específico da autorização de uso de
radiofreqüências para construção, pelas primeiras autorizatárias do STFC
(as espelho, como a empresa interessada neste estudo), a Anatel houve por bem
estabelecer uma regra especial para a onerosidade do uso do espectro. Exerceu,
assim, a competência que lhe foi atribuída nos termos do artigo 48 da LGT
acima transcrito.
III.4.1. Provavelmente por entender que, no bojo da assimetria regulatória
pela qual se pretendida favorecer o início da competição no STFC – até então
monopólio natural das concessionárias –, as espelho deveriam se utilizar de
freqüências às mancheias para construir sua rede local (suportada na
tecnologia WLL cujo uso lhes era exclusivamente franqueado), a Agência previu49
que o uso das freqüências que fossem necessárias ao atendimento dos ônus
(compromissos de abrangência) impostos à autorizada, teria seu valor já
contemplado no montante dos ônus a serem pagos pelo particular, com vistas à
obtenção da autorização para prestação dos serviços (STFC).
III.4.2. Do texto da Resolução 78, editada com o exato propósito de
permitir aos interessados na prestação do STFC, mediante as primeiras autorizações
editadas (aquelas previstas no PGO para as empresas “espelho”,
às quais, repita-se, fora facultado o uso da tecnologia WLL como diferencial
competitivo), que tomassem conhecimento prévio das regras que viriam a ser
definitivamente editadas mais tarde a respeito do mesmo, constou o seguinte:
“5.3.1. As autorizações de
uso de radiofreqüências serão onerosas, tendo seus valores e formas de
pagamento definidos como a seguir:
I - Para as Autorizadas do STFC
o valor pago pela Autorização de prestação do serviço incluirá o direito
de uso de radiofreqüências das estações licenciadas e em operação até 31
de dezembro de 2001, que sejam necessárias ao cumprimento do Compromisso de
Abrangência, conforme projeto técnico;”
III.4.3. Estas disposições seguiram a mesma linha que constara da Resolução
nº 31, que aprovou as Diretrizes para a Licitação de Autorizações para
Exploração do Serviço Telefônico Fixo Comutado50,
em seus artigos 1051
e 1252.
III.4.4. A regra da Resolução nº 78/98, vale dizer, foi editada quando já
se encontrava vigente o Regulamento de Cobrança de Preço Público pelo Direito
de Uso de Radiofreqüência, aprovado que fora pela Resolução nº 68/98. O
artigo 3º, § 1º, desse Regulamento, previu regra expressa segundo a qual o
nele disposto “não se aplica quando for
explicitamente estabelecido que a determinação do valor pelo direito de uso de
radiofreqüências será feita em conformidade com o disposto nos incisos II,
III e IV do § 1º do artigo 48 da Lei nº 9.472, de 1997”.
III.5. Da interpretação conjugada destas duas disposições
regulamentares, nota-se claramente que o inciso I do item 5.3.1 das Diretrizes
aprovadas pela Resolução nº 78/98 se deu em consonância com a exceção
prevista no artigo 3º, § 1º do Regulamento aprovado pela Resolução nº
68/98, já que fixou regra consentânea com o disposto no artigo 48, III da Lei
Geral de Telecomunicações53.
III.5.1. Vale destacar que, ainda que não se entendesse desta forma, a Lei
de Introdução ao Código Civil - LICCB (Decreto-lei nº 4.657/42) dispõe
sobre o conflito de normas prescrevendo que “A
lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com
ela incompatível ou quando regule
inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.”
III.5.2. Em outras palavras, ou as duas normas são compatibilizadas por
meio da exceção prevista no artigo 3º, § 1º, do Regulamento de Cobrança de
Preço Público pelo Direito de Uso de Radiofreqüência, ou são flagrantemente
incompatíveis. Nesta última hipótese, é forçoso que se reconheça, então,
que a norma posterior (Resolução nº 78/98) prevalece sobre a anterior (Resolução
nº 68/98).
III.6. De qualquer modo, resta claro que, no caso de autorizações para
prestação do STFC, não se aplica o Regulamento de Cobrança de Preço Público
pelo Direito de Uso de Radiofreqüência para as radiofreqüências das estações
licenciadas e em operação até 31 de dezembro de 2001, que sejam necessárias
ao cumprimento do Compromisso de Abrangência.
III.6.1. De outro lado, além de norma posterior, a Resolução nº 78/98
igualmente tem escopo especial, que também prevalece sobre as disposições
gerais da resolução anterior.
III.6.2. Vale destacar que a própria Anatel, igualmente valendo-se do
princípio da especialidade e da regra geral de que norma posterior revoga a
anterior, fez incluir em recentes disposições a respeito da migração das
prestadoras do SMC para o SMP, expressa exceção à regra constante da Resolução
nº 68/98.
III.7. Voltemos ao artigo 48, § 1º da LGT. No item III.3. supra expus que
há autorização legal para que a Anatel defina os critérios de fixação do
valor devido pelo particular em função de outorgas recebidas da Agência
(licenças pela prestação dos serviços ou para uso de freqüências). Se nos
detivermos entre as alternativas contidas nos incisos do dispositivo,
verificaremos que existe uma hierarquia entre os dispositivos, iniciando-se na
previsão geral (determinado na regulamentação, inciso I), passando pelos atos
convocatórios de certames competitivos (editais de licitação, inciso II) e
chegando ao final ou na proposta do licitante vencedor (inciso III) ou nos
termos contratuais, quando fruto de contratação direta por inexigibilidade
(inciso IV).
III.7.1. Dito de outro modo. A Lei prevê uma competência para a Agência
definir os critérios para cobrança pelas outorgas, prescrevendo uma hierarquia
de documentos regulatórios por meio dos quais a Anatel fará exercer estas
competências. Certo deve estar que a disciplina emanada da Anatel em cada um
destes instrumentos haverá de ser harmônica e compatibilizada, numa linha hierárquica
que vai da norma geral (regulamento), para a particular (proposta vencedora ou
termo contratual). Afinal, a ninguém socorreria sustentar que a hipótese do
inciso III (preço fixado pelo valor da proposta vencedora) pode existir sem que
o regulamento específico (inciso I) e o edital da respectiva licitação
(inciso II) assim o prevejam.
III.7.2. Há, portanto, uma hierarquia entre os instrumentos regulatórios
referidos no § 1º do artigo 48 da LGT, devendo a Agência compatibilizar
(dentro das regras de direito) as disposições regulamentares, editalícias e
contratuais a partir de critérios ínsitos à legalidade.
III.8. Em assim sendo, tenho claro que: i) a regra geral é que as autorizações de uso de radiofreqüência
sejam expedidas a título oneroso, com o preço público definido nos termos do
disposto na Resolução nº 68 (Regulamento de cobrança do PPDUR); ii)
para a autorização de uso das radiofreqüências necessárias para que as
empresas espelho cumprissem compromissos de abrangência, a Resolução nº 78
(item 5.3.1.I) definiu regra excepcional, dizendo que o preço pelo uso estaria
subsumido ao preço pago pela autorização para prestação do STFC; iii)
tal hipótese excepcional prevalece à regra geral por força a) do disposto no
artigo 48, §1º, da LGT; b) pela própria exceção constante do artigo 3º, §
1º, da Resolução 68 e c) pelas próprias normas gerais de hermenêutica
constantes da LICCB.
III.9. Mais do que vigente e exigível à luz do sistema jurídico, a regra
excepcional preconizada pela Resolução nº 78/98 tem fundamento e razão,
homenageando plenamente a proporcionalidade e a razoabilidade. A ver.
III.9.1. A regra prevista no item 5.3.1.I. das diretrizes (transcrita no tópico
II.4.2. supra) estabelece, basicamente, que: i) a regra legal da onerosidade do uso de radiofreqüência é
mantida; ii) caso das autorizatárias
do STFC fossem exigidos compromissos de abrangência – portanto, ônus
discrepantes da regra de livre iniciativa – a serem implantados até 31.12.0154,
compreender-se-ia o ônus pelo uso das radiofreqüências necessárias como
subsumido ao valor pago pela autorização para prestação dos serviços55.
III.9.2. Cumpre lembrar que tais Compromissos de Abrangência foram
estabelecidos pela Anatel com supedâneo no
artigo 135 da LGT, cujo teor não deixa margem a dúvidas quanto à sua
excepcionalidade:
“Artigo 135. A Agência poderá,
excepcionalmente, em face de relevantes razões de caráter coletivo,
condicionar a expedição de autorização à aceitação, pelo interessado, de
compromissos de interesse da coletividade.”
III.9.3. O caráter excepcional se justifica pois, sendo os serviços
objeto da autorização prestados em regime privado, valeria a regra de que “a
liberdade será a regra, constituindo exceção as proibições, restrições e
interferências do Poder Público” (artigo 128, I, da LGT).
III.9.4. Subjaz à norma um raciocínio precioso: sendo tais radiofreqüências
necessárias ao atendimento de Compromissos de Abrangência, que constituíram
ônus excepcionais, de interesse coletivo, impostos pela Agência ao autorizatário,
pressupôs acertadamente o Regulamento que tais compromissos não deveriam
onerar o particular para além dos seus próprios custos (v.g., o investimento
necessário a atender a estes compromissos). Já daqui se prenuncia a aderência
à regra de não pagamento de PPDUR aos corolários da proporcionalidade e da
razoabilidade.
III.10. À regra legal da onerosidade do uso das radiofreqüências, a
Anatel exercendo suas competências, estipulou regra especial e temporária não
de gratuidade (ou não onerosidade), mas de subsunção do ônus menor
(pagamento de PPDUR) ao ônus maior (preço pelo serviço e valor dos
investimentos para fazer frente aos compromissos de interesse da coletividade).
E assim agiu a Agência mediante ato normativo infra-legal (Regulamento), o que
traz lá suas conseqüências jurídicas.
IV. A ILEGALIDADE DA REGRA INSERIDA NO EDITAL E NOS TERMOS DE AUTORIZAÇÃO
IV.1. A questão objeto do presente tem por base, como relatado
inicialmente, o fato de que, ao reeditar o edital de licitação para autorizações
de STFC na área correspondente à Região II do PGO (pois a licitação inicial
restara deserta), a Anatel fez incluir no Instrumento Convocatório - que acabou
culminando com a expedição do Termo de Autorização - regra distinta daquela
constante na regulamentação e da que viera contida nos editais que originaram
os Termos de Autorização das espelho nas Regiões I e III.
IV.1.1. Tal disposição tinha o seguinte teor:
“1.1.3.1. O valor pago pelas
Autorizações incluirá o direito de uso de radiofreqüências das estações
licenciadas e em operação até 31 de dezembro de 2001, que sejam necessárias,
conforme projeto técnico, ao cumprimento do Compromisso de Abrangência, de
acordo com a Proposta Técnica apresentada pela Autorizada.
1.1.3.1.1. Caso o valor pago
pelas Autorizações seja inferior ao Preço Público pelo Direito de Uso das
Radiofreqüências referidas em 1.1.3.1, a ser calculado de acordo com o
Regulamento aprovado pela Resolução nº 68, de 20 de novembro de 1998, a
Autorizada deverá pagar a respectiva diferença.”
Nota-se, pois, que o Edital e a Minuta de Contrato discreparam de forma
direta e explícita em relação ao disposto na Resolução nº 78/98.
IV.2. Coloca-se, pois, a questão de se saber se a Anatel podia
desconsiderar disposições por ela mesma editadas em sede regulamentar e dar início
a procedimento licitatório afrontando tais disposições. Impõe-se, na busca
da resposta a esta questão, inicialmente identificar se estaria sendo afligido
o interesse público na hipótese de vir a prevalecer a regra da Resolução nº
78/98. A resposta, parece-me claro, é negativa.
IV.3. Como me esforcei por demonstrar no início do presente trabalho, a
imputação de competências normativas aos órgãos reguladores independentes
antes de desobrigá-los à observância de regras e procedimentos jurídicos,
impõe a submissão do procedimento normativo tanto a aspectos de natureza
estrutural (hierarquia), quanto procedimental56.
Não é porque o mesmo órgão (a Agência) reúne competências normativas e
executivas que poderá manejá-las indistintamente, regulamentando por atos
ablatórios ou outorgando direitos concretamente por atos normativos. Não é
pela concentração de funções regulatórias num mesmo órgão que se permitirá
baralhar competências e desconsiderar ritos e procedimentos distintos.
IV.4. O edital e, conseqüentemente, os Termos de Autorização firmados
pela interessada não foram aprovados --- como ocorreu em outras oportunidades
--- por Resolução do Conselho Diretor. Apenas se editou um Ato (Ato nº 4.368
de 05 de agosto de 1999) pelo qual, reconhecendo deserta a licitação anterior,
decidia reiniciar o certame, em condições mais atrativas aos interessados57.
IV.4.1. Ao inovar a regra de onerosidade excepcional pelo uso de radiofreqüências
para prestação do STFC em regime privado por meio de singelo Ato58,
incorreu-se em duas ordens de ilicitudes. De um lado, feriu-se a necessária
hierarquia entre as normas infra-legais, pois que se pretendeu alterar Resolução
por mero ato administrativo. Segundo, descumpriu-se o devido processo legal que,
no âmbito da Anatel, informa a produção de atos de caráter normativo (Resoluções).
IV.5. Quanto à necessária observância da hierarquia entre as normas
infra – legais, creio já ter me detido no tema nos itens iniciais deste
trabalho. Nunca é demais lembrar que, como ensina Caio TÁCITO, “o poder normativo não se exaure no ato emanado do Poder Legislativo. As
fontes do direito se distribuem, hierarquicamente, em categorias sucessivas, de
que também participa o Executivo. Os atos regulamentares, por meio dos quais o
Poder Executivo, no uso de atribuição própria ou delegada, edita normas jurídicas,
são atos materialmente legislativos, instituindo regras obrigatórias de
conduta, de força análoga à lei propriamente dita. Lei e regulamento são
momentos distintos e inconfundíveis da atividade normativa do Estado. Ambos, no
entanto, são dotados dos mesmos requisitos de generalidade, abstração e
novidade que são próprios à norma de direito.”59
IV.5.1. Não pode o regulador exercer suas competências normativas
(editando atos de abrangência geral e abstrata) sem se servir do instrumento
jurídico apropriado. Não pode inserir disposição normativa no subsistema jurídico
em que opera sem respeitar a devida hierarquia entre os instrumentos de que dispõe.
IV.6. Havendo, como de fato há, contrariedade entre a regra geral prevista
e vigente na Resolução nº 78 (segundo a qual o preço pelo direito de uso das
radiofreqüências estará subsumido ao preço pago pela outorga) e a regra
específica, concreta, contemplada no edital aprovado pelo Ato nº 4.368, só se
pode atribuir validade à regra geral, contida no documento hierarquicamente
superior. Não há, na verdade, sequer conflito de normas pois, no caso, estando
as normas situadas em níveis hierarquicamente inferiores, a regra do edital
mostra-se ilícita60.
IV.7. A questão, porém, não se restringe a uma mera formalidade de
enquadramento hierárquico intra-sistêmico. À primeira vista, poder-se-ia
alimentar alguma dúvida acerca do cabimento de se falar que o órgão
competente tanto para aprovar resoluções (como atos normativos de ordem
geral), quanto pela aprovação de editais licitatórios e respectivas minutas
de contratos, deveria obediência a normas por ele mesmo editadas.
IV.7.1. Ocorre, porém, que o mesmo Conselho Diretor deve obediência a
regras procedimentais distintas no que diz respeito ao exercício de tais competências.
A edição de Resoluções deve observar requisitos procedimentais distintos da
edição de um simples Ato.
IV.8. Do Regulamento da Agência Nacional de Telecomunicações, aprovado
pelo Decreto nº 2.338/97, resta estabelecido, em seus artigos 65 e 67, o
seguinte:
“Artigo 65. Os atos da Agência
deverão ser acompanhados da exposição formal dos motivos que os justifiquem.
(...)
Artigo 67. As minutas de atos
normativos serão submetidas à consulta pública, formalizada por publicação
no Diário Oficial da União, devendo as críticas e sugestões merecer exame e
permanecer à disposição do público na Biblioteca, nos termos do Regimento
Interno.”
IV.9. O primeiro dos artigos, até dispensável (dado que a exigência de
motivação dos atos administrativos decorre dos princípios constitucionais
insertos na Constituição Federal), não permite a edição de quaisquer atos,
sejam eles de caráter individual ou geral, sejam de caráter normativo e
abstrato ou voltados a disciplinar eventos concretos (como um procedimento
licitatório), sem a necessária motivação.
IV.9.1. Neste aspecto, calha destacar que não há elementos suficientes
para se afirmar que tenha sido devidamente motivada a decisão da Anatel de, ao
decidir pela realização de novo certame por não terem acudido interessados às
anteriores, promover a alteração na redação da Cláusula 2.1 (que nas versões
anteriores obedecia ao previsto na Resolução nº 78/98 e na Resolução nº
31/98), de modo a neste particular agravar as condições de outorga. É certo,
no mínimo, que entre os onze considerandos apontados para a edição do Ato nº
4.368/99, nenhum deles fez referência à necessidade de alteração das regras
constantes dos instrumentos anteriores.
IV.9.2. Mais do que isto, até, é de se dar destaque a um dos
considerandos, verbis:
“ATO Nº 4.368, DE 5 DE AGOSTO
DE 1999
CONSIDERANDO as Diretrizes para
Licitação de Autorizações para Exploração do Serviço Telefônico Fixo
Comutado, aprovadas pela Resolução nº 31, da Anatel, de 30 de junho de 1998,
com a nova redação dada pela Resolução nº 50, também da Anatel, de 2 de
setembro de 1998;”
IV.9.3. O mínimo que se pode afirmar diante deste considerando é que o
mesmo é contraditório com o disposto no Instrumento Convocatório nº
001/99/SPB-ANATEL, por ele aprovado, já que, como já visto, a Resolução nº
31/98, em seus artigos 10 e 12 é contrariada pelo disposto na cláusula 2.1 da
minuta de contrato anexa ao Edital.
IV.9.4. Assim, se alguma motivação foi dada ao novo edital pelos setores
técnicos da Anatel, como a Superintendência de Serviços Públicos, ela não
integrou o Ato aprovado pelo Conselho Diretor.
IV.10. Mais grave, porém, me parece a desatenção à regra procedimental
prevista no segundo dispositivo citado. Ali se vê consagrada a garantia de
intervenção e interferência dos administrados em geral no processo
deliberativo do órgão regulador.
IV.10.1. Trata-se de medidas que, ainda que não viessem a ser consideradas
passíveis de gerar vício insanável nos atos praticados sem observá-las, ao
menos conferem aos atos regularmente editados, ou seja, submetidos a prévia
consulta pública, atributo de maior força.
IV.10.2. A submissão da autoridade a quem se delega competências
normativas a um procedimento próprio, ainda mais com a participação do
administrado, nada mais é do que uma forma de controle contra o excesso no
exercício dessa competência61.
Como afirma Inácio Guitierréz62,
“entre las fórmulas adicionales de
control que puede establecer cada Ley delegante está la intervención en el
procedimiento de elaboración de la legislación delegada de una Comisión
parlamentaria, o la de órganos administrativos especializados e independientes.
También puede ser exigida la intervención de los afectados.”
IV.10.4. Relevante, pois, a circunstância de que tanto a Resolução nº
31/98, que se fez preceder do processo de Consulta Pública de nº 41/9863,
quanto a Resolução nº 78/98, precedida da Consulta Pública de nº 68/9864,
cumpriram a regra do artigo 67 do Regulamento da Anatel. Por isso é que podem
ser consideradas normas de hierarquia superior ao ato de efeitos concretos
(ainda que dotado de certo caráter normativo, mas de alcance específico,
limitado a um certame licitatório) que se consubstanciou na aprovação do
Instrumento Convocatório nº 001/99/SPB-ANATEL.
IV.10.5. Acrescento, ainda, que fora submetida a processo de consulta pública
regular, a CP nº 54/98, a Proposta de Edital de Licitação de Autorizações
para Exploração do Serviço Telefônico Fixo Comutado, que veio a gerar o
certame regulado pelo Edital de Concorrência nº 001/1998/SPB/Anatel.
Novamente, o que vemos, é que as regras deste certame se punham em perfeita
harmonia com o que dispunha a Resolução nº 31/98.
IV.11. Vê-se, pois, que todas as normas de caráter abstrato editadas na
linha do que consta do inciso I do item 5.3 das Diretrizes, aprovadas pela
Resolução nº 78/98 da Anatel, obedeceram ao disposto no artigo 67 do
Regulamento da Agência. O edital, que apesar do seu caráter normativo, tem
inequívoco alcance restrito e efeitos concretos limitados a um certame, não
foi precedido da providência que não é apenas uma formalidade, mas uma forma
de efetiva garantia de controle dos atos administrativos65.
Lembremos que a LGT (artigo 42) obriga que todo ato normativo da Agência (não
só a Resolução, ato normativo geral e abstrato, hierarquicamente superior)
seja submetido à consulta pública.
IV.11.1. Segue daí que o órgão regulador, como visto acima, ao editar
regulamentos, institui verdadeira auto-imposição de limitações para a prática
de atos futuros. E o desrespeito a essa regra auto-limitante implica em
ilegalidade do ato violador.
IV.12. Assim, este conjunto de premissas nos leva a concluir que,
efetivamente, na contradição entre as disposições constantes do Instrumento
Convocatório nº 01/99 e as regras estabelecidas nas Resoluções nº 31/98 e nº
78/98, há de prevalecer a incidência das últimas, sob pena de inequívoca
quebra da hierarquia das normas e negativa de vigência do artigo 67 do
Regulamento da Anatel, aprovado pelo Decreto nº 2.338/97.
IV.12.1. Dito de outro modo, a regra contida no § 2º da Cláusula 2.1.
dos Termos de Autorização, se entendida como discrepante ou excepcional, em
face da regra geral constante das Resoluções acima indicadas, seria ilícita
pois: i) contraria norma
hierarquicamente superior, ferindo a estrutura do subsistema jurídico (direito
das telecomunicações); ii) teria
ferido o devido processo legal por ter sido editada, no âmbito do Ato nº
4.368, mediante motivação contraditória (artigo 40 da LGT), irrazoável até
(artigo 38, caput, da LGT); iii) mais grave, teria ferido o devido processo legal por se
pretender ato normativo geral sem observância das formalidades legais (artigo
38 da LGT e artigo 5º, LV, da Constituição Federal); iv) não teria cumprido a regra de realização prévia de Consulta
Pública (artigo 42 da LGT), pois em sua nova redação (integrada pela polêmica
disposição) o edital e os Termos de Autorização não foram submetidos a essa
etapa de participação do administrado.
V. A EXIGÊNCIA DA ANATEL EM FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE: NOVA
AFRONTA LEGAL
V.1. Das linhas acima já restaria caracterizada a impossibilidade da exigência
pela Anatel de PPDUR pelo valor da diferença entre preços da outorga e preço
mínimo em razão do uso das radiofreqüências. Porém, não são apenas
argumentos formais ou procedimentais que ensejam essa impossibilidade jurídica.
Bem analisada a questão, verificamos que a exigência posta pela Anatel
caracteriza frontal e irreversível violação ao princípio da
proporcionalidade. Tendo eu já assentado os contornos jurídicos do princípio,
creio ser possível expor meu entendimento sem mais volteios.
V.2. Da forma como foram concebidos os editais para as autorizações de
STFC para as “empresas espelho”,
era interesse da Anatel induzir que as autorizatárias, malgrado prestar o serviço
em regime privado, se comprometessem com a ampliação da oferta de acessos
telefônicos à população ainda não atendida por essa comodidade. Destarte,
havia no edital um forte impulso para que a autorizatária assumisse os maiores
compromissos de abrangência possível, investindo não apenas para buscar as
fatias mais interessantes do mercado, mas também para atender parcelas até então
excluídas do serviço.
V.2.1. É óbvio que para implementar estes compromissos, a prestadora
necessitaria dispor de mais radiofreqüências. Por óbvio, fosse-lhe franqueado
explorar apenas as áreas mais densas populacional e economicamente, e
certamente: a) o valor pago pela
outorga seria maior; b) as localidades
atendidas (e por conseqüência, as radiofreqüências utilizadas) seriam mais tímidas.
V.2.2. É fato que a Anatel - dando especial ênfase aos compromissos de
abrangência - fixou obrigações para as autorizadas do STFC que fugiam em
parte da exigência da mínima intervenção. De outro lado, reconhecendo que,
além dos compromissos obrigatórios, seria do interesse público que os mesmos
fossem ampliados na medida em que incrementariam a competição no setor,
estabeleceu que o critério de julgamento das propostas nas licitações
atendesse aos objetivos de técnica e preço, com grande prevalência para a
proposta técnica, ditado pelos compromissos de abrangência.
V.2.3. Daí o paradoxo que a
Resolução nº 78 superou perfeitamente: quanto mais compromissos de interesse
coletivo (lembremos, excepcionais na dicção do artigo 135 da LGT) o autorizatário
se dispusesse a atender, de maior quantidade de “bens públicos” ele precisaria se utilizar; conseqüentemente, em
tese, maior valor de PPDUR teria a pagar. Por isso mesmo é que se desonerava
deste pagamento a autorizatário naquilo que referente: i) às radiofreqüências necessárias ao cumprimento destes
compromissos; e ii) que fossem postas
a operar logo no primeiro período, até 31.12.01).
V.3. A regra contida na Resolução nº 78 põe-se absolutamente de acordo
com o princípio da proporcionalidade. Se maiores os ônus de atendimento ao
interesse da coletividade, maior o benefício de isenção do pagamento de
PPDUR. Quanto maior o investimento voltado ao interesse coletivo, menor o ônus
pela utilização de bem público.
V.3.1. Os condicionamentos deverão
ter vínculos, tanto de necessidade como de adequação com finalidades públicas
específicas e relevantes. Tal
locução não foi extraída de um excerto doutrinário. É regra presente na
LGT (artigo 128, III). Na medida em que os editais de licitação fomentaram o
engrandecimento dos compromissos de interesse da coletividade, colocar-se-ia
como desproporcional, de parte da Anatel, agravar o ônus de tais compromissos,
auferindo receitas pelo uso de bem público que, muito provavelmente, o
particular não se utilizaria para buscar seus interesses exclusivamente
privados.
V.4. A exigência de pagamento de PPDUR no valor da diferença entre o preço
da licença e o preço pelo uso consegue, pois, ferir o princípio da
proporcionalidade nas suas três dimensões.
V.4.1. Fere no sentido da necessidade, se a razão de ser da exigência era
impedir que a autorizatária tivesse franqueado o uso de radiofreqüências, a título
gratuito, na hipótese do preço pago pela licença ser inferior ao PPDUR (pois
que o novo edital havia rebaixado o preço mínimo da licença de modo a atrair
interessados à licitação, doutra feita deserta). Isso porque tal raciocínio
padece de um equívoco. O ônus pela licença não corresponder apenas ao preço
mínimo pago. Ele alcança montante muito superior, pois se há de computar, no
ônus, todo o montante de investimento ao qual, por força do edital, a
autorizada se obrigou a fazer.
V.4.1.1. Não é outro o entendimento do E. Tribunal de Contas da União.
Como bem apontado no Recurso apresentado pela empresa interessada e que me foi
franqueado, o TCU, na Decisão nº 433/12002 TCU - Plenário (TC
005.056/1998-5), deixou consignado, pelo Voto do Ministro Benjamin Zymler:
“Como se vê, muito embora os
Cofres Públicos tenham arrecadado menos do que o inicialmente ofertado, a
Sociedade Brasileira como um todo beneficiou-se com o maior número de acessos a
serem disponibilizados, como, também, pelo incremento de maior número de
postos de trabalho, em face da expressiva elevação dos investimentos
programados.”
V.4.1.2. Deveras, o ônus pago pela interessada foi de ordem muito superior
ao preço pago pela licença. Como informado naquele recurso, se na primeira
licitação (deserta) o valor mínimo de investimento alcançaria algo em torno
de R$ 94 milhões, o valor estimado para o investimento pela empresa (em função
do número de acessos que houve de instalar) alça mais de R$ 800 milhões.
V.4.1.3. Portanto, não há qualquer necessidade de se impor este
sobreonus, na medida em que o valor a ser despendido para cumprir compromissos
de interesse da coletividade, é muito superior ao valor pago pela licença e
mesmo do valor calculado para uso das radiofreqüências.
V.4.2. Igualmente resta ferido o princípio da proporcionalidade pelo lado
da adequação. Ao exigir pagamento suplementar do PPDUR, a Agência acabou por
criar um encargo diretamente desproporcional justamente por ter a Autorizada
assumido maiores compromissos de abrangência.
V.4.2.1. Ora, tais compromissos (de interesse da coletividade) nada mais são
do que metas de universalização inseridas na exploração de serviços
prestados em regime privado. Portanto, põe-se absolutamente inadequado ao
regime regulatório, por onerar o próprio cumprimento destas “metas
de universalização”. Tanto é assim que, como demonstrei acima, os
contratos de concessão do STFC franquearam às concessionárias a utilização
gratuita (sem qualquer ônus) das radiofreqüências que já estivessem, ao
tempo da outorga, sendo utilizadas para prestação do serviço em regime público.
V.4.2.2. A inadequação se mostra ainda por um outro raciocínio. Tivesse
a autorizada comparecido à primeira licitação e teria obtido a licença
pagando o preço mínimo (lembremos, a licitação resultou deserta) e tendo de
assumir compromissos de abrangência muito mais singelos. Pagaria por isso R$ 2
milhões e nada mais haveria de desembolsar a título de PPDUR. Ao ganhar a
segunda rodada da licitação, assumindo investimentos muito mais vultosos,
estaria a ter de desembolsar R$ 10 milhões (preço aproximado do que se quer
dela agora cobrar a título de PPDUR). Ou seja, por se dispor a uma maior
universalização, teria que pagar preço público cinco vezes maior que o preço
mínimo previsto na licitação que resultou deserta de interessados.
V.4.3. Por fim, fere-se a proporcionalidade em sentido estrito, como sinônimo
de equivalência justa. Afinal, está se agravando a empresa interessada muito
além do que é necessário à vista da finalidade da regra que obriga a
onerosidade do bem público radiofreqüência. Está ela sendo onerada
justamente por assumir maiores compromissos de interesse da coletividade.
V.5. Voltamos à LGT. O artigo 128, já transcrito obriga que a Agência,
ao impor condicionamentos administrativos à exploração de serviços em regime
privado, ela deverá assegurar que “os
condicionamentos tenham vínculos de necessidade e adequação.” (inciso
III).
V.5.1. Mais ainda, diz a Lei que “o
proveito coletivo gerado pelo condicionamento deverá ser proporcional à privação
que ele impuser” (artigo 128, inciso IV), o que, reconheçamos, está
sendo absolutamente desconsiderado ao se exigir o PPDUR complementar lastreado
na quantidade de radiofreqüências utilizada justamente para atender os
compromissos de interesse coletivo (condicionantes para obtenção da autorização
em apreço).
V.5.2. Por fim, neste mesmo artigo 128 (inciso V) vemos que a Agência
deverá assegurar que haja “relação de
equilíbrio entre os deveres impostos às prestadoras e os direitos a elas
reconhecidos”. Ora, o direito nuclear reconhecido à interessada é o de
explorar o STFC em regime privado. Não se pode dizer que a cobertura das regiões
compreendidas nos seus compromissos de abrangência constituíam o núcleo do
direito por ela perseguido. Onerar o que já é ônus é a mais crassa violação
do princípio da proporcionalidade de que se pode cogitar.
V.6. Assim postas as coisas, parece-me fora de dúvidas que a exigência de
pagamento do PPDUR complementar de que se cogita, fere o princípio da
proporcionalidade que vincula a atuação da Agência (além do artigo 128,
viola o artigo 38 da LGT). Se assim é, põe tal exigência como ilegal,
independente de estar ou não inscrita no edital ou no termo de autorização.
V.6.1. Ainda que não se considere a exigência como ilegal, o princípio
da proporcionalidade como acima exposto, há de servir como critério de
interpretação do Termo de Autorização, de modo a dar uma exegese mais lassa
à expressão “valor pago pelas Autorizações”,
de modo a contemplar neste valor não apenas o singelo preço público pelas
outorgas mas, como fez o TCU, compreender neste valor todo o montante de
investimento comprometido pela empresa.
VI. DA ISONOMIA, DA VINCULAÇÃO AO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO E DO “PACTA
SUNT SERVANDA”
VI.1. Uma última linha de considerações é necessária. Cuida-se de
afastar a argumentação de que a Agência não poderia acatar a tese da
inexigibilidade do PPDUR pelo fato de que, ao ter inserido essa exigência em
edital de licitação e, após, no texto dos Termos de Autorização, inexigir
tal pagamento poderia ferir o princípio da vinculação ao instrumento convocatório,
a isonomia e o preceito geral de direito obrigacional que obriga as partes a
estarem vinculadas ao que foi pactuado.
VI.2. Tal preocupação não me assola. Antes de mais nada, por entender
que a exigência se mostra ilegal por infringir vários dispositivos de lei e
por não atender nem os preceitos norteadores da atividade normativa da agência,
nem o princípio da proporcionalidade. Sendo disposição ilegal, ela é nula e
como tal não pode vincular nem em termo de edital, nem como dispositivo
contratual. Simplesmente não tem validade e, portanto, não é eficaz (não
vincula ninguém).
VI.3. Ainda que assim não fosse, os preceitos acima apontados estariam
afastados pelo simples fato de que, como sustentei, o princípio da
proporcionalidade como pauta hermenêutica permite que se interprete o
dispositivo em tela de forma a, como é correto, compreender dentro do “valor
pago” não só o preço pela licença mas também o investimento imputado
à interessada. Se assim for, tampouco se coloca a inexigibilidade em confronto
com os três princípios indicados.
VI.4. Mesmo que assim não fosse, cada um dos três princípios pode ser
afastado por si só. A vinculação ao instrumento convocatório não se coloca
pois, antes de se pelejar pela vinculação ao edital, este ato convocatório é
que há de estar vinculado pela estrutura normativa do setor de telecomunicações.
Ao discrepar, como visto, a regra do edital das normas de caráter geral da Agência,
resta invalidada a disposição como vinculante vez que, no confronto,
prevalecem as regras da Resolução (esta submetida ao devido processo legal em
sua plenitude).
VI.4.1. Também o princípio da isonomia não se coloca. Primeiro, porque
como acima demonstrei, o cumprimento do princípio da proporcionalidade sempre
predicará algum tratamento desigual para equilibrar ônus e bônus. Depois,
porque o próprio fato de ter resultado deserta a primeira licitação (em que a
regra do PPDUR complementar não se punha) já afasta a possibilidade de tal
alegação por outros interessados afastados pela regra desproporcional em
testilhas.
VI.4.2. Por fim, o “pacta sunt
servanda” não é aplicável pelo simples fato de que o Termo de Autorização
se reveste das características de um contrato administrativo, em sede do qual a
autonomia da vontade cede lugar para a concretização do interesse público,
neste caso residente na necessidade de se homenagear o princípio da
proporcionalidade.
VII. CONCLUSÃO E RESPOSTA AOS
QUESITOS
VII.1. É chegada a hora de concluir. Espero ter demonstrado que a exigência
contida no § 3º da Cláusula 2.1. dos Termos de Autorização firmados pela
empresa interessada desveste-se de exigibilidade. Tal dispositivo, de um lado, não
se reveste dos requisitos normativos e procedimentais necessários para ser válido
e, de outro, se interpretado como a Anatel parece agora fazer, restaria
completamente afrontante ao princípio da proporcionalidade, ao qual a Agência
está estritamente vinculada. Em assim sendo, põe-se tal dispositivo
absolutamente ilegal. Ilegal que é, não pode ser exigido. Passo, portanto, a
responder aos quesitos que me foram formulados:
A.
QUAL O REGIME JURÍDICO APLICÁVEL AO PAGAMENTO DO PREÇO PÚBLICO PELO DIREITO
DE USO DE RADIOFREQÜÊNCIAS PARA AS AUTORIZADAS DO STFC (“EMPRESAS
ESPELHO”) ?
Aplica-se o regime jurídico previsto na Resolução nº 78/98.
Em princípio, o regime jurídico é determinado pelo Regulamento de Cobrança
de Preço Público pelo Direito de Uso do Espectro de Radiofreqüências (Resolução
nº 68/98). No entanto, para a autorização de uso das radiofreqüências
necessárias para que as empresas espelho cumprissem seus compromissos de abrangência,
as Resoluções nº 31/98 e nº 78/98 definiram regra excepcional, que
estabelece que o PPDUR está subsumido ao preço pago pela autorização para a
prestação do STFC. Trata-se de norma posterior e específica, que prevalece
sobre a primeira seja por ser uma exceção à regra geral, seja ainda por ser
uma derrogação específica dessa norma. A exceção justifica-se em razão dos
pesados compromissos de universalização assumidos pela Autorizadas, em obediência
aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade da atuação da ANATEL.
Além disso, a norma específica da Resolução nº 78 lastreia-se na
hierarquia de instrumentos disposta no artigo 48, § 1º da LGT e na própria
disposição constante do artigo 3º, § 1º, da Resolução nº 68/98.
Na qualidade de Autorizada do STFC, a empresa ficará sujeita, portanto, às
normas dispostas na Resolução nº 78/98 e, somente naquilo que não conflitar
com essa, às regras gerais dispostas no Regulamento do PPDUR.
B. É
LÍCITA A NORMA CONSTANTE DO EDITAL DE LICITAÇÃO E DO TERMO DE AUTORIZAÇÃO
QUE FIXA NORMA DISTINTA DO DISPOSTO EM RESOLUÇÃO DA ANATEL NO QUE CONCERNE AO
PAGAMENTO DO PPDUR ?
Não. Ao exercer sua competência, a ANATEL deve observar as regras e
procedimentos jurídicos que pautam sua atuação. Não pode pretender regular
por meio de instrumentos inidôneos ou sem a observação do procedimento
legalmente previsto.
No caso, a previsão de regra, no edital ou no Termo de Autorização,
distinta das regras existentes nas Resoluções da ANATEL i) contrariou norma
hierarquicamente superior, ii) feriu o devido processo legal por ser editada
mediante motivação contraditória e mesmo irrazoável; iii) não observou as
formalidades legais exigidas para a edição de ato normativo geral; e iv) não
cumpriu a regra de realização prévia de Consulta Pública.
Seja pela desobediência procedimental, seja pela desobediência hierárquica,
seja ainda por contradizer aos fins a que se destinava, a regra constante do
edital e do Termo de Autorização põe-se ilícita.
C. É
JURIDICAMENTE EXIGÍVEL A COBRANÇA DO PREÇO PÚBLICO PELO USO DE RADIOFREQÜÊNCIA
COMO PRETENDE A AGÊNCIA ?
Não. A cobrança pretendida pela Agência funda-se em dispositivo
contratual inaplicável, por contrariar o regime regulamentar incidente seja por
desconsiderar o regime específico ditado pela Resolução nº 78/98, seja pelos
vícios de forma e conteúdo apontados anteriormente.
Além disso, a exigência afronta ainda o princípio da proporcionalidade,
em razão dos compromissos de universalização e expansão assumidos pela
Autorizada. É desnecessária e inadequada aos fins almejados pelo regulador; é
desproporcional aos encargos cometidos à Consulente.
Por esses motivos, além de injusta, a cobrança do preço público pelo
uso de radiofreqüência como pretende a Agência não é juridicamente exigível.
D. EM
CASO NEGATIVO, O NÃO PAGAMENTO SERIA CONTRÁRIO AO ARTIGO 48 DA LGT, QUE PREVÊ
A NECESSÁRIA ONEROSIDADE DA OUTORGA DO USO DE RADIOFREQÜÊNCIA ?
Não. A onerosidade prevista no artigo 48 deve ser entendida de maneira
ampla. A Lei obriga a onerosidade, mas tão somente autoriza a cobrança de preço
pelo uso de radiofreqüência. Assim, a Lei admite que o ônus obrigatório pelo
uso de radiofreqüência possa ser de outra ordem que não apenas pecuniário.
No caso, o ônus decorre das metas de universalização impostas à Autorizada.
Ainda nesse sentido, as Resoluções nº 31/98 e nº 78/98 da ANATEL dispõem
expressamente que o valor pago pelas Autorizadas do STFC incluirá o direito de
uso de radiofreqüências.
E.
AINDA NESSE CASO, A NÃO EXIGIBILIDADE DE TAL PAGAMENTO FERIRIA A ALGUM PRINCÍPIO
REGENTE DA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA ?
Não. A dispensa de cobrança do PPDUR não contraria qualquer dos princípios
que norteiam a atividade administrativa. Não contraria o princípio da vinculação
ao instrumento do edital pois é nula, e como tal não pode vincular a ninguém.
Não contraria ao princípio da isonomia porque trata-se de equilibrar ônus e bônus
específicos a cada um dos prestadores (trata-se, em suma, de tratar
desigualmente os desiguais). Finalmente, não viola o princípio de “pacta
sunt servanda” pelo simples fato de que a autorização se reveste de características
de contrato administrativo, prevalecendo o interesse público sobre a autonomia
das vontades e, sobretudo, a submissão ao arcabouço jurídico validamente
incidente sobre a matéria.
1 Neste sentido, referência obrigatória é o trabalho de
Almiro COUTO E SILVA, “Importação
de Bens Usados – Proibição – Regulamento Autônomo”, in RDA 205,
páginas 305 a 315.
2 Hely Lopes MEIRELLES esposava a tese de admissibilidade dos
regulamentos autônomos quando afirma, em seu clássico manual que “Regulamento
é ato administrativo geral e normativo, expedido privativamente pelo Chefe
do Executivo (federal, estadual ou municipal), através de decreto, com o
fim de explicar o modo e forma de execução da lei (regulamento de execução)
ou prover situações não disciplinadas em lei (regulamento autônomo ou
independente)”. (cf. “Direito Administrativo Brasileiro”, 23ª edição, página
113).
3 Cf. “Princípios
Gerais de Direito Administrativo”, Forense, 1979, página 354. Não
obstante esse entendimento, o célebre administrativista expõe com clareza
a noção de regulamento independente ou autônomo no direito comparado,
asseverando que “o regulamento
praeter legem e mesmo contra legem, só se admite com referência aos
independentes ou autônomos, que correspondem à atividade legislativa primária
do Executivo, ou com referência aos autorizados ou delegados se
eqüivalerem às ordenanças delegadas, nos países em que o Legislativo tem
a possibilidade de delegar essa atribuição.” (op. cit., página 359).
4 A esse respeito ver Diogo Figueiredo MOREIRA NETO,
“Natureza Jurídica – Competência Normativa – Limites de Atuação”,
in Revista de Direito Administrativo, volume 215, páginas 71 a 83.
5 Acerca deste processo relacionado à moderna atividade
regulatória, é indesviável freqüentar o erudito e lúcido texto de
Alexandre Santos de ARAGÃO, “O
Poder Normativo das Agências Reguladoras Independentes e o Estado Democrático
de Direito”, in Revista de Informação Legislativa, volume 148, páginas
275 a 299. Diz: “O pluralismo e
complexidade da sociedade, agregados ao número cada vez maior de atividades
dotadas de grandes particularidades técnicas a serem, se não prestadas
diretamente pelo Estado, por ele regulados, inviabilizou o ideal liberal
oitocentista, racional e formalmente igualitário, de um ordenamento monocêntrico
uniforme que, concebido de maneira inteiramente geral e abstrata, abrangesse
todas as atividades e atores sociais sem levar em conta as suas
particularidades. Inicialmente, a complexidade social levou o legislador a
elaborar regulamentações especiais destinadas a determinados setores da
sociedade ou certas relações jurídicas (...) [Posteriormente] tornou-se,
então, imperioso, não apenas a especialização das matérias a serem
reguladas, como também [a especialização]
dos órgãos incumbidos da expedição das respectivas normas, que, em
virtude dos seus amplos poderes, deveriam, para exercê-los satisfatoriamente e com observância
dos cânones do Estado de Direito, estar, na medida do possível, livres das
injunções políticas parciais.”
(páginas 283 e 284).
6 Para uma crítica a cada uma destas justificativas e para
uma análise contemporânea da questão à luz do contexto das Agências
reguladoras ver, por todos, Marçal JUSTEN FILHO, “O
Direito das Agências Reguladoras Independentes”,
Dialética, 2002, páginas 483 e seguintes. Assevera o dileto
administrativista: “As agências não
são dotadas de atribuições equivalentes àquelas reservadas
constitucionalmente para o Poder Legislativo. A ordem constitucional
brasileira continua a fundar-se sobre um
postulado fundamental e basilar, que é o princípio da legalidade. A
determinação constitucional de que ninguém é obrigado a fazer ou deixar
de fazer algo senão em virtude de lei não pode ser afastada ou ignorada
pelo aplicador do Direito. Portanto e antes de tudo, não existe sequer
cabimento de discutir a conveniência
nem a necessidade de reservar certas competências legiferantes para as agências.”
(página 504).
7 Aliás a vinculação do termo “lei” no artigo 5º à lei formal, ou seja, apenas aquela editada
pelo Parlamento, poderia servir para amesquinhar, reduzir, a amplitude de
direitos e garantias constitucionais. Pegue-se, por exemplo, o princípio da
estabilização das relações jurídicas (artigo 5º, XXXVI), que reafirma
a impossibilidade da lei afetar o direito adquirido e o ato jurídico
perfeito. É certo que a incolumidade das relações jurídicas consolidadas
se dá também em face de outras normas (constitucionais ou regulamentares).
Do mesmo modo, tome-se o princípio da inafastabilidade da jurisdição
(artigo 5º, XXXV). É certo que não é apenas a lei em sentido estrito que
não pode afastar a apreciação do Poder Judiciário. Mesmo a norma
infra-legal, ainda que expedida apenas para concretizar mandamento
legislado, tampouco poderá fazê-lo. Disso extraio um forte indicativo de
que o princípio da legalidade deve ser entendido dentro de uma acepção
mais ampla, correspondente ao sistema jurídico como um todo, e não apenas
à lei no sentido formal.
8 Diz o autor que “Muito
mais proveitoso é investigar a amplitude normativa reconhecível aos
regulamentos. Em última análise, a controvérsia versa sobre a aptidão
dos regulamentos para inovar a ordem jurídica” (op. cit., página
510).
9 A propósito, com a alteração perpetrada pela Emenda
Constitucional nº 32 no inciso VI do artigo 84 (subtraindo dele a locução
“nos termos da lei” que ali
existia a limitar a prerrogativa presidencial de dispor,
autonomamente e por decreto da organização administrativa, tornou-se
aquele dispositivo albergue de típica autorização para editar regulamento
autônomo. Mas não entrarei nesta discussão agora.
10 Nenhum sentido teria da legitimidade para propor Ação
Direta de Inconstitucionalidade à Mesa das duas casas do Congresso Nacional
quando a sustação do ato normativo pode ser deliberada pelo Congresso
mediante simples Decreto legislativo.
11 Cf.
op. cit., página 513.
12 A se tomar a acepção que parte significativa da doutrina
dá à locução constitucional “para
sua fiel execução” que fecha o inciso IV do artigo 84 -- ou seja, de
que tal construção reforçaria a tese de que só cabe regulamento para,
nos estritos lindes da lei, concretizar seus preceitos sem margem alguma de
inovação normativa --, então teríamos que concluir que tal caráter
pauperizado do poder regulamentar é reservado apenas ao Presidente da República,
correspondendo aos demais entes integrantes do Poder Executivo prerrogativas
normativas menos estreitas. Tal constatação faço apenas como instigação
à reflexão mais despreendida por parte da doutrina.
13 Ver meus trabalhos “Independência
e Autonomia da Agência Nacional de Telecomunicações: Imperativo Legal
Constitucional”, in
Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, RT, volume 28, ano
7, julho a setembro de 1999, páginas 128 a 136” e “A
Nova Regulação Estatal e as Agências Independentes”, in “Direito
Administrativo Econômico”, em co-autoria, sob coordenação de Carlos
Ari SUNDFELD, Malheiros Editora, 2000, páginas 72 a 98.
14 De resto, neste quadrante, não me parece muito questionável
a possibilidade das autarquias especiais exercerem poderes normativos, mesmo
para vincular terceiros. É o que ocorre de há muito no âmbito das
Universidades Públicas (também autarquias de regime especial) que exercem
prerrogativas regulamentares adstringentes de alunos, pesquisadores e outros
particulares que com ela travem relação negocial, funcional ou mesmo
meramente acadêmica.
15 Malgrado a resistência daquela Corte em exercer o controle
concentrado de constitucionalidade de atos normativos infra-legais.
16 Cf. Bilac PINTO, “Regulamentação
Efetiva dos Serviços de Utilidade Pública”, 2ª edição, revista e
atualizada por Alexandre dos Santos Aragão, 2002, página 133.
17 Santiago Muñoz MACHADO, “Servicio Público y Mercado”, cit., páginas 290 e 291.
18 Cf. “Poder
Normativo das Agências”, cit., página 284.
19 “A Nova Regulação Estatal e as Agências Independentes”, in “Direito
Administrativo Econômico”, em co-autoria, sob coordenação de Carlos
Ari SUNDFELD, Malheiros Editora, 2000, página 83.
20 Alexandre Santos de ARAGÃO, “As Agências Reguladoras Independentes e a Separação de Poderes –
Uma Contribuição da Teoria dos Ordenamentos Setoriais”, in Revista
dos Tribunais, volume 786, página 26.
21 Escrevi: “O segundo
toca à necessidade primacial de procedimentalização da atividade do órgão
regulador como mecanismo apto, de um lado, a evitar a arbitrariedade no
exercício da atividade regulatória e, de outro, a apresentar claramente
aos cidadãos os meios, métodos e fluxos pelos quais seus interesses são
sopesados, compostos, privilegiados ou relativizados.” (ver meu “Regulação Estatal e Interesses Públicos”, São Paulo,
Malheiros, 2002, página 209).
22 Decreto nº 2.338 de 07 de outubro de 1997, alterado pelo
Decreto nº 2.853 de 02 de dezembro de 1998.
23 Na sempre pertinente construção de Ruy Cirne LIMA: “Estão
os negócios públicos vinculados, por essa forma, não ao arbítrio do
Executivo, mas à finalidade impessoal, no caso, pública, que este deve
procurar realizar. (...) Preside, destarte, ao desenvolvimento da atividade
administrativa do Poder Executivo, não o arbítrio que se funda na força,
mas a necessidade que decorre da racional persecução de um fim”. (in
“Princípios de Direito
Administrativo”, Editora Globo, Porto Alegre, 2ª edição, 1939, página
21).
24 Nos dizeres de Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO, o princípio
da finalidade “impõe que o
administrador, ao manejar competências postas a seu cargo, atue com
rigorosa obediência à finalidade de cada qual” (“Curso
de Direito Administrativo”, São Paulo, Malheiros, 13ª edição, página
78).
25 “A instituição da
dimensão material do princípio não é nova como atrás se acentuou. Já
nos séculos XVIII e XIX, ela está presente na idéia britânica de
reasonableness, no conceito prussiano de Verhältnismässigkeit, na figura
de détournement du pouvoir em França e na categoria italiana do eccesso di
potere.” (in “Direito
Constitucional”, Coimbra, Almedina, 5ª edição, página 268).
26 In “Direito
Constitucional”, página 266.
27 Ver neste sentido Suzana de Toledo BARROS, “O
Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis
Restritivas de Direitos”, Brasília, Brasília Jurídica, 1996.
28 Ver Gilmar Ferreira MENDES, “Controle de Constitucionalidade: Aspectos Jurídicos e Políticos”,
São Paulo, Saraiva, 1990, página 43.
29 Neste sentido, vale colacionar a jurisprudência de nossa
Suprema Corte: “As intervenções
legislativas não podem gerar conseqüências desproporcionais àquelas
exigidas para a realização dos fins propostos, nem resultarem
demasiadamente onerosas sob uma equação de custo-benefício mais ampla.
Assim, a exclusão do valor-limite das mensalidades escolares dos valores
adicionados às mensalidades de 1995, que estivessem sob questionamentos
administrativos ou judiciais, não era razoável e ofendia ao devido
processo legal substantivo, pois importava que a impugnação feita por um
ou alguns estudantes pudesse inviabilizar a inclusão da parcela
controvertida no valor das mensalidades de todos os alunos de uma
determinada instituição de ensino.”, Ministro Marco Aurélio de
MELLO como Relator, in RTJ, volume 173, tomo 2, página 424.
30 Para um aprofundamento sobre a evolução do princípio da
proporcionalidade, sob o prisma da razoabilidade e do devido processo legal
substantivo, no direito americano ver o percuciente estudo de Daniel
SARMENTO, “A Ponderação de
Interesses na Constituição Federal”, Rio de Janeiro, Lumen Júris,
2002, páginas 81 a 87.
31 Op.
cit., página 267.
32 Daniel SARMENTO, op. cit., página 77.
33 Se desbalanceado ao contrário (ou seja, se o manejo do
poder for insuficiente ao cumprimento do interesse público) estaríamos
diante de violação dos princípios da função, do interesse público ou
da eficiência. Mas isso refoge ao âmbito do presente trabalho.
34 Sergio FERRAZ e Adilson DALLARI, “Processo Administrativo”, São Paulo, Malheiros, 2001, página
64.
35 Eros Roberto GRAU, “Crítica
da Discricionariedade e Reestruturação da Legalidade”, in Carmem Lúcia
Antunes Rocha (org), “Estudos de
Direito Administrativo em Homenagem ao Professor Seabra Fagundes”,
Belo Horizonte, Del Rey, 1995.
36 Odete MEDAUAR, “Direito
Administrativo Moderno”, São Paulo, RT, 3ª edição, 1999, página
146.
37 Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO, “Curso...”, cit., página 81.
38 Op. cit., página 79
39 Ver neste sentido o brilhante voto do Ministro Marco Aurélio
na Adin nº 1521-4 – RS (in DJ de 17 de março de 2000).
40 Ver decisão do Ministro Celso de Mello no Pedido de Suspenção
nº 1.320-9.
41 Apud Gilmar
Ferreira MENDES, “A
Proporcionalidade na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”, in “Repertório IOB de Jurisprudência”, São Paulo, IOB, volume
23, 1ª quinzena de dezembro de 1994, páginas 475 a 479.
42 Cf. “O Princípio
da Proporcionalidade na Regulação Econômica”, Mimeo, UFPR, Dissertação
de Mestrado defendida perante banca presidida pelo Professor Marçal Justen
Filho e integrada por mim e pela Professora Ângela Cássia Costaldello em
28 de junho de 2002, página 51.
43 Cf. J. J. Gomes CANOTILHO, “Direito Constitucional”, cit., página 270.
44 Cf. voto no Processo Administrativo nº 08000.022579/97-05,
Representante Messer Grieshem do Brasil Ltda.; Representada White Martins.
45 Marcel Queiroz LINHARES ensina: “a aplicação do princípio da proporcionalidade e seus desdobramentos
no âmbito do direito econômico permite desde logo apontar que: a) por
imposição do subprincípio da adequação, as medidas restritivas da
liberdade dos agentes econômicos devem ser apropriadas ao atingimento dos
objetivos sociais almejados. Em outras palavras, o meio restritivo deve ser
adequado aos fins pretendidos; b) em decorrência do subprincípio da
necessidade, a regulação adotada deve ser aquela que, dentre as medidas
igualmente adequadas à realização da finalidade pública, promova a menor
restrição à liberdade econômica e c) em função da exigência da
proporcionalidade em sentido estrito, a regulação levada a efeito deve
produzir restrições ao mercado que se manifestem como equilibradas em face
das vantagens obtidas. Isto eqüivale a dizer que o benefício coletivo
alcançado pela medida deve ser superior ou, quando menos, equivalente aos
malefícios ensejados pela restrição dela decorrente.”,
op. cit., páginas 116 e 117.
46 Não é por outra razão que a LGT contempla regras como
aquelas acima transcritas, em particular o artigo 66, voltado a típica
situação de desigualdade na proporcionalidade (v.g, assimetria regulatória).
47 Ver neste sentido as teses um tanto exóticas em torno de
um “direito de antena”.
48 Interessante notar que – artigo 160 – a LGT impõe à
Anatel que a disciplina do uso das freqüências observe os princípios da
eficiência e adequação, cabendo à Agência impor restrições ao emprego
destas se necessário ao interesse público. Em outro momento, vemos a exigência
de observância à racionalidade e à economicidade da sua utilização
(artigo 159). Indesviável ver, neste regramento, uma vez mais a presença
forte e marcante dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade,
nas linhas acima divisadas.
49 Ver Resolução nº 78, de 18 de novembro de 1998, que
definiu os critérios (diretrizes) regentes da destinação de faixas de
freqüência para suporte à prestação do STFC.
50 Artigo 1º. Este instrumento tem por finalidade estabelecer
as diretrizes básicas para a licitação das Autorizações para exploração
do Serviço Telefônico Fixo Comutado, destinado ao uso do público em geral
(STFC), nas modalidades local, longa distância nacional e longa distância
internacional, nas Regiões I, II, III e IV do Plano Geral de Outorgas.
51 Artigo 10. A Proposta de Preço apresentará o valor total
a ser pago pelo direito de ser Prestadora Autorizada em determinada Região
do Plano Geral de Outorgas e de uso das radiofreqüências, conforme artigo
12.
52 Artigo 12. O valor pago pela Autorização incluirá o
direito de uso de radiofreqüências das estações licenciadas e em operação
até 31 de dezembro de 2001, que sejam necessárias ao cumprimento do
Compromisso de Abrangência, conforme projeto técnico.
53 “LGT - artigo 48.
(...) § 1º. Conforme dispuser a Agência, o pagamento devido pela
concessionária, permissionária ou autorizada poderá ser feito na forma de
quantia certa, em uma ou várias parcelas, ou de parcelas anuais, sendo seu
valor, alternativamente: (...) III - fixado em função da proposta
vencedora, quando constituir fator de julgamento;”
54 Portanto uma clara regra voltada a respaldar o primeiro
momento de entrada da competição e da concomitância de regimes, por
intermédio das chamadas “empresas
espelho”.
55 Essa regra, de resto, guarda alguma analogia com
regra semelhante prevista nos contratos de concessão, sendo que lá
a regra foi ainda mais lassa para o prestador, pois lá se assegurou direito
de uso de radiofreqüências a título gratuito.
56
Francisco Javier de Ahumada RAMOS escreve que “la
elaboración se inicia por el Centro directivo correspondiente, con los
estudios e informes previos que garanticen la legalidad, acierto y
oportunidad de los mismos. (...) Este precepto es especialmente importante
dado que regula el trámite de audiencia a los interesados en el
procedimiewnto de elaboración de reglamentos.” (cf. “Materiales
para el estudio del derecho administrativo económico”, Madrid, Dicción,
2001, página 64).
57 Consta do Ato nº 4.368/99 o seguinte: “CONSIDERANDO que não acudiram interessados à obtenção de Autorizações
para exploração de Serviço Telefônico Fixo Comutado destinado ao uso do
público em geral - STFC, nas modalidades Local e Longa Distância Nacional
de âmbito intra-regional, na Região II do PGO, na Concorrência nº
001/98/SPB-ANATEL, na Licitação nº 002/98/SPB-ANATEL e na Convocação nº
003/99-ANATEL, o que determinou que fossem declarados desertos os Processos
acima citados para a referida Região;”
58 Pelo Regimento Interno da Anatel (Resolução nº 197) Ato
é o instrumento pelo qual a Agência “expressa
deliberação relativa a assuntos de interesse de terceiros, não abrangidos
por Resolução, Súmula ou Aresto.”
59 Caio TÁCITO, “Temas
de Direito Público”, Rio de Janeiro, Renovar, 1997, 1º volume, página
477.
60 Lembremos, para o Regimento Interno da Agência, as competências
normativas são exercidas exclusivamente por meio de Resolução (cf. artigo
3º, I, Resolução 197).
61 Neste sentido, põe-se oportuno trazer a lume as palavras
de Celso Antonio BANDEIRA DE MELLO
ao justificar a imperatividade de que os regulamentos se coloquem em posição
hierarquicamente inferior às Leis: “41.
O próprio processo de elaboração das leis, em contraste com o dos
regulamentos, confere às primeiras um grau de
controlabilidade, confiabilidade, imparcialidade e qualidade normativa
muitas vezes superior ao dos segundos, ensejando, pois, aos administrados um
teor de garantia e proteção incomparavelmente maiores.” (“Curso ...”,
cit., página 333). É que as leis se submetem a um trâmite graças ao qual
é possível o conhecimento público das disposições que estejam em
caminho de ser implantadas. Com isto, evidentemente, há uma fiscalização
social, seja por meio da imprensa, de órgãos de classe, ou de quaisquer
setores interessados, o que, sem dúvida, dificulta ou embarga eventuais
direcionamentos incompatíveis com o interesse público em geral, ensejando
a irrupção de tempestivas alterações e emendas para obstar, corrigir ou
minimizar tanto decisões precipitadas quanto propósitos de favorecimento
ou, reversamente, tratamento discriminatório, gravoso a grupos ou segmentos
sociais, econômicos ou políticos.
62 Inácio
Gutierréz GUTIÉRREZ, “Los
Controles de La Legislación Delegada”, Madrid, Centro de Estudios
Constitucionales, 1995, página
315.
63 Consulta Pública nº 41/98, tendo por objeto as “Diretrizes
para a Licitação das Autorizações para Prestação do Serviço Telefônico
Fixo Comutado”, publicada no Diário Oficial da União em 18 de maio
de 1998. Foram aceitas contribuições até 01 de junho de 1998.
64 Consulta Pública nº 68/98 tendo por objeto as “Diretrizes
para destinação de faixas de freqüências para sistemas de acesso fixo
sem fio, para prestação do STFC”, publicada no Diário Oficial da
União em 28 de agosto de 1998. Foram aceitas contribuições até 21 de
setembro de 1998.
65 Calha lembrar, por fim, o que afirma
BANDEIRA
DE MELLO: “De outra parte, entretanto, não há duvidar que o regulamento
vincula a Administração e firma para o administrado exoneração de
responsabilidade ante o Poder Público por comportamentos na conformidade
dele efetuados.” (op. cit., página 329).
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* Advogado do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques, Advocacia
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