Hoje, deixo o "causo" do nosso folclore político para o final da coluna.
Expectativa no topo
A tensão da esfera política chega ao topo da montanha. A causa ? A delação do fim do mundo, como está sendo designada a investigação que abrigará o depoimento de 70 executivos da Odebrecht na operação Lava Jato. A suposta lista de nomes envolvidos na Lava Jato pode chegar aos 150. Mas se os braços da investigação se estenderem a campanhas mais antigas, calcula-se que cerca de 400 políticos de partidos grandes, médios e pequenos serão laçados.
Rumo do processo
E como se desenrolará esse gigantesco ato investigativo ? Há análises de todos os tipos e para todos os gostos. Primeiro, o processo deverá ser muito demorado, eis que cada delator deverá fazer muitos relatos, não apenas um. Segundo, calcula-se que a modalidade de ajuda do grupo Odebrecht para os políticos abrange recursos oficiais, recursos do caixa dois e propinas. A questão que se coloca é a dificuldade de classificar as contas. Donde surge a questão : e se os partidos demonstrarem que os recursos entraram pela via legal nos cofres das campanhas ?
Zerar o passado ?
A solução aventada por muitos protagonistas aponta para o fechamento do ciclo do caixa dois em campanhas passadas, com a anistia aos beneficiados, e a abertura de um novo ciclo, com a condenação de agentes políticos futuramente envolvidos com recursos não contabilizados. Zerar o passado seria, portanto, a saída que a esfera política encontra para administrar a situação de quem recebeu dinheiro pelo caixa dois. Mas o preço de uma medida como essa custará caro à representação política : a execração social.
A indignação
A sociedade não acatará de forma tranquila esse jeitinho brasileiro. Movimentos, setores, grupamentos deverão reagir de maneira muito contundente. Haverá formidável pressão sobre o Parlamento para evitar a artimanha. Mesmo assim, chega-se a avaliar que os danos provocados por eventuais condenações da Lava Jato seriam maiores que a execração pública dos protagonistas envolvidos no caixa dois. Por isso, a tendência é a de aprovação do projeto que divide o caixa dois em antes e depois.
Tempo de maturação
O balão da Opinião Pública está no ar. O projeto está sendo debatido nas salas e corredores das casas congressuais. Por enquanto, não se viram manifestações de peso, até porque não apareceu ainda quem queira dar as caras como seu patrocinador. Fala-se que o presidente do Senado, Renan Calheiros, quer levar a ideia adiante. Mas ainda não se viu o escopo da proposta. O fato é que o tempo de maturação começou a correr.
Otimismo
O índice de confiança do empresariado nas perspectivas do país é o mais alto desde 2013. Chegou a 45% no terceiro trimestre, aumento de 25 pontos porcentuais ante igual período de 2015. Constatação da consultoria Grant Thornton. A melhora do humor ajudou o Brasil a escalar nove posições no ranking mundial, indo para o 14º lugar, deixando para trás países como Estados Unidos, na 15º posição.
Moro
O juiz Sérgio Moro, em sua longa entrevista ao Estadão, foi ao alvo da questão. Para ele, a corrupção, que deveria ser exceção, virou rotina. Esse é um fato que lhe causou surpresa.
Desordem social
O economista José Roberto Afonso fez um estudo sobre a situação financeira do Rio de Janeiro. Tocou forte : pode haver desordem social no Rio. A gravidade das contas é de tal monta que na paisagem é possível enxergar até uma intervenção Federal no Estado. Contratado para fazer estudo de recuperação, o economista trabalha com medidas duras, entre elas, a subtração de 30% do salário dos servidores para pagar o déficit da Previdência.
Consultor veta PEC
O consultor do Senado, Ronaldo Jorge Araújo Vieira Junior, produziu um parecer considerando inconstitucional a PEC do teto dos gastos. Diz, entre outras coisas, que a PEC fere princípios como a separação de Poderes e o sub-princípio da razoabilidade. O senador José Medeiros, do PSD-MT, mostrou uma foto do consultor exaltado em um evento de protesto contra o impeachment de Dilma. Mas ele nega filiação partidária.
A campanha suja
A campanha eleitoral norte-americana foi uma das mais sujas da história. Viu-se ali a degradação da política, fenômeno que se espraia pela comunidade mundial. A teia de representantes não tem passado no teste de qualidade. Corre os continentes o sentimento de que a política, além de não corresponder aos anseios das sociedades, não é representada pelos melhores cidadãos, como estatuía o ideário aristotélico. A estampa dos homens públicos também se apresenta esboroada. Viram as mentiras de Trump em seu périplo pelo país ?
O teste da democracia
A política degradada reflete os compromissos não cumpridos pela democracia, entre eles a educação para a cidadania, objeto de análise de um dos mais proeminentes pensadores da ciência política, Norberto Bobbio, em seu vigoroso ensaio sobre o ideário democrático. Governantes das mais diferentes ideologias dão efetiva contribuição à degenerescência da arte de governar, pela qual Saint Just, um dos jacobinos da Revolução Francesa, já expressava, nos meados do século 18, grande desilusão : "Todas as artes produziram maravilhas, menos a arte de governar, que só produziu monstros."
Trump e o mundo
Vitória de Donald Trump traz ameaças de estabilidade nas relações entre EUA e o mundo. Abre, de imediato, uma guerra comercial com alguns países. Ele prometeu impor uma tarifa de 45% sobre importações da China. Imaginem o tamanho do litígio. O protecionismo de Trump afeta muito o Brasil.
Dia D
Hoje, o Supremo Tribunal Federal deverá pôr em julgamento a validade da súmula 331, do Tribunal Superior do Trabalho. Esta súmula admite a terceirização de atividades-meio, mas não de atividades-fim. O ministro Luiz Fux dará seu voto sobre o recurso da empresa Cenibra (MG), processada por um sindicato de trabalhadores por ter terceirizado atividades-fim. A empresa se ampara no princípio da Legalidade : "Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Não há lei que proíba a terceirização de atividade-fim. O sindicato aponta para o enunciado 331 do TST. A Cenibra refuta : enunciado não tem força de lei. O ministro Fux dará seu voto sobre o imbróglio. (P.S. É possível que não saia decisão hoje)
Previsão de Manus
O ministro aposentado do TST, Pedro Paulo Teixeira Manus, acredita que o STF tende a acabar com a restrição das terceirizações às atividades-meio. Ele lembra que o ministro Dias Toffoli, em liminar, já mostrou contrariedade a essa limitação. Manus acredita que o Supremo vá meramente revogar a súmula 331, mas não regulamentar a questão - o que aumentaria ainda mais a segurança jurídica sobre o assunto. O TST só normatizou as subcontratações devido à inércia do Congresso. Há dois projetos no Congresso criando o marco regulatório da Terceirização : o PL 4302, aprovado pela Câmara e reformado no Senado, voltou à Câmara ; e o PL 4330, aprovado na Câmara e que se encontra no Senado.
A verdade
Há dias, The Economist, a prestigiada revista britânica, trouxe interessante análise sobre a pós-verdade, essa tendência de falsear as informações nesses turbulentos tempos contemporâneos. Expôs o painel das contrafações e mentiras, a partir da torre de babel formada na esteira da campanha norte-americana. Barack Obama teria nascido na África, fundado o Estado Islâmico ; os Clintons são assassinos e o pai de um rival estava com Lee Harvey Oswald antes de ele matar John Kennedy. Trapaças de Donald Trump.
Preconceitos
A manipulação da verdade não é novidade na política. Basta ver como Hitler usou a propaganda para fazer a mistificação das massas. Mas hoje a situação é até mais grave, segundo Economist : "a verdade não é falsificada, ou contestada, mas de importância secundária. Antes, o propósito da mentira política era criar uma falsa visão do mundo. As mentiras de homens como Trump não funcionam assim. Elas não buscam convencer as elites, a quem seus eleitores-alvo nem confiam ou gostam, mas reforçar preconceitos. Sentimentos, não fatos, são o que importa neste tipo de campanha."
Mídia do Estado-espetáculo
A "pós-verdade" é alimentada pela mídia do Estado-espetáculo. Hoje, as informações falsas escapam dos grandes meios para as redes eletrônicas. "Mentiras que são amplamente compartilhadas on-line dentro da rede, cujos membros confiam uns nos outros mais do que em qualquer fonte da mídia mainstream, podem assumir rapidamente a aparência de verdade. Apresentadas a evidências que contradizem a crença que tinham, as pessoas têm uma tendência a negar os fatos num primeiro momento", conclui The Economist.
Entre nós
O fato é que a desinformação e as falsas informações inundam os espaços midiáticos, particularmente na mídia eletrônica. Face a esses desvios, este analista de política decidiu criar um Movimento pela Verdade : MOVER. Tem como objetivo resgatar a verdade, atenuar o painel de falsas informações, corrigir informações erradas, sempre procurando evitar as malhas mal intencionadas, algumas sob soldo de patrocinadores com o fito de difamar e caluniar.
Lei Rouanet
Um exemplo recente de desinformação e informação maldosa foi o bombardeio sobre a Lei Rouanet. A partir de um ou outro caso de desvio no entorno da lei, quase todo o conjunto de pessoas que usaram recursos para patrocínio das artes foi colocado no cadafalso. Desde o ano passado, sites e blogs procuram sujar a imagem de artistas, diretores, promotores, etc. E assim a imagem de pessoas probas e honestas foi duramente atingida. Este escriba continuará a fazer sua crítica adequada sobre maus comportamentos nos amplos espaços da política e da cultura, mas não acolherá informações falseadas ou com nítida intenção de atingir a honra de pessoas.
Fecho a coluna com uma deliciosa historinha do Rio Grande do Norte.
"Aposentem o homem"
Dinarte Mariz (UDN) era governador do Rio Grande do Norte. Em uma de suas costumeiras visitas à Caicó, visitou a feira da cidade, acompanhado da sempre presente Dona Nani, secretária de absoluta confiança. Dá de cara com um amigo de infância e logo pergunta :
- "Como vai, Zé Pequeno ?"
O amigo, meio tristonho e cerimonioso, responde :
- "Governador, o negócio não tá fácil ; são oito filhos mais a mulher... tá difícil alimentar essa tropa vivendo de biscate. Mas vou levando até Deus permitir."
O velho Dinarte o interrompe de pronto :
- "Zé, que é isso, homem, deixe essa história de governador de lado. Sou seu amigo de infância, sou o Didi!"
Vira-se para Dona Nani e ordena :
- "Anote o nome do Zé Pequeno e o nomeie para o cargo de professor do Estado."
Na segunda-feira, logo no início do expediente, Dona Nani entra na sala de Dinarte e vai logo informando :
- "Governador, temos um problema, o Zé Pequeno, seu amigo, é analfabeto ; como podemos nomear..."
Antes que concluísse a fala, o governador atalha :
- "Virge Maria, Dona Nani ! O Rio Grande do Norte não pode ter um professor analfabeto. Aposente o homem imediatamente." E assim foi feito !
(Historinha enviada por Lindolfo Sales).